quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

64ª Catequese

"Jesus está ali, falando à porta de uma casa, e todo mundo obstrui a passagem para ouvi-lo falar1. Ao meio-dia deveria almoçar, mas ele – como dizem os Evangelhos – se esquecia até de comer: era como se, diante das pessoas que sofriam, ele não conseguisse ir embora.
E chegam dois homens com um paralítico em uma pequena maca – portanto, ele era menor do que a sua idade, encolhido – e dizem: “Com licença! Com licença! Com licença!”, como as ambulâncias que buzinam quando o trânsito está engarrafado, por isso não conseguem passar e continuam a buzinar, mas não conseguem passar de jeito nenhum, até que chegam os guardas (quando aparecem!). Então, eles pediam: “Com licença! Com licença! Com licença!” (não tinham buzina!) e as pessoas não abrem espaço (como os automóveis em Via Dante: não se dão por vencidos!); todas as pessoas ficam ali paradas para escutá-lo. Então aqueles dois, espertos, dão a volta na casa. Como as casas eram de um andar só – o térreo – e normalmente o teto era de barro e palha, alçam-no ao teto, tiram uma parte do teto e o descem, atrás de Cristo. Cristo se volta, o fixa e diz: “Confia, os teus pecados estão perdoados”. Com muita agudez, com a sua agudez, Jesus intui a depressão e a fraqueza moral que normalmente acompanha uma longa enfermidade (paralítico há 20 anos), e esta é uma observação psicologicamente muito justa. Depois o cura, como desafio aos fariseus que estavam ali em frente, escandalizados por ele ter dito: “Confia, os teus pecados estão perdoados”. Mas imaginem aquele homem que se levanta da cama...
Imaginem aquele paralítico que se encontra livre, em pé, que está ali no meio das pessoas, como todos os outros; todos que o olhavam com uma curiosidade um pouco espantada pelo fato estranho, sobre-humano (estranho, pelo menos), que havia acontecido entre eles. Depois, aquele homem o seguirá, entenderá muitas coisas que ele dizia; seja como for, a principal podia ser compreendida por todos: disse que era o Messias. Esta verdade de Cristo chegou até ele ligada ao fato de que ele foi lá na maca e saiu daquela casa livre.
O seu relacionamento com Deus, o modo como ele rezou naquela noite, o modo como depois foi ao templo todos os dias, o sentimento da vida que tinha quando via o sol se pôr ou o sol nascer, e quando então ia trabalhar todas as manhãs, com a alma cheia de gratidão e com a alma plena de misterioso temor, de temor e tremor para com este mistério de Deus que tinha chegado a ele naquele homem que o havia curado; enfim, o sentimento por Jesus, o modo como dizia que Jesus era o Messias – e também o disse aos outros, porque depois foi atrás dele, tornou-se um discípulo seu –, o modo como ia com os outros às cidadezinhas para anunciar que o Reino de Deus já estava entre eles (pois Jesus estava lá), o modo como agia, o modo como pensava no seu passado (em todo o marasmo pelo qual se deixou levar: as baixezas, o desencorajar-se, as blasfêmias), o modo como havia tratado os parentes, o modo como os tratava agora, eram todas ações que partiam de uma consciência de si, de um senso da sua pessoa, cuja fisionomia era plasmada, nascia da lembrança de como Jesus o havia agarrado, de como Jesus o havia investido, de como Jesus o havia tratado, de como ele havia conhecido Jesus.
Madalena está lá na calçada, curiosa (como todas as mulheres, mas ela em particular), olhando a multidão atrás daquele Jesus que dizia ser o Messias (matariam-no alguns meses depois); e Jesus, passando por ali por um instante, sem nem mesmo parar, a olha: de agora em diante, ela não olhará mais a si mesma, não verá mais a si mesma e não verá mais os homens, as pessoas, a sua casa, Jerusalém, o mundo, a chuva e o sol, não poderá mais olhar todas essas coisas a não ser dentro do olhar daqueles olhos. Quando se olhava no espelho, a sua fisionomia era dominada, determinada por aqueles olhos. Aqueles olhos estavam ali dentro – entendem? O seu rosto era plasmado por aqueles olhos.
As modalidades com as quais o Acontecimento alcançou o paralítico e alcançou Madalena são diferentes. É o mesmo Jesus, é o mesmo objeto em que acreditar, mas é diferente a fisionomia com que ele se apresentou; e esta fisionomia permanece pela vida inteira.
Por toda a sua vida o paralítico se olhou determinado por aquele “Te perdôo”, que também o havia feito ressurgir fisicamente.
Sua vida inteira – nos detalhes e no conjunto –, Madalena a olhou dentro daquele olhar ao qual não se seguiu uma só palavra, a não ser alguns dias depois, quando ele, que dizia ser profeta, havia sido convidado para comer pelos chefes dos fariseus, que queriam apanhá-lo em falta; ela entrou na sala de jantar sem pedir permissão a ninguém, rapidinho, e se jogou aos seus pés, lavando-os com seu pranto e enxugando-lhes com seus cabelos, para o escândalo de todos (“Se ele fosse um profeta, saberia que tipo de mulher é essa que o trata assim!”). Mas a vida inteira – nos detalhes e no conjunto –, ela não podia não vê-la, não senti-la, não vivê-la, senão dentro daquele olhar. (Dom Giussani)

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