"Agradeço a Nossa Senhora e também ao padre Gino, que me deram a possibilidade de participar, ao menos um pouquinho, deste grande, belíssimo gesto, que é uma peregrinação. É um gesto grande e belíssimo porque é um símbolo da vida: a vida também, sem que a pessoa o deseje, sem que a pessoa sequer pense nisso, passo após passo, é um caminho rumo ao destino que é Deus, Aquele que nos fez, Aquele que nos deu pai e mãe, e Aquele que nos espera ao final do nosso difícil caminho. Sim, pois é um caminho difícil: se Deus veio até o nosso meio – mas vocês já meditaram sobre isso durante o trajeto –, se Deus veio até o nosso meio para morrer, para trabalhar como todos os outros, mas sobretudo para morrer, isso significa que a vida é uma coisa difícil. De fato, é a provação pela qual devemos passar para chegar até onde nos espera aquele “reino celeste”, dizia Jacopone de Todi, “que realiza toda a alegria/ de que é ávido o coração” (Jacopone de Todi, Lauda LXIV, in: Le Laude, Florença, Libreria Editrice Fiorentina, 1989, p. 218), onde nos espera a felicidade. Uma mãe põe um filho no mundo porque a felicidade existe, do contrário seria injusto pôr filhos no mundo. A vida é uma coisa difícil, e por isso é preciso um certo temperamento. Nem todos podem ser atletas: eu, por exemplo, não poderia; para ser atleta é preciso um físico adequado, e é preciso um treinamento para torná-lo mais adequado ainda. Mas, graças a Deus, para a peregrinação da vida rumo ao nosso destino, a personalidade precisa apenas de uma coisa, de uma coisa muito elementar, tanto assim que Jesus comparou quem a possui à criança: “Se não fordes como crianças, não entrareis jamais” (cf. Mt 18,3); e depois a comparou a quem não tem nada, ao pobre: “Bem-aventurados os pobres” (Mt 5,3). É preciso, numa palavra – posso usar esta palavra para explicar o que estou dizendo –, uma grande simplicidade de coração, que significa também pobreza de alma, pobreza de espírito.
Uma grande simplicidade de coração. Nossa Senhora – basta olhar para ela – é realmente como o “tipo” desse homem caminhante rumo a seu destino, desse protagonista do tempo. Sem o homem que caminha rumo a seu destino, que seria o tempo? Seria uma coisa inútil, como jogar alguma coisa num saco sem fundo no qual tudo se perde.
Ora, as reflexões que faço normalmente, quando medito diante da figura de Nossa Senhora, são as seguintes, que eu agora transmito a vocês.
Em primeiro lugar, a simplicidade de Nossa Senhora: essa simplicidade a tornou disponível ao desígnio de Deus. Ela também, como boa judia, tinha uma imagem na cabeça de como poderia ser o Messias que todos esperavam, que traria a paz aos corações, a paz à sociedade, que poderia tornar mais feliz, ou menos infeliz, o caminho da vida. Mas imaginar que Deus, para vir a ser isso, teria de se tornar criança dentro do seu ventre, isso era realmente impossível, era impossível alguém pensar nisso. E, diante da proposta do Anjo, diante da proposta daquele momento misterioso, que sabe lá como viria a acontecer, mas que, para ela, era evidente, era uma evidência, ela disse: “Sim, fiat”. A disponibilidade ao desígnio de Deus: pois “os meus caminhos não são os vossos caminhos, os meus pensamentos não são os vossos pensamentos” (cf. Is 55,8); o desígnio de Deus nos supera por todos os lados, sempre, não pode ficar amesquinhado ou aprisionado dentro do limite da nossa imaginação. Mas a pessoa que está disponível a sempre mudar tudo de acordo com o que Deus quer – e vejam que Deus quer por meio das circunstâncias, pois, para Nossa Senhora, três minutos, um minuto antes de que o anúncio acontecesse, não era nem possível imaginar que aconteceria: as circunstâncias, especialmente as que mais nos importunam, que são as circunstâncias inevitáveis, justamente essas assinalam o caminho de Deus –, a pessoa que está disponível a isso não é apegada a nada de si, é livre. Assim, a primeira conseqüência é que é atenta, extremamente sensível à necessidade dos outros. Realmente, mal o Anjo foi embora, Nossa Senhora decidiu logo, ela, mocinha de catorze, quinze anos, percorrer aquele caminho longuíssimo – que, quando as pessoas vão à Palestina, normalmente percorrem de ônibus ou de carro –, de mais de cem quilômetros, num terreno pedregoso, para ir encontrar sua prima Isabel, pois o Anjo lhe havia dito que Isabel tinha uma criança em seu ventre havia seis meses. A primeira coisa que fez foi compartilhar a necessidade e as dificuldades da prima Isabel, por meio de um sacrifício grandíssimo. Quando é que somos livres? Somos livres quando estamos disponíveis ao que Deus quer. É diante do Infinito, só diante do Infinito que o homem é livre, desapegado de si mesmo. Quando a pessoa é assim, está imediatamente pronta a ouvir e a satisfazer as necessidades dos outros. Que lição para nós! Essas são as primeiras características de um homem que vive a vida como peregrinação..." (Dom Giussani)
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