"Sem uma razão adequada, não há possibilidade de resistir e, portanto, de construir algo que tenha uma perspectiva de duração. Só uma coisa que é mais consistente que qualquer eventualidade pode ser fundamento adequado para construir. E que coisa é essa?
Para responder a essa pergunta, permitam-me uma confidência. Todos os anos, sou obrigado a conversar com pessoas que, depois de anos de noviciado, pedem sua admissão definitiva à associação Memores Domini. Nessa ocasião, eu sempre me pergunto: entre os tantos detalhes de que a vida é feita, o que é que eu devo levar em consideração para ajudá-las a entender se é razoável ou não dar este passo tão decisivo em sua vida? Já que eu não sei como o Mistério vai conduzi-las até o destino, por quais situações ou circunstâncias o Senhor as fará passar, a única garantia que permitirá que enfrentem qualquer eventualidade é que cada uma delas tenha feito uma experiência que, aconteça o que acontecer, não lhes possa ser tirada. Enfim, uma experiência que possa sustentar a vida inteira. E eu me lembro sempre de uma frase de Santo Tomás, que muitos de vocês já conhecem, que expressa sinteticamente o ponto central da questão: “A vida do homem consiste no afeto que principalmente o sustenta e no qual encontra a sua maior satisfação” (Summa Thologiae, II-II, q. 179, a. 1). Só um afeto no qual a pessoa tenha encontrado sua maior satisfação pode sustentar a vida inteira.
É possível que exista um afeto assim? Será que existe um afeto que corresponda de tal modo à nossa expectativa, a ponto de poder-se tornar um fundamento capaz de resistir em qualquer luta? Ou, expresso com outras palavras, mais específicas para a ocasião de hoje: existe um afeto mais satisfatório que qualquer individualismo?
Se o homem é exigência de totalidade, somente algo total pode corresponder a essa exigência. Um único homem em toda a história teve essa pretensão: Jesus de Nazaré, o Mistério que se fez carne. Só quem teve a graça de encontrar um dom como este pode entender o que é a satisfação que permite sustentar a vida inteira. Só é possível não ceder ao individualismo se recebemos um bem incomensurável como esse.
Este é o realismo cristão: “De fato, se Deus não se tivesse tornado homem, ninguém poderia orientar a própria vida segundo essa gratuidade, nenhum de nós teria ousado olhar para a própria vida segundo essa generosidade” (Giussani, L. O eu, o poder, as obras, p. 131; trad. Neófita Oliveira).
Com isso, conseguimos entender muito bem o início da recente encíclica do Papa: “A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com sua vida terrena e sobretudo com sua morte e sua ressurreição, é a principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” (Bento XVI, Caritas in veritate, 1).
Por quê? Porque “da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança” (id., ibid., 2).
Essa caridade ilimitada que Deus tem conosco, mais satisfatória que qualquer hipótese de individualismo, é o que nos torna, por nossa vez, sujeitos de caridade: “Destinatários do amor de Deus, os homens são constituídos sujeitos de caridade, chamados a fazer-se eles mesmos instrumentos da graça, para difundir a caridade de Deus e tecer redes de caridade” (id., ibid., 5).
Da superabundância da caridade, da plenitude do amor de que fomos objeto, pode nascer a gratuidade. Não de uma falta, mas de uma superabundância!
"É a verdade originária do amor de Deus — graça a nós concedida — que abre a nossa vida ao dom e torna possível esperar por um ‘desenvolvimento do homem todo e de todos os homens’, por uma passagem ‘de condições menos humanas a condições mais humanas’, que são obtidos quando vencemos as dificuldades inevitavelmente encontradas ao longo do caminho” (id., ibid., 8).
Sem isso, não podemos continuar a construir por muito tempo. Dom Giussani, há vinte e cinco anos, dizia a um grupo de universitários que “nós não podemos continuar a ser tão ativos e a produzir o que produzimos nestes anos ferozes sem a comunhão, mas a comunhão, sem Cristo, não se mantém de pé; a razão da comunhão é Cristo, e só o pensamento de Cristo, a relação com Cristo gera a condição pela qual posso permanecer na companhia sem me sentir alienado, ou seja, o amor a mim mesmo, o amor aos outros como reflexo do amor a mim mesmo. Assim, digo que não é possível que continuemos a amar a nós mesmos se Cristo não for uma presença, como uma mãe é uma presença para seu filho [...]; se Cristo não é presença, se não venceu a morte, ou seja, se não ressuscitou, e, por conseguinte, se não é o dominador da história – motivo pelo qual o tempo não o detém, o espaço e o tempo não o delimitam –, se não tem a história em suas mãos, se não é Senhor do tempo e do espaço, se não é Senhor da história, se não é meu como foi de João há dois mil anos, se Tu não és presença real para mim, ó Cristo, eu volto a ser nada." (Mons Carrón)
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