"'O poeta italiano Mario Luzi descreve de modo insuperável em que consiste esta nossa natureza: “De que é falta esta falta,/ coração,/ de que de repente te enches?/ De quê?/ Rompido o dique,/ inunda-te e te submerge/ a cheia da tua indigência.../ Vem,/ talvez venha,/ de além de ti/ um chamado/ que agora, por agonizares, não escutas./ Mas existe, a música perpétua/ preserva sua força e canto... Voltará./ Tende calma” (“Di che è mancanza...”. In: Sotto specie umana. Milão: Garzanti, 1999, p. 190).
A natureza dessa falta fica evidente quando procuramos dar-lhe uma resposta. Os prazeres, muitas vezes, constituem a primeira tentativa de preencher o vazio dessa falta. Mas uma surpresa nos espera, descrita por Cesare Pavese de modo irretocável: “O que o homem busca nos prazeres é um infinito, e ninguém jamais renunciaria à esperança de alcançar essa infinitude” (cf. O ofício de viver. Trad. Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 209).
É no amor, porém, que normalmente pensamos encontrar uma resposta à altura de nosso desejo. A razão pela qual depositamos a esperança no amor nos foi lembrada pelo Papa: “O amor entre o homem e a mulher, no qual concorrem indivisivelmente corpo e alma e se abre ao ser humano uma promessa de felicidade que parece irresistível, sobressai como arquétipo [...], de tal modo que, comparados com ele, à primeira vista todos os demais tipos de amor se ofuscam” (Deus caritas est, 2). Portanto, não há nada que nos faça compreender melhor o mistério da nossa natureza de homens que a relação entre um homem e uma mulher.
Trata-se exatamente da experiência que Giacomo Leopardi exprime de modo inesquecível num poema: “Mulher, ao meu pensar se deparou,/ Qual um raio divino a tua beleza” (“Aspásia”, vv. 33-34. In: Cantos. Trad. Mariajosé de Carvalho. São Paulo: Max Limonad, 1986). A beleza da mulher é percebida pelo poeta como um raio divino, como a presença do divino.
A beleza da mulher é um sinal que remete para além, para uma outra coisa, maior, divina, incomensurável em relação a sua natureza limitada, como descreve Romeu no drama de William Shakespeare: “Mostra-me uma mulher que é mais que bonita; sua beleza só me servirá de lembrete, um lembrete onde poderei ler a beleza daquela que é ainda mais linda que a mulher que me mostraste” (Romeu e Julieta, I, 1. Trad. Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 1998, p. 20).
Essa é a grandeza do homem, esse “não se satisfazer de nenhuma coisa terrena, nem, por assim dizer, da Terra inteira; [...] considerar a amplitude inestimável do espaço, o número e a imponência maravilhosa dos mundos, e descobrir como tudo é mísero e pequeno diante de nossa alma; [...] imaginar infinita a quantidade de mundos, o universo infinito, e sentir que nossa alma e nosso desejo são ainda mais vastos que tal universo; [...] acusar continuamente as coisas de insuficiência e nulidade e padecer angústia e vazio e, portanto, tédio, parecem-me o maior sinal da magnitude e da nobreza da condição humana” (Leopardi, G. Pensamentos, LXVIII. Trad. Vera Horn. In: Lucchesi, M. [org.] Giacomo Leopardi. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p. 497).
Na experiência de que nada de sensível corresponde ao alcance infinito de nosso desejo, e de que ao mesmo tempo não podemos arrancar esse desejo de nós mesmos, é inevitável que cedo ou tarde tentemos preencher esse vazio com uma posse que só pode ser repleta de violência e pretensão. Este seria, então, o nosso destino: terminar no ceticismo, perdendo a esperança de que exista algo que possa estar à altura do nosso desejo.
Mas, quase das entranhas mais íntimas do homem, vem à tona uma hipótese desejável: “Um imprevisto/ é a única esperança. Mas me dizem/ que é uma bobagem dizê-lo” (Montale, E. “Antes de viajar”, vv. 25-28. In: Poesias. Trad. Geraldo Holanda Cavalcanti. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 167).
Pois bem: esse imprevisto aconteceu." (Mons. Carrón)
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