quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

94ª Catequese

“E olhando o céu de estrelas sobre as rochas,/ Digo-me a mim, pensando:/ Para que tantas tochas?/ Que fazem o ar infindo e essa profunda/ Azul serenidade?/ Que quer dizer a solidão imensa?/ E eu que sou?” (Leopardi, G. Canto noturno de um pastor errante da Ásia, vv. 84-89). Esta poesia de Giacomo Leopardi exprime de forma admirável a experiência em que se revela o senso religioso do homem. O impacto do eu com a realidade desencadeia a pergunta humana. Ou seja, há em nós uma estrutura inata que, no impacto com o real, é inexoravelmente posta em andamento, de modo a mobilizar todo o dinamismo da nossa pessoa.
Convidando-nos a identificar-nos com o Evangelho de João, Giussani descreve de modo admirável como aconteceu esse fato.
“Finalmente veio este João, chamado o batista, que vivia de maneira tal que todas as pessoas ficavam impressionadas com ele, e, desde os fariseus até o último camponês, deixavam suas casas para ir ouvi-lo falar, pelo menos uma vez. Se eram muitos ou poucos, não sabemos; o que sabemos é que naquela ocasião lá estavam dois que vinham pela primeira vez, e estavam todos atentos, com a boca aberta, na atitude de quem vem de longe e vê o que veio ver com uma curiosidade sem restrições, com uma pobreza de espírito, uma infantilidade e uma simplicidade de coração [...]. A certa altura, uma pessoa se destaca do grupo e vai-se embora pela trilha que sobe o rio. Quando essa pessoa se mexe, o profeta João Batista, repentinamente inspirado, põe-se a gritar: ‘Eis o Cordeiro de Deus. Eis Aquele que tira os pecados do mundo’. As pessoas não fazem caso [...]. Mas aqueles dois, com a boca aberta e os olhos arregalados como duas crianças, veem para onde se dirige o olhar de João Batista: para aquele indivíduo que está indo embora. Então, instintivamente, saem em seu encalço, seguem-no, tímidos, embaraçados. Ele percebe que alguém o segue. Volta-se: ‘O que quereis?’ ‘Mestre’, respondem, ‘onde moras?’ ‘Vinde e vede’, diz-lhes gentilmente. Vão, ‘e viram onde morava, e ficaram com Ele todo aquele dia’. Nós nos identificamos facilmente com esses dois ali sentados, vendo aquele homem falar e dizer coisas que nunca ninguém tinha ouvido, mas tão próximas, tão pertinentes, que repercutiam tanto neles. [...] Eles não entendiam, estavam simplesmente presos, arrebatados, extasiados por aquele modo de falar: olhavam-No falar. Pois foi por ‘olhar’ [...] que alguns homens se deram conta de que havia entre eles algo inenarrável: uma Presença não apenas inconfundível, mas incompreensível, e que mesmo assim os invadia. Invadia porque correspondia ao que o coração deles esperava, de um modo a que nada se comparava: seu pai e sua mãe não lhes haviam dito, quando eram pequenos, com a mesma evidência e eficácia, aquilo por que o tempo de sua vida valia a pena ser vivido. Não puderam nem souberam dizê-lo; diziam muitas outras coisas corretas, boas, mas como fragmentos de algo que era preciso tentar agarrar no ar para ver se uma partícula se encaixava na outra. Uma correspondência profunda. [...] À medida que as palavras chegavam até eles, e que o seu olhar, atordoado e admirado, penetrava naquele homem, eles sentiam-se mudar, sentiam que as coisas mudavam: o significado das coisas mudava, o eco das coisas mudava, o caminho das coisas mudava”. O relato não termina aqui, pois Giussani imagina a volta de João e André para casa, depois do encontro com Cristo: “E quando voltaram, à noite, ao cair da tarde – muito provavelmente percorrendo aquele mesmo caminho em silêncio, pois nunca tinham falado um com o outro como naquele grande silêncio em que um Outro falava, em que Ele continuava a falar e a ecoar dentro deles –, e chegaram a sua casa, a esposa de André, encarando-o, disse: ‘Mas o que é que você tem, André, o que é que você tem?’ E os filhos pequenos, pasmos, olhavam para o pai: era ele, sim, era ele, mas era ‘mais’ ele, estava diferente. Era ele, mas estava diferente. E quando – como dissemos uma vez, comovidos, usando uma imagem fácil de pensar por ser tão realista – ela lhe perguntou: ‘O que aconteceu?’, ele abraçou-a. André abraçou sua mulher e beijou seus filhos: era ele, mas nunca a havia abraçado assim! Era como que a aurora ou a alvorada ou o crepúsculo matutino de uma humanidade diferente, de uma humanidade nova, de uma humanidade mais verdadeira. Quase como se dissesse: ‘Finalmente!’, sem crer nos seus próprios olhos. Mas era evidente demais para que não acreditasse em seus olhos!” (Mons. Carrón)

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