"Deus rompeu a distância e entrou na história como um homem, “de tal modo que o pensamento e toda a sua capacidade de imaginar, a afetividade e todo o seu sonhar ficaram como que ‘imobilizados’, magnetizados” 9. Foi assim que o jogo recomeçou, graças à curiosidade que Ele havia despertado. Diante daquela pergunta (“Quem é este?”), à qual não eram capazes de responder, mas que não podiam evitar fazer a si mesmos, eles foram obrigados a reconhecer que naquele Homem havia algo maior, que nenhuma definição (profeta, rei, etc.) era capaz de abarcar: tiveram de aceitar o que Ele dizia de si, de tanto que correspondia ao que seus olhos viam.
A fé, que é o primeiro ponto do itinerário do livro, é justamente o reconhecimento do Mistério presente naquela realidade humana absolutamente única e fascinante, que os leva a dizer sem parar: “Nunca vimos algo assim!” Se “existe na nossa experiência algo que provém de fora dela: imprevisível, misterioso, mas dentro dela” (p. 225), e a pessoa censura esse algo presente dentro de sua experiência, é obrigada a negar a própria experiência que faz. Por isso, se eles não tivessem aceitado o que Ele dizia de si, teriam sido obrigados a negar o que seus olhos viam, que era a coisa mais evidente que podia existir. O que eles têm a sua frente não é o Mistério enquanto desconhecido, mas o Mistério presente, tão presente que transborda daquele humano. Quantas e quantas vezes o Evangelho narra esse maravilhamento, não diante de algo que não existia, de algo que faltava: não é um Mistério desconhecido e distante, é um Mistério presente!
A verificação de que todas essas coisas não são palavras, a verificação da fé de quem foi alcançado por essa Presença incomparável e que não pode trapacear diante dela, a verificação da fé é a liberdade. O que é a liberdade? Dom Giussani, para responder a isso, nos facilita o caminho: pensemos em quando cada um de nós se sente livre, partamos do adjetivo, da experiência de nos sentirmos livres. A pessoa se sente livre quando um desejo seu é satisfeito, quando o que ela deseja acontece. Tanto é que, quando encontramos alguém que contraria esse desejo, que nos impede de realizá-lo, dizemos que essa pessoa é como um “patrão” que não nos deixa sermos nós mesmos, que não permite a realização do nosso desejo. Mas o que é que nós desejamos? O que o homem deseja? O que eu desejo? O que cada um de nós deseja? Quando mais avançamos na vida, mais conseguimos obter o que desejamos e mais nos damos conta de que o nosso desejo é sempre maior. Pavese dizia: “O que o homem busca nos prazeres é um infinito, e ninguém jamais renunciaria à esperança de alcançar essa infinitude” 10. Portanto, a liberdade é relação com esse infinito que é capaz de satisfazer todo o desejo do eu.
Como esse desejo é despertado novamente? Como o Mistério se torna próximo e desperta novamente em nós esse desejo? Por meio das criaturas, por meio das coisas. Quanto mais a pessoa se aproxima da realização desse desejo, desse infinito, mais é livre: o fato cristão, a presença de Cristo, é aquilo que é capaz de realizá-lo cada vez mais; não o esgota, mas o desperta sempre de novo, sem parar. Então a pessoa compreende que, sem a fé, quando a fé não é real, o reconhecimento de algo real, não há possibilidade de liberdade. Não podemos brincar com as palavras, não podemos cair aos poucos num simples nominalismo. O cristianismo deixou de interessar as pessoas porque se transformou num nominalismo. Se a pessoa não faz a experiência de cada palavra que diz (como graças a Deus, graças a Deus pela nossa vida, como Dom Giussani nos ensinou, ensinou a nós, que o conhecemos), a fé vai-se tornando cada vez menos interessante: a vida se torna cada vez menos interessante. Ao contrário, quando a pessoa experimenta cada vez mais a realização do desejo, esse é o testemunho mais evidente da verdade da fé.
E, por isso – terceiro ponto da primeira parte, sobre a fé –, a pessoa O segue. É a obediência. Palavra maldita: de fato, inexoravelmente, a menos que obedeça à coisa mais interessante da vida, a pessoa sente essa palavra como algo que lhe arranca a vida, como alguém que lhe tira a vida. Mas Dom Giussani diz: diante do “fato excepcional d’Aquele homem que fala sempre [e age, e me olha, e me abraça, e tem essa ternura por mim] de modo correspondente ao coração como nenhum outro, a conseqüência mais imediata e lógica é segui-lo, como disse São Pedro: ‘Se formos embora, para onde iremos?’” (p. 118). Ninguém os obrigou a obedecer. Jesus os desafiou até o fim. Todos tinham ido embora. “Vós também quereis ir?” Não os poupou de nada. Que experiência de plenitude eles devem ter feito com aquele Homem, para que Pedro pudesse dizer: “Se te deixarmos, para onde iremos? Só tu tens palavras que explicam a vida” 11! Só assim a pessoa entende de verdade o que é a obediência." (Mons. Carrón)
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