"Eu gostaria de comentar, simplesmente, aquilo que o texto chama “o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade”1, ou seja, o fato de Nossa Senhora ser o ponto em que o mistério da libertação da humanidade se tornou mais sensível. Por mais que a palavra “libertação” continue a ser vaga e confusa em nosso coração, alguma coisa, por certo, ela nos diz: que a libertação é libertação – não é escravidão –, libertação da humanidade, dessa realidade que come, bebe, vela e dorme todos os dias. Em Nossa Senhora, o mistério da libertação do homem, que é Jesus, revela sua influência benéfica de uma maneira excepcional (“perfeita”, diz o texto que lemos).
Vou falar de algumas das coisas que mais me impressionaram ao longo de minha vida, antes de mais nada – “antes de mais nada” de verdade, em sentido absoluto, pois, ainda hoje, é aquilo que me deixa de queixo caído –, antes de mais nada o que diz o Salmo 8. Quando entrei no seminário, aos dez anos, uma das coisas que mais me impressionou, nos primeiros dias, quando eu lia o pequeno breviário da Santíssima Virgem, como era costume naquela época, foi ver no Salmo 8 que me diziam, como aos meus colegas, tão pequenos como eu: “Que é o homem, para dele assim vos lembrardes?” Desde aquela época, esta frase ficou gravada no meu coração: “E um filho de Adão, que venhais visitá-lo?”2 Realmente, já naquela época me pareceu evidente que o homem é como um graveto no interior de um redemoinho, uma enorme fragilidade, como um grão de poeira numa ventania, arrastado pelos ventos. E não é apenas uma fragilidade: existe também em nós uma incoerência, e, portanto, uma dissipação de forças e uma divisão de nós mesmos, a ponto de a pessoa não conseguir apanhar tudo o que ela é e fazer disso uma unidade.
O homem é realmente pobre! Quem é que, ao final de um dia, sente sua energia de homem como a de um protagonista bem-sucedido do esforço humano desse dia que passou? Ninguém. É por isso que nós nos deixamos levar tanto pela distração e pelo esquecimento: para evitar a decepção.
Mas “o Senhor olhou para a humildade [o nada] de sua serva”3. De fato, a própria Nossa Senhora, uma menina de quinze, no máximo dezessete anos: o que era ela dentro do universo, dentro da realidade? Um graveto, pura e simplesmente. Quem é que a notava, naquele lugarejo dos mais remotos do então Império Romano, do mundo conhecido de então, um lugarzinho que ainda por cima era mal-afamado? Enfim, ela era realmente um nada, como eu, em certos momentos, sou obrigado a dizer: “Eu sou mesmo um nada!”, mas sem exageros.
O Senhor se apoderou daquela coisa pequenina. Quando vocês tiverem a oportunidade de ir à Palestina, e se apoiarem à balaustrada que separa a pessoa do pequeno quarto em que Nossa Senhora viveu, e na qual há uma placa com a seguinte inscrição: “O Verbo, aqui, se fez carne”, então vocês também – é o que eu acho – vão ficar impressionados, pensando o mesmo que eu pensei: “Como assim? Daqui? Tudo aconteceu a partir daqui? Tudo, a partir daqui!” Nós ainda hoje damos todos os nossos passos com uma convicção lúcida, límpida, ou um coração ardoroso, graças a algo que aconteceu bem ali, dentro daquele “buraco”, há dois mil anos. E, se o mundo durasse duzentos milhões de anos, as pessoas ainda então teriam de dizer isso, que tudo partiu dali. É verdade, como São Paulo diria depois: “O Senhor usa as coisas frágeis e pobres deste mundo para mostrar, às poderosas, que não precisa delas”4.
Mas eu quero destacar o que esse “ícone” diz à minha vida, à nossa vida. No meu modo de ver, esta é a maior coisa que pode ser dita: o valor do instante, que é um momento de nossa vida, a qual não precisa de outras circunstâncias para se impor à atenção dos anjos e de Deus, do eterno, para ter valor, para importar de verdade. Este breve ponto de tempo e espaço, que é o momento que vivemos agora, é tomado por Deus para que seja funcional e útil ao todo, a todo o Seu desígnio. Este instante é importante para Cristo; é importante, só Deus sabe “como”, mas é importante: podemos afirmar que é tão importante quanto as maiores ações contadas nos livros, nos livros de história, quanto os fatos recordados pelos jornais. Eu não necessito de outra coisa, além daquilo que possuo agora, para ser grande diante do mistério de Deus, e, portanto, para ter valor eterno. Nossa Senhora, essa garota escolhida por Deus, me diz isso antes de mais nada.
Sendo assim, as circunstâncias – as circunstâncias da vida, justamente, por exemplo o caráter (não “por exemplo”, pois quase todas as circunstâncias estão ligadas ao caráter) ou as situações inevitáveis e as consequências daquilo que fazemos –, as circunstâncias não podem ser atravessadas ou ultrapassadas impunemente: é nelas, por meio delas, que a grandeza flui para dentro do nosso eu, da nossa pessoa, e que a nossa vida se torna útil, participa da grande utilidade da vida de Maria e, por isso – e por isso! –, da grande utilidade da vida de Cristo para a libertação do homem...." (Dom Giussani)
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