“É bela a estrada para quem caminha.” Esta é a novidade introduzida na história pelo Mistério: fazer a estrada tornar-se bela. Para quem caminha. “É bela a estrada para quem ruma.” É impressionante como isso se confirma: a vida se transforma numa bela estrada, num caminho cada vez mais fascinante, numa aventura cada vez mais entusiasmante para quem caminha, e cada vez mais pesada para quem não caminha. “Ao levantar-se, pela manhã, tudo o aborrecia, a começar da luz; até o café com leite”, dizia a canção “O homem mau”, de Chieffo
(“L’uomo cattivo”. In: Il libro dei canti. Milão: Jaca Book, 1976, p. 291). Os mesmos ingredientes da vida, para um, são um aborrecimento e, para outro, uma beleza.
O que é que introduz essa beleza, o que é que leva a estrada a tornar-se bela? “Eu me admiro, vagando sob o céu, por Jesus, o Salvador, ter vindo morrer por uma pobre gente faminta como eu e você” (“I wonder as I wander out under the sky, that Jesus the Saviour should come for to die, for poor hungry people like you and like I”: “I Wonder”. In: Canti. Milão: Cooperativa Editoriale Nuovo Mondo, 2002, p. 283). Para quem está cheio dessa admiração, por tê-Lo encontrado, todas as coisas despertam a saudade d’Ele. “O campo está todo tingido de amarelo, e eu já sinto saudade de ti” (“È gialla tutta la campagna ed ho già nostalgia di te”: Chieffo, C. “La strada”. In: Canti, cit., p. 245). O que torna bela a estrada é que tudo, tudo, pelo fato de O termos encontrado, desperta em nós a saudade d’Ele - a saudade de Ti, ó Cristo -, e, quanto mais caminhamos (quando a vida nos aperta, quando o campo está mais amarelo), mais tudo é saudade.
Foi essa a novidade que Cristo, o Mistério que se fez carne, que se tornou presença para o homem, introduziu como possibilidade na situação histórica de sua época, na ruína de sua época, na situação conturbada de sua época, e é essa novidade que Ele introduz, para cada um de nós, na ruína de hoje. Como alguém observava na assembleia de ontem, quem leciona hoje nas escolas já não se encontra diante de jovens em quem é preciso ajeitar alguma coisa, corrigir alguma nuança; não, a humanidade com que nos deparamos está cada vez mais confusa, desfeita, destruída. Mas, quanto mais temos consciência dessa situação, mais nos surpreende que Alguém tenha tido piedade de pessoas como você e eu, tal como somos, com toda a nossa humanidade, antes de qualquer outra consideração. Perguntemo-nos, então: todos os sinais de humanidade que vemos ao nosso redor – o mal-estar, a insatisfação, a tristeza, o tédio, ou a ruína – são um obstáculo? O fato de já não nos depararmos com o legítimo jovem, ou com a legítima pessoa, ou de já não sermos legítimos como antes, é um obstáculo ou é, de novo, a oportunidade para nos surpreendermos com a vinda de Alguém que teve e tem piedade de nós, de mim e de você? E ainda: esses sinais de humanidade são os sintomas de uma doença ou, em vez disso, de uma desproporção estrutural, de uma espera do Único que pode pôr o eu em ordem outra vez (não no sentido de ajeitá-lo, mas de fazê-lo ressurgir dessa situação)? Chegamos a um ponto crucial, como vemos em muitos de nossos gestos, em muitas das pessoas que encontramos: não nos serve, e nem serve para a Igreja, uma redução do cristianismo a ética. Na situação em que estamos, em que nós e os outros temos de viver, como disse alguém, só pode acontecer Jesus. Em outras palavras, precisamos de algo diferente, de algo além daquilo que conseguimos fazer, diferente de todas as nossas tentativas.
O valor da situação em que nos encontramos está em tornar evidente para nós que já não nos podemos dar ao luxo de reduzir o cristianismo, a natureza do cristianismo: ou o cristianismo acontece, para nós e para os outros, ou nem ficamos de pé; e, se não ficamos de pé, a fé não é razoável, não temos razões para crer. O que surpreende é que nesta situação, como foi testemunhado na assembleia de ontem, estão aparecendo pessoas que nos últimos anos têm percorrido um caminho, pessoas que vêm trilhando uma estrada, porque Jesus acontece, aconteceu e acontece, está acontecendo... " (Mons. Carrón)
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