"Ó Deus, que manifestais a vossa onipotência sobretudo com a misericórdia e o perdão…": rezamos na coleta de hoje. Na primeira leitura, ouvimos dizer como Deus, na história de Israel, manifestou o poder da sua misericórdia. A experiência do exílio babilonense fizera o povo cair numa crise de fé: Por que sucedera aquela desgraça? Seria Deus verdadeiramente poderoso?
Há teólogos que, à vista de todas as coisas terríveis que acontecem hoje no mundo, dizem que Deus não pode ser onipotente. Diversamente, nós professamos Deus, o Onipotente, o Criador do céu e da terra. Sentimo-nos felizes e agradecidos por Ele ser onipotente; mas devemos, ao mesmo tempo, dar-nos conta de que Ele exerce o seu poder de maneira diferente de como costumam fazer os homens. Ele próprio impôs um limite ao seu poder, ao reconhecer a liberdade das suas criaturas. Sentimo-nos felizes e agradecidos pelo dom da liberdade; mas, quando vemos as coisas tremendas que sucedem por causa dela, assustamo-nos. Mantenhamos a confiança em Deus, cujo poder se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão. E estejamos certos, amados fiéis, de que Deus deseja a salvação do seu povo. Deseja a nossa salvação. Sempre, mas sobretudo em tempos de perigo e transtorno, Ele está perto de nós, o seu coração comove-se por nós, inclina-se sobre nós. Para que o poder da sua misericórdia possa tocar os nossos corações, requer-se a abertura a Ele, é preciso a disponibilidade de abandonar o mal, levantar-se da indiferença e dar espaço à sua Palavra. Deus respeita a nossa liberdade; não nos constrange.
No Evangelho, Jesus retoma este tema fundamental da pregação profética. Narra a parábola dos dois filhos que são convidados pelo pai para irem trabalhar na vinha. O primeiro filho respondeu: "'Não quero'. Depois, porém, arrependeu-se e foi" (Mt 21, 29). O outro, ao contrário, disse ao pai: "'Eu vou, senhor.' Mas, de fato, não foi" (Mt 21, 30). À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira a vontade do pai, os ouvintes respondem: "O primeiro" (Mt 21, 31). A mensagem da parábola é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os atos de conversão e de fé. Jesus dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, isto é, aos peritos de religião no povo de Israel. Estes começam por dizer "sim" à vontade de Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso sentem a mensagem de João Batista e a de Jesus como um incômodo. E assim o Senhor conclui a sua parábola com estas palavras drásticas: "Os publicanos e as mulheres de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Batista veio ao vosso encontro pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes, acreditando nele" (Mt 21, 31-32). Traduzida em linguagem do nosso tempo, a frase poderia soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram paz e pessoas que sofrem por causa dos nossos pecados e sentem desejo dum coração puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado pela fé... No Evangelho deste domingo, fala-se de dois filhos, mas misteriosamente por detrás deles há ainda um terceiro filho. O primeiro filho diz "não", mas depois cumpre a vontade do pai. O segundo filho diz "sim", mas não faz o que lhe foi ordenado. O terceiro filho diz "sim" e faz também o que lhe foi ordenado. Este terceiro filho é o Filho Unigênito de Deus, Jesus Cristo, que aqui nos reuniu a todos. Ao entrar no mundo, Ele disse: "Eis que venho (…) para fazer, ó Deus, a vossa vontade" (Heb 10, 7). Este "sim", Ele não se limitou a pronunciá-lo, mas cumpriu-o. Diz-se no hino cristológico da segunda leitura: "Ele, que era de condição divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio Se despojou, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido no aspecto como simples homem, ainda mais Se humilhou a Si mesmo, obedecendo até à morte e morte na cruz" (Flp 2, 6-8). Em humildade e obediência, Jesus cumpriu a vontade do Pai, morreu na cruz pelos seus irmãos e irmãs e redimiu-nos da nossa soberba e obstinação. Agradeçamos-Lhe pelo seu sacrifício, ajoelhemos diante do seu Nome e, juntamente com os discípulos da primeira geração, proclamemos: "Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai" (Fl 2, 11)..." (Papa Bento XVI)
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