quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

104ª Catequese

Não há nada mais para ser dito.. Fique com essa oração, filha dileta. A Virgem te auxiliará, não tenha dúvidas disso. Estarei sempre por aqui, nossa amizade foi Deus quem quis assim. Rezo por ti, rezo por todos os teus. Espero ver-te feliz seguindo a tua verdadeira vocação! Rezemos então:

Senhor Jesus, Salvação gerada no ventre puríssimo de Maria. Concede-nos a graça especial de merecermos gerar Teu filho salvador no interior de nossos corações e, sobretudo, de dá-Lo à luz a tantos que insistem em viver nas trevas, sem a força desta Luz inextinguível. Ajuda-nos a viver em Ti, por Ti e Contigo para podermos encontrar a maior e melhor graça: Tua presença em nós. Chama-nos, Jesus, para Teu projeto de amor! Queremos dar hoje nosso sim consciente e responsável. Queremos ser Teus instrumentos para a transformação do mundo. Que possamos ser humildes o suficiente para acolhermos a Tua santa vontade sobre nós. Que Teu Santo Espírito encontre sempre em nós a capacidade de colocarmos a vida a serviço. Faça-se sempre em nós segundo a Tua Palavra. Amém"

103ª Catequese

"Ama a tua vocação com paixão, ela é o sentido da tua vida."
(Auguste Rodin)

"A sorte é um acaso, a felicidade uma vocação." (Alexandru Vlahuta)

"Que é uma vocação? A revelação de uma consciência."
(José María Vargas Vila)

"Vocação do cristão é a santidade,
em todo momento da vida.
Na primavera da juventude,
na plenitude do verão
da idade madura,
e depois também
no outono
e no inverno
da velhice,
e por último,
na hora da morte." (Beato João Paulo II)

"Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir." (Clarice Lispector)

"Porque tenho sido tudo, e creio que minha verdadeira vocação é procurar o que valha a pena ser." (Monteiro Lobato)

"As coisas a propósito das quais encontramos mais depressa as mais justas e vigorosas palavras, são certamente aquelas que estamos vocacionados para fazer ou para aprofundar." (Paul Valéry)

"Se queres assumir em pleno o teu trabalho, não te esqueças de que toda a vocação só se consegue concretizar com muita dedicação." (Georges Bernanos)

"Se você exerce a sua vocação, metade da sua vida está resolvida."
(Fernanda Montenegro)

"Cada um na vocação em que foi chamado, nela permaneça." (Vulgata)

"Quem deixa uma casa por seguir a vocação encontra cem."
(São João Bosco)

"A vocação da arma é o alvo." (Manuel Vicent Recatada)

"Para além das vocações de consagração especial, está a vocação própria de todo o batizado: também é esta uma vocação que aponta para um ‘alto grau’ da vida cristã ordinária, expressa na santidade. Quando encontramos Jesus e acolhemos o seu Evangelho, a vida muda e somos impelidos a comunicar aos outros a experiência própria."(Papa Bento XVI)

"A descoberta da vocação é olhar um caminho cujo o fim é o fracasso, e tomá-lo mesmo assim." (Ziza Fernandes)

"Logo que descobri que existe Deus entendi que não podia mais fazer outra coisa a não ser viver por ele: minha vocação religiosa começa no exato momento em que despertou a minha fé." (Charles de Foucauld)

102ª Catequese

Minha cara, Deus nos chama a sermos seus companheiros de viagem. A vocação para qual Ele nos chama só nós conhecemos, mas a reação diante desta mesma vocação pode ter efeitos diversos. Podemos acolher ou não a proposta de Deus para a nossa vida, o coração precisa ser dilatado para que o Senhor faça a sua Obra acontecer em nós.
Rezo para que tu te encontres, e lembre-se sempre, não tem para onde correr, Ele nos pega sempre na curva.
Fique em paz, estou em oração por ti e por todos os teus.

101ª Catequese

"O sinal mais simples de que o cristianismo é um acontecimento, e não uma ideologia, é justamente o gesto que estamos celebrando. E até que ponto a ideologia cresce em nós ou incide sobre nós se vê pelo fato de que muitas vezes pensamos que esse gesto é apenas um adendo à coisa realmente importante, que seria a palavra. No entanto, a Igreja desafia constantemente essa redução que nós fazemos do cristianismo, convidando-nos a participar de um acontecimento, do acontecimento da Sua presença agora, que é este gesto eucarístico, onde nos é proposta de novo a Palavra, com toda a Sua força, no seio deste acontecimento da Sua presença, que veremos ocorrer na transformação do pão e do vinho no corpo e no sanguede Cristo.Isso não é ideologia; é um evento. É dentro desse evento que podemos entender toda a dimensão, toda a importância que damos à conversão. Ele, presente em nosso meio, contemporâneo a nós, nos dirige esse chamado à conversão por meio das leituras (Am 6,1.4-7 e1m 6,11-16) que acabamos de ouvir, e que nos dizem qual é o alcance do chamado à conversão.Podemos estar aqui como dizia o profeta Amós – despreocupados e seguros,sem entender verdadeiramente que o problema dos problemas é a relação da vida com o Mistério, como o homem da parábola, que vivia todo distraído, atento a outras coisas. Mas– como nos diz São Paulo – há Alguém que nos chama: “Procure alcançar a vida eterna”,porque essa é a questão, amigos, como o Mistério evoca de novo e tantas vezes. Mas conosco acontece como àquele homem rico do Evangelho, cuja passagem acabamos de ouvir (Lc 16,19-31), o qual, tão logo chega ao outro lado da vida, toma consciência da verdade, da dimensão eterna da vida, se apressa em ajudar às pessoas que ama, à sua família; e o que lhe ocorre pedir a Abraão?“Peço-lhe que mande Lázaro à casa do meu pai, porque tenho cinco irmãos. Advirta-o severamente para que eles também não venham parar neste lugar de tormento”. “Mas Abraão respondeu: eles têm Moisés e os Profetas. E ele: Se algum dos mortos for até eles, se converterão. E Abraão respondeu: Se não escutam Moisés e os Profetas, não serão convencidos nem que alguém ressuscite dos mortos" (Mons. Carrón)

100ª Catequese

"É realmente possível amar a Deus, mesmo sem O ver? E a outra: o amor pode ser mandado? Contra o duplo mandamento do amor, existe uma dupla objecção que se faz sentir nestas perguntas: ninguém jamais viu a Deus — como poderemos amá-Lo? Mais: o amor não pode ser mandado; é, em definitivo, um sentimento que pode existir ou não, mas não pode ser criado pela vontade. A Escritura parece dar o seu aval à primeira objecção, quando afirma: « Se alguém disser: "Eu amo a Deus", mas odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão ao qual vê, como pode amar a Deus, que não vê? » (1 Jo 4, 20). Este texto, porém, não exclui de modo algum o amor de Deus como algo impossível; pelo contrário, em todo o contexto da I Carta de João agora citada, tal amor é explicitamente requerido. Nela se destaca o nexo indivisível entre o amor a Deus e o amor ao próximo: um exige tão estreitamente o outro que a afirmação do amor a Deus se torna uma mentira, se o homem se fechar ao próximo ou, inclusive, o odiar. O citado versículo joanino deve, antes, ser interpretado no sentido de que o amor ao próximo é uma estrada para encontrar também a Deus, e que o fechar os olhos diante do próximo torna cegos também diante de Deus.

17. Com efeito, ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em Si mesmo. E, contudo, Deus não nos é totalmente invisível, não se deixou ficar pura e simplesmente inacessível a nós. Deus amou-nos primeiro — diz a Carta de João citada (cf. 4, 10) — e este amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-se visível quando Ele « enviou o seu Filho unigénito ao mundo, para que, por Ele, vivamos » (1 Jo 4, 9). Deus fez-Se visível: em Jesus, podemos ver o Pai (cf. Jo 14, 9). Existe, com efeito, uma múltipla visibilidade de Deus. Na história de amor que a Bíblia nos narra, Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos — até à Última Ceia, até ao Coração trespassado na cruz, até às aparições do Ressuscitado e às grandes obras pelas quais Ele, através da acção dos Apóstolos, guiou o caminho da Igreja nascente. Também na sucessiva história da Igreja, o Senhor não esteve ausente: incessantemente vem ao nosso encontro, através de homens nos quais Ele Se revela; através da sua Palavra, nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Na liturgia da Igreja, na sua oração, na comunidade viva dos crentes, nós experimentamos o amor de Deus, sentimos a sua presença e aprendemos deste modo também a reconhecê-la na nossa vida quotidiana. Ele amou-nos primeiro, e continua a ser o primeiro a amar-nos; por isso, também nós podemos responder com o amor. Deus não nos ordena um sentimento que não possamos suscitar em nós próprios. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar o seu amor, e desta « antecipação » de Deus pode, como resposta, despontar também em nós o amor.

No desenrolar deste encontro, revela-se com clareza que o amor não é apenas um sentimento. Os sentimentos vão e vêm. O sentimento pode ser uma maravilhosa centelha inicial, mas não é a totalidade do amor. Ao início, falámos do processo das purificações e amadurecimentos, pelos quais o eros se torna plenamente ele mesmo, se torna amor no significado cabal da palavra. É próprio da maturidade do amor abranger todas as potencialidades do homem e incluir, por assim dizer, o homem na sua totalidade. O encontro com as manifestações visíveis do amor de Deus pode suscitar em nós o sentimento da alegria, que nasce da experiência de ser amados. Tal encontro, porém, chama em causa também a nossa vontade e o nosso intelecto. O reconhecimento do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim da nossa vontade à d'Ele une intelecto, vontade e sentimento no acto globalizante do amor. Mas isto é um processo que permanece continuamente em caminho: o amor nunca está « concluído » e completado; transforma-se ao longo da vida, amadurece e, por isso mesmo, permanece fiel a si próprio. Idem velle atque idem nolle [9] — querer a mesma coisa e rejeitar a mesma coisa é, segundo os antigos, o autêntico conteúdo do amor: um tornar-se semelhante ao outro, que leva à união do querer e do pensar. A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio. [10] Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-Se a nossa alegria (cf. Sal 73/72, 23-28).
Revela-se, assim, como possível o amor ao próximo no sentido enunciado por Jesus, na Bíblia. Consiste precisamente no facto de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento..." (Papa Bento)

99ª Catequese

"No curral de Belém, tocam-se céu e terra. O céu veio à terra. Por isso, de lá emana uma luz para todos os tempos; por isso lá se acende a alegria; por isso lá nasce o canto. Quero, no termo da nossa meditação natalícia, citar uma singular afirmação de Santo Agostinho. Ao interpretar a invocação da Oração do Senhor «Pai Nosso que estais nos céus», ele interroga-se: O que é isto, o céu? E onde é o céu? Segue-se uma resposta surpreendente: «…que estais nos céus – isto significa: nos santos e nos justos. Temos, é verdade, os céus, os corpos mais elevados do universo, mas sempre corpos são, os quais não podem estar senão num lugar. Na realidade, se se acreditasse que o lugar de Deus seria nos céus enquanto as partes mais altas do mundo, então as aves seriam mais felizardas do que nós, porque viveriam mais perto de Deus. Ora não está escrito: “O Senhor está perto de quantos habitam nas alturas ou nas montanhas”, mas sim “O Senhor está perto dos contritos de coração” (Sal 34/33, 19), expressão esta que se refere à humildade. Do mesmo modo que o pecador é chamado “terra”, por contraposição também o justo pode ser chamado “céu”» (Serm. in monte II 5, 17). O céu não pertence à geografia do espaço, mas à geografia do coração. E o coração de Deus, na Noite santa, inclinou-Se até ao curral: a humildade de Deus é o céu. E se formos ao encontro desta humildade, então tocamos o céu. Então a própria terra se torna nova. Com a humildade dos pastores, ponhamo-nos a caminho, nesta Noite santa, até junto do Menino no curral! Toquemos a humildade de Deus, o coração de Deus! Então a sua alegria tocar-nos-á a nós e tornará mais luminoso o mundo. Amem." (Papa Bento XVI)

98ª Catequese

"O tempo voou, nem percebi.
Mas sou o mesmo homem que
um dia você conheceu.
A canção não esqueci.
O menino que há em mim
nasceu para cantar.
Chora como nunca, ao sentir:
ainda estamos juntos aqui.

Abro o coração.
Coloco-me aos seus pés.
Noite escura agora é manhã.
E falo com rara calma:
Sou o que sou, sei que sou fraco,
mas sempre tive Você aqui perto de mim.
O espelho me diz que envelheci.
E que mal pode existir
em ter histórias pra contar
dos amigos que aqui fiz?
Quanta coisa se passou...
Ainda estamos juntos aqui

Abro o coração.
Coloco-me aos seus pés.
Noite escura agora é manhã.
E falo com rara calma:
sou o que sou, sei que sou fraco,
mas sempre tive Você aqui perto de mim
Então eu...

Abro o coração.
Coloco-me aos seus pés.
Noite escura agora é manhã.
E falo com rara calma:
sou o que sou, sei que sou fraco,
mas sempre tive Você aqui perto de mim." (Rosa)
Toda vez que ouço essa canção sou tomado por uma comoção tão constante, que não consigo pensar em outra coisa a não ser Cristo. Uma comoção tão forte e tão intensa que me faz refletir. Penso nas realidades que existentes e percebo como somos pequenos diante do Mistério que se apresenta diante de nós. É preciso pensar. É preciso admirar. É preciso deixar-se envolver pelo chamado que Cristo nos faz e dizer algo, responder com a vida num investimento de vida como nunca já visto.

"Abro o coração.
Coloco-me aos seus pés.
Noite escura agora é manhã.
E falo com rara calma:
sou o que sou, sei que sou fraco,
mas sempre tive Você aqui perto de mim."
Essa parte da canção é excepcional. Nos garante em poucas palavras um auxilio que só pode vir de Deus. Abrindo o coração o ser humano deixa Deus ser Deus. Colocando-se aos seus pés a gente reconhece a primazia de Deus em nossas vidas. E mesmo na noite escura, mesmo na solidão e na dor profunda, tudo com Deus faz-nos sentir como se fosse de manhã. As trevas obscurecem nossa visão quando não estamos com Ele. A Presença tão extraordinária dele nos faz gritar:"Sou o que sou, sei que sou fraco,
mas sempre tive Você aqui perto de mim." Somos fracos, sabemos disso. Mas Ele nos quis perto de Si. Essa é a razão da nossa alegria! Esse é o nosso grande júbilo! Estamos com Ele, Ele não nos abandona!

97ª Catequese

"Caríssimos irmãos, no Evangelho de hoje, vemos a cena do paralítico de Cafarnaum. Por ouvirmos sempre esta Palavra, corremos o risco de não abrirmos mais nossos ouvidos para a novidade de Deus. Nós iremos, a vida inteira, ouvir as mesmas passagens da Sagrada Escritura. Mas como não nos acostumarmos com as mesmas Palavras, os mesmos ritos?
A capacidade de enxergar sempre o novo nos é dada pelo Espírito Santo. Sempre serão coisas novas que o Senhor nos dará. O problema não está em fazer as coisas de sempre, mas fazê-las do modo de sempre, porque aí a rotina entra em nossa vida. Não nos habituemos com as coisas de Deus.
Vamos pedir ao Espírito que Ele nos ajude a nos introduzirmos nesta cena do Evangelho. Nós nos colocamos em cada cena como um personagem a mais.
A primeira coisa que parece saltar aos nossos olhos são os quatro amigos que trazem o paralítico sobre a cama. Não conseguindo entrar na casa, eles sobem no telhado, abrem-no e descem aquele homem atingido pela paralisia.
A primeira coisa que nos salta aos olhos nesta cena é a perseverança dos amigos. Como contrasta a perseverança deles com a nossa falta de perseverança! Por que eles não se detêm? Porque amam o amigo, por isso não param diante dos obstáculos que se aproximam.
O amor aqui na terra exige de nós o sacrifício. Falamos que amamos a Deus, e quantas canções bonitas cantamos! Mas elas se tornam apenas canções que logo silenciam e não expressam a verdade de nosso ser.
Não nos esqueçamos de que o amor supõe sacrifício, renúncia; e quem não sabe renunciar não aprende a amar. É como uma criança que recebe tudo das mãos de seus pais.
Quando os amigos do Evangelho fazem todo o sacrifício, estão almejando a cura física do paralítico. Mas Jesus, primeiro, perdoa-lhes o pecado. Qual a razão para o Senhor lhes perdoar os pecados? Jesus cura o paralítico pela fé de seus amigos. Eis aí um belo exemplo da intercessão.
Por que o Senhor, antes de curar a paralisia, perdoa os pecados? Porque Ele quer nos dizer que deve haver uma hierarquia na busca pela cura; portanto, devemos primeiro buscar aquilo que é do céu para depois buscar o que é da terra. “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6,33).
Quantas vezes buscamos a Deus para saciar a sede do nosso paladar, para matar a sede deste mundo, quando Ele quer nos dar a água da vida eterna. Nossas igrejas estão cheias de pessoas que buscam os bens do Senhor e não o Senhor. É um amor gratuito o que Deus pede de nós.
Muitas das nossas enfermidades serão sanadas quando permitirmos que Deus cure a nossa alma. Não percamos isso de vista. Em primeiro lugar aquilo que é do Espírito e tudo mais virá por acréscimo.
O Senhor nos diz que o mais importante é a reconciliação com Deus. Nós sacerdotes devemos entender isso. Mais do que qualquer ação nossa, neste mundo, nada é mais importante do que distribuir o Corpo e o Sangue de Cristo aos fiéis e lhes dar o perdão dos pecados, a reconciliação com Deus. No entanto, para que isso aconteça é preciso que nos reconheçamos sujos [pecadores], pois só assim seremos lavados. Quando nos confessamos, precisamos dizer os pecados aos sacerdotes com detalhes, como “nome e sobrenome”.
Para que acolhamos a misericórdia de Deus é preciso que reconheçamos nossos pecados.
“O Deus que o criou sem ti, não o salvará sem ti” (Santo Agostinho). Um modo prático de ajudar a Deus na nossa salvação é confessar nosso pecados.
Santa Teresa dizia que a humildade é a verdade. Reconhecer que não somos nada diante de Deus é reconhecer nossa verdade diante d'Ele.
Nós sacerdotes já ouvimos o imaginável e o inimaginável nas confissões, mas não nos surpreendemos com nenhum pecado, porque também somos pecadores. Um homem, seja ele quem for, pode cometer os maiores pecados do mundo. E se não os cometemos, é porque Deus é misericordioso conosco e não nos permitiu cometê-los.
Qual foi a última vez que você ouviu, na sua paróquia, uma pregação sobre o inferno, sobre o juízo de Deus? Se você ouviu, bendito seja seu sacerdote, mas, na maioria das vezes, os sacerdotes se silenciaram sobre isso, porque não querem ferir os fiéis.
A Igreja deve cuidar de todos os pobres e ai dela se não fizer isso. Mas tudo está subordinado à salvação das almas. O pecado não é invenção medieval; o pecado de ontem vai ser o pecado de sempre.
Nós fomos batizados, fomos chamados à santidade, mas o pecado nos desvia do caminho da salvação. Não pode haver para nós os “pecadinhos de estimação”, os “pecadinhos do dia a dia”. Não podemos nos habituar com os pecados, porque eles não são erros de ortografia que podem ser apagados com a tecla de deletar..." (Pe. Demétrio Gomes)

96ª Catequese

"Se você tem um "porquê" de viver, o "como" vai ser adequar a esse viver. Se você tem uma meta para sua vida, tudo à sua volta vai se adequando, pois quando vivemos para Deus, nossa vida adquire um sentido. O nosso problema é que focamos nossa atenção apenas no agora, nunca no depois. Dificilmente pensamos nas consequências dos nossos atos.

Nós passamos a nossa vida inteira lutando contra a morte, buscando adquirir coisas que nos trarão vida, tanto por meio do que é essencial como de coisas consideradas luxo. Mas essa luta acaba sendo em vão, porque no fim todos nós morreremos, por isso, não adianta tentar disfarçar esse problema.

Sua vida precisa ter um sentido e a verdade é esta: Se a minha vida tem sentido, o sentido precisa estar fora da vida. O sentido de todas as coisas, em sua essência, está fora dela [vida], por exemplo, quando vamos para a escola o nosso sentido, a nossa meta, é um dia poder ir à faculdade.

Então se você não acredita em nada além desta vida que temos hoje, não acredita em um Deus, em uma vida eterna, o que lhe sobra? Nada, pois restará apenas uma vida de angústia, vazia e sem sentido.

O sentido da vida se esconde no amor. Se você olhar para a Sagrada Escritura, verá que toda ela foi escrita em dois casamentos. No início, passando pela criação de todo o universo, a união entre Adão e Eva acontece a partir do entendimento de Deus de que o homem não foi feito para ser só, pois isso não lhe fazia bem.

O relacionamento entre o homem e a mulher é uma promessa de algo a mais. E se você continuar insistindo que é seu relacionamento que trará paz ao seu coração, ele estará fadado ao fracasso devido às inúmeras cobranças que surgirão.

A felicidade e a realização absoluta não serão apaziguadas pelo casamento, a não ser que você desista de encontrar a felicidade perfeita, pois Deus a revelou somente para os cristãos que compreenderam o sentido do matrimônio.
O casamento iniciado no Gênesis aponta para o verdadeiro matrimônio, este, sim, capaz de trazer a realização completa: o casamento de Deus com a humanidade, as núpcias do Cordeiro. Quando o Verbo se fez carne e veio habitar no meio de nós, revelando assim um dos maiores mistérios para Seu povo.

A falta de cumplicidade no relacionamento vem acompanhada de lamúrias e reclamações, pois o verdadeiro sentido da união foi deturpada. No céu não haverá casamento, mas isso não quer dizer que o casal estará separado, pelo contrário, a união será feita por intermédio de Deus. E essa união sera tão perfeita que fugirá da nossa compreensão e das nossas limitações.

Você, jovem que tem dificuldade de viver a castidade cristã, não se preocupe, porque essa castidade é uma dificuldade para todos nós, sejamos nós solteiros, sacerdotes, celibatários ou casados. Pois a verdadeira castidade cristã gera fecundidade, gera vida.

O desafio de viver a castidade é muito difícil de ser compreendido, porque nós fomos feitos para um amor maior. Amor que só vamos compreender quando estivermos unidos a Cristo. E essa compreensão nos faz enxergar o verdadeiro sentido da vida, que está fora dela e nos permite contemplar e vislumbrar a nossa união eterna na presença de Deus." (Pe. Paulo Ricardo)

95ª Catequese

"Vou te contar
Os olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho...
O resto é mar
É tudo que não sei contar
São coisas lindas que eu tenho pra te dar
Vem de mansinho à brisa e me diz
É impossível ser feliz sozinho...
Da primeira vez era a cidade
Da segunda o cais e a eternidade...
Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar
E das estrelas que esquecemos de contar
O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver...
Vou te contar..." (Tom Jobim)
Esta bela canção nos dá a dimensão de que o homem é capaz de produzir coisas belas, que somente a sensibilidade e a paixão pela vida pode ser traduzida nos versos de uma canção. O grande Fiodor Dostoiévski dizia: ' A beleza salvará o mundo!' Sim, salvará o mundo na medida em que este mundo se deixar envolver pela verdadeira beleza da vida: o amor.
Esta canção fala disso. Canta o coração apaixonado, canta o homem que percebe que sem o amor ele não pode ser feliz. Tom, um dos grandes compositores brasileiros, põem em verso e prosa os sentimentos escondidos no mais profundo do ser da criatura humana. Diz ele: "Os olhos já não podem ver, coisas que só o coração pode entender.Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho..."
Tom diz que as vezes os olhos são incapazes de captar a realidade como ela é. O coração capta tudo, porque é lá o local onde o ser humano se encontra consigo, com os outros e com Deus. É no terreno do coração que o amor nasce, se desenvolve e dá frutos. Sem o amor é impossível ser feliz sozinho! É com esta expressão que Tom desvenda o mistério eterno do existir humano. O pagão Aristóteles dizia que o ser humano é um ser que precisa viver em sociedade, sem a sociedade ele passa a viver por extinto que nem os animais. Pois é, a constatação de Aristóteles, mais de 2.000 anos atrás, vem de encontro ao que estamos refletindo aqui. Sozinho ninguém caminha, precisamos sempre de alguém para que caminhemos pelas estradas da vida. Quando nascemos temos os nossos primeiros companheiros, os pais. Depois vamos crescendo e começamos á construir amizades, conhecemos pessoas e com elas vamos caminhando. Experimentamos a alegria da presença de alguém do nosso lado, nos momentos de dor aguda e nos momentos de alegria profunda. Temos sempre alguém perto de nós, se não vemos uma pessoa física, sabemos que pela fé temos Alguém que está do nosso lado desde quando nascemos, ou melhor, desde quando ainda éramos apenas uma fagulha de vida no seio de nossas mães. De modo que nunca estamos sozinhos, porque a felicidade não é um produto criativo nosso, ele já foi comunicada por um Outro. Portanto, a expressão de Tom explicita para nós uma verdade humana, ninguém dá conta de ser feliz sozinho. A felicidade não é fator constitutivo do egoísmo, pelo contrário, ela faz parte de noção básica de comunhão. Se somos felizes, somos por causa de um Outro. A comunicação da felicidade veio antes de nós. E o que dá subsistência a felicidade? O amor. É por ele que a engrenagem da vida tem o seu funcionamento. É somente pelo amor que a gente é capaz de ser doar totalmente por alguém. O amor é o combustível que sustenta a vida, sem ele o vazio existencial nos engole por inteiro. O amor nos faz olhar para as cousas criadas de uma maneira totalmente diferente. O amor faz com que diante da beleza do mar com as suas ondas que vão e vem, nos comovamos pela beleza de tamanha dádiva de Deus. É uma dadiva poder olhar para o céu e ver o espetáculo do sol que nasce e aquece todos nós. Ou ouvir uma música que fala de amor e cantar pensando no amado ou na amada. Todos esses exemplos que usamos tem como sentido primordial o amor. É triste ver alguém que não ama. Aquela pessoa que se fechou a novidade de ver o dia com olhos diferentes, pelo simples fato de ter noção de que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus e,consequentemente, ama os outros. Um coração que não ama é que nem uma flor murcha, não serve para nada. Não existe perfume, nem beleza e muito menos vida para ser admirada. O amor nos dá qualidade, aperfeiçoa em nós o que ainda precisa ser lapidado e nos coloca diante de uma realidade pontual: sem amor não existe vida humana, O próprio amor feito homem, Jesu Cristo, veio nos comunicar isto. A cruz é o sinal do que o amor é capaz. O fim do ato de amar é sempre a morte, a doação total pelo outro. Ama com todo o teu coração, nos dirá Santo Agostinho. Ama com todas as fibras existentes em ti, assim se manifestará a grandeza de Deus em ti.
Que o amor nos conduza e nos ajude a sermos felizes. Quem ama tem a possibilidade de fazer um mundo melhor, porque a maior força de transformação de uma sociedade é o amor. Sem ele as guerras e o ódio terão sempre a ultima palavra. Graças a Deus que sempre teremos alguém que ama, porque se não estaríamos fritos. rsrs

94ª Catequese

“E olhando o céu de estrelas sobre as rochas,/ Digo-me a mim, pensando:/ Para que tantas tochas?/ Que fazem o ar infindo e essa profunda/ Azul serenidade?/ Que quer dizer a solidão imensa?/ E eu que sou?” (Leopardi, G. Canto noturno de um pastor errante da Ásia, vv. 84-89). Esta poesia de Giacomo Leopardi exprime de forma admirável a experiência em que se revela o senso religioso do homem. O impacto do eu com a realidade desencadeia a pergunta humana. Ou seja, há em nós uma estrutura inata que, no impacto com o real, é inexoravelmente posta em andamento, de modo a mobilizar todo o dinamismo da nossa pessoa.
Convidando-nos a identificar-nos com o Evangelho de João, Giussani descreve de modo admirável como aconteceu esse fato.
“Finalmente veio este João, chamado o batista, que vivia de maneira tal que todas as pessoas ficavam impressionadas com ele, e, desde os fariseus até o último camponês, deixavam suas casas para ir ouvi-lo falar, pelo menos uma vez. Se eram muitos ou poucos, não sabemos; o que sabemos é que naquela ocasião lá estavam dois que vinham pela primeira vez, e estavam todos atentos, com a boca aberta, na atitude de quem vem de longe e vê o que veio ver com uma curiosidade sem restrições, com uma pobreza de espírito, uma infantilidade e uma simplicidade de coração [...]. A certa altura, uma pessoa se destaca do grupo e vai-se embora pela trilha que sobe o rio. Quando essa pessoa se mexe, o profeta João Batista, repentinamente inspirado, põe-se a gritar: ‘Eis o Cordeiro de Deus. Eis Aquele que tira os pecados do mundo’. As pessoas não fazem caso [...]. Mas aqueles dois, com a boca aberta e os olhos arregalados como duas crianças, veem para onde se dirige o olhar de João Batista: para aquele indivíduo que está indo embora. Então, instintivamente, saem em seu encalço, seguem-no, tímidos, embaraçados. Ele percebe que alguém o segue. Volta-se: ‘O que quereis?’ ‘Mestre’, respondem, ‘onde moras?’ ‘Vinde e vede’, diz-lhes gentilmente. Vão, ‘e viram onde morava, e ficaram com Ele todo aquele dia’. Nós nos identificamos facilmente com esses dois ali sentados, vendo aquele homem falar e dizer coisas que nunca ninguém tinha ouvido, mas tão próximas, tão pertinentes, que repercutiam tanto neles. [...] Eles não entendiam, estavam simplesmente presos, arrebatados, extasiados por aquele modo de falar: olhavam-No falar. Pois foi por ‘olhar’ [...] que alguns homens se deram conta de que havia entre eles algo inenarrável: uma Presença não apenas inconfundível, mas incompreensível, e que mesmo assim os invadia. Invadia porque correspondia ao que o coração deles esperava, de um modo a que nada se comparava: seu pai e sua mãe não lhes haviam dito, quando eram pequenos, com a mesma evidência e eficácia, aquilo por que o tempo de sua vida valia a pena ser vivido. Não puderam nem souberam dizê-lo; diziam muitas outras coisas corretas, boas, mas como fragmentos de algo que era preciso tentar agarrar no ar para ver se uma partícula se encaixava na outra. Uma correspondência profunda. [...] À medida que as palavras chegavam até eles, e que o seu olhar, atordoado e admirado, penetrava naquele homem, eles sentiam-se mudar, sentiam que as coisas mudavam: o significado das coisas mudava, o eco das coisas mudava, o caminho das coisas mudava”. O relato não termina aqui, pois Giussani imagina a volta de João e André para casa, depois do encontro com Cristo: “E quando voltaram, à noite, ao cair da tarde – muito provavelmente percorrendo aquele mesmo caminho em silêncio, pois nunca tinham falado um com o outro como naquele grande silêncio em que um Outro falava, em que Ele continuava a falar e a ecoar dentro deles –, e chegaram a sua casa, a esposa de André, encarando-o, disse: ‘Mas o que é que você tem, André, o que é que você tem?’ E os filhos pequenos, pasmos, olhavam para o pai: era ele, sim, era ele, mas era ‘mais’ ele, estava diferente. Era ele, mas estava diferente. E quando – como dissemos uma vez, comovidos, usando uma imagem fácil de pensar por ser tão realista – ela lhe perguntou: ‘O que aconteceu?’, ele abraçou-a. André abraçou sua mulher e beijou seus filhos: era ele, mas nunca a havia abraçado assim! Era como que a aurora ou a alvorada ou o crepúsculo matutino de uma humanidade diferente, de uma humanidade nova, de uma humanidade mais verdadeira. Quase como se dissesse: ‘Finalmente!’, sem crer nos seus próprios olhos. Mas era evidente demais para que não acreditasse em seus olhos!” (Mons. Carrón)

93ª Catequese

"Desculpem-me se exagero na apreensão que me leva a expressar, me leva a expressar uma gratidão por estes poucos minutos em que pude escutar vocês: é como se eu tivesse colidido com esta sensibilidade humana, com esta vivacidade plena de espera e de observações e de posse.
Com a minha voz, agradeço-lhes por isso e peço-lhes para não perderem, que vocês não percam, nem um pouquinho, a sorte que lhes aconteceu em encontrar esta companhia na história da sua vida e, portanto, na história do seu mundo.
Padre Pino, com sua costumeira precisão quente e impetuosa, falou do homem como medida das coisas. Creio que, de todas as tentativas que vocês fizeram para expressar o seu parecer sobre a situação de que vocês tratavam, esta expressão de padre Pino seja a mais perfeita, objetivamente, aridamente, se vocês quiserem, mas a mais perfeita.
O homem, medida das coisas: esse é o inimigo, o único inimigo de Cristo. O homem, medida das coisas. Tão medida das coisas que, quanto mais escancara o olhar e abre os ouvidos do coração para escutar o que pode entrar no conhecimento da nossa vida – a presença deste Espírito, a presença desta Presença impensável... –, quanto mais formos atentos a isto, mais a nossa vida, de todos os lados, não “se agita” em um sentido efetivo, mas “se agita” no sentido do vento quando, no mar de ondas paradas, chega, mais ou menos velozmente, um mar em que as ondas se movem.
Que este mover-se das águas do nosso coração diante do problema da medida última das coisas ajude-nos a entender também o caminho a ser trilhado para iluminar, para que se torne luz verdadeira aquele olhar que levamos ao mundo.
E agradeçamos aos Senhor pela grande ocasião, a maior ocasião da nossa vida. Que isso nos torne tributários em relação a estes nossos companheiros de caminho, em relação a quem guia esta companhia, nos torne tributários de tal forma que não poupemos nada por ninguém, não sejamos avaros em relação a qualquer possibilidade de oferta!
Agradeço-lhes muito. Porque sinto muito, quis dizer isto, quis intervir para expressar este pensamento, porque é infeliz demais o homem que acredita que o problema seja o homem como medida, pois de todos os lados somos obrigados a superar esta má-vontade agarrada.
Agradeço-lhes muito. Espero ouvi-los, mandem-me também as cópias das futuras conversas, pois este é um ponto ao qual deveremos, ao qual vocês deverão retornar obrigatoriamente, com padre Pino e com todos nós. Obrigado!" (Dom Giussani)

92ª Catequese

"A verdade, a beleza, o sabor da vida, e o amor, a capacidade de amor que o cristianismo tornou realidade no mundo, neste nosso mundo, esse fruto do ventre de Nossa Senhora que, inegável, pode por isso mesmo ser constatado cotidianamente: que tudo isso se concretize também numa satisfação, numa luz de verdade, num gosto por dedicar-se a essa bondade da vida, incomparável e sem precedentes - ou melhor, com uma única precedência: Cristo, Deus feito homem no seio da Virgem.
Rogo-lhes, portanto, que entrem também neste último aspecto do esforço que devem fazer para pertencer a Cristo e a sua Igreja: que fiquem atentos à objetividade do que é verdadeiro e belo, do que é novo, do que é amoroso, objetividade que acompanha a presença do cristão no mundo, sempre. Se, minimamente, o homem cristão adere a sua fé, carrega realmente essa novidade. A condição de vocês é ainda mais privilegiada, pois vocês foram chamados, foram chamados a contribuir com a sua boa vontade, como ajuda a seus colegas e a seus amigos.
Rogo-lhes, portanto, que tenham o cuidado, também concretamente, enquanto atitude, enquanto estado de espírito, de criar em toda a sua pessoa uma atenção, uma atenção feita de estima, uma atenção feita de afeição, uma capacidade de fidelidade às duas condições que, a meu ver, qualificam o benefício que se obtém de todo e qualquer abandono à nossa companhia - um abandono como aquele que ocasiões como esta asseguram.
A primeira condição a ser respeitada, segundo exigem a verdade e a beleza do que temos dito e a amorosidade da vida que brota do coração e segue até o extremo horizonte, é a unidade, a unidade entre nós na qual se afirma a autoridade - ou seja, o poder novo que entrou no mundo com Cristo e, portanto, com Sua Mãe, Virgem Mãe -: a unidade com quem serve de guia. Que cada um de vocês, ao falar, sinta esse peso, dulce pondus, esse doce peso de uma autoridade que nunca antes puderam imaginar.
E, em segundo lugar, que essa unidade corrobore e torne mais possível a fraternidade, o amor fraterno pronto a perdoar qualquer erro que cometam conosco, pronto a escutar qualquer alternativa que ainda possa ser sugerida pela angústia e pela incerteza dos outros, de modo que a fraternidade, o perdão e a escuta se tornem parte do clima deste estar juntos por Cristo." (Mons. Giussani)

91ª Catequese

"Naquele tempo, Jesus saiu de novo para a beira do mar. Toda a multidão ia a seu encontro, e Jesus os ensinava. Enquanto passava, Jesus viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” Levi se levantou e o seguiu." (Mc 2, 13-14)
A multidão seguia Jesus. Homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, todos seguiam aquele Homem não pela sua oratória tão privilegiada, ou por sua beleza tão significativa, mas o seguiam porque o coração daquelas pessoas batia de uma modo diferente ao vê-Lo falar. O dia ficava sem sentido quando eles estavam longe dEle. Algo na vida mudava quando eles O encontravam. Por este motivo não é exagero dizer que aquela multidão era compreensível existir. O homem tem sede sempre de alguém que lhes aponte o caminho certo, e na figura de Jesus eles contemplavam esta verdade tão bonita. Ele não só falava, mas antes de tudo vivia tudo que sua boca pronunciava. Uma intensidade de vida jamais vista.
Jesus passa pelo meio da multidão e avista Levi, muito tempo depois chamado Mateus, o cobrador de impostos. Com uma palavra simples e direta o Senhor comunica uma palavra transformadora na vida de Levi: " Segue-me!" Que apoio, pergunto eu, poderia ter aquele homem ao ouvir algo tão profundo? Que reação poderia ter aquele homem diante do chamado de uma Judeu como aquele? Poderia ele pensar em todos os seus crimes, na traição ao seu povo, visto que trabalhava para o Império Romano que oprimia os israelitas, ou até mesmo na situação tão confortável que tinha, sendo um homem de muitas posses? O apoio daquele homem estava na palavra e na pessoa de Cristo. Somente uma pessoa apoiada na promessa e na palavra de Deus pode ter a coragem de dizer "sim, eu vou!". São Marcos diz que ele ao ouvir as palavras de Cristo, deixou a coletoria e os seus amigos e seguiu Jesus. Não sabia para onde ia, mas tinha uma promessa. Uma positividade de vida que o fazia crer, uma palavra lançada e aceita, acolhida e experimentada. Assim nasce a vocação, minha cara. A gente não escolhe para onde vai, Ele nos escolhe. Com todos os Apóstolos foi assim. Foi assim com todos os santos. Agarrados por Cristo disseram uma palavra positiva ao chamado, mesmo hesitando, encontraram em Deus a razão para dizer sim. É só apoiados numa promessa que nós caminhamos. É só olhando para Cristo que a gente entende para que fomos criados. Fora dEle, fora da sua vontade, o abismo do nosso egoísmo, da nossa presunção, da nossa auto suficiência é automaticamente ativado e a gente caminha tateando um caminho que teria sido conduzido por olhos tão atentos se nós O escolhêssemos seguir.
Levi não ficou preocupado naquilo que as pessoas falariam dele, muito menos no choque que seria a sua entrada no grupo dos 11. Ele ouviu e seguiu. Os ouvidos que Deus nos concede tem essa finalidade: escutar. Escutar e acolher. Não ficar preocupado só em falar, mas acolher, escolher, decidir a vida. É preciso investir tudo no caminho que Deus nos reservou. Assim como o homem que coloca todas as suas ações na bolsa, confiante de que seu dinheiro possa aumentar. Assim também é na vida espiritual é preciso investir, investir a vida, investir todo o ser no propósito para o qual Deus nos chama, seja ele qual for. Entregar-se ao projeto de Deus, escolher a Deus e não as suas obras, nos diz o Cardeal Van Thuan. É preciso tomar uma decisão, e essa decisão ninguém pode tomar por nós. As pessoas torcem por nós, esperam muitas coisas de nós, mas a decisão é nosso. Um antigo canto do Pe. Zezinho nos diz:"Se ouvires a voz de Deus, chamando sem cessar. Se ouvires a voz do mundo,querendo te enganar. A decisão é tua, a decisão é tua. São muitos os convidados, quase ninguém tem tempo" É isto mesmo, a beleza da vocação. Deus nos chama, a gente responde sim ou não, cabe só a nós responder.
Levi escolheu seguir, e ele nos ensina algo importante: se quisermos ter a vida transformada por Ele, precisamos ir ao seu encontro. Ele vem primeiro ao nosso encontro, e nós decidimos se queremos estar diante dEle ou não. Creio que se dissermos sim teremos a verdadeira felicidade. Se não escolhermos segui-Lo continuaremos dando com a cabeça na parede e ainda daremos murro em ponta de faca. Tenhamos a coragem de escolher, não é tarefa fácil, mas quem disse que ser cristão é fácil? Se fosse fácil não teria sabor, não teria graça, tudo que vem fácil vai fácil, porque só se dar valor de verdade quando se conquista.
Sigamos a Ele com coragem a exemplo de Levi, deixemos que Cristo exerça sobre nós o seu fascínio. Deste modo, a nossa afeição a Ele será tão grande que será impossível responder negativamente ao seu chamado de amor.

90ª Catequese

"Na colhida generosa e amorosa de toda vida humana, sobretudo daquela fraca e e doente, o cristão exprime um aspecto importante do próprio testemunho evangélico, sob o exemplo de Cristo, que inclinou-se sobre os sofrimentos materiais e espirituais do homem para curá-lo[...]
o encontro com Ele podem experimentar realmente que quem crê não está nunca sozinho. Deus, de fato, no seu Filho, não nos abandona em nossas angústias e sofrimentos, mas nos é próximo, nos ajuda a leva-los e deseja curar no profundo o nosso coração (Mc 2, 1-12).
A missão principal da Igreja é certamente o anúncio do Reino de Deus, 'mas exatamente esse anúncio deve ser um processo de cura', enfaixar as chagas dos corações partidos (Is61,1), segundo o encargo confiado por Jesus aos seus discípulos. (Luc 9, 1-2; Mt 10,1.5-14; Mc 6, 7-13. O binômio entre saúde física e renovação das dilacerações da alma nos ajuda, portanto, a compreender melhor os Sacramentos da cura{...}
Jesus, na sua vida, anuncia e torna presente a misericórdia do Pai. Ele veio não para condenar, mas para perdoar e salvar, para dar esperança também na escuridão mais profunda do sofrimento e do pecado, para doar a vida eterna; assim no Sacramento da Penitência, no remédio da confissão, a experiência do pecado não degenera em desespero, mas encontra o Amor que perdoa e transforma[...]
eus, rico em misericórdia (Ef 2,4), como o pai na parábola evangélica (Lc 15, 11-32), não fecha o coração a nenhum dos seus filhos, mas os espera, os procura, os atinge onde a rejeição da comunhão aprisiona no isolamento e no desespero, pode transformar-se assim em tempo de graça para entrar em si mesmos, e como o filho prodigo da parábola, repensar na própria vida, reconhecendo os erros e faltas, sentir a saudade do abraço do Pai e repercorrer o caminho em direção à sua Casa. Ele, no seu grande amor, sempre olha nossa existência e nos espera para oferecer a cada filho que volta para Ele, o dom da plena reconciliação e da alegria." (Papa Bento XVI)

89ª Catequese

"Queridos irmãos e irmãs,no nosso caminho de reflexão sobre a oração de Jesus apresentada nos Evangelhos, queremos meditar hoje sobre o momento, particularmente solene, da sua oração na última Ceia. A cena temporal e emocional do momento no qual Jesus se despede dos amigos é a iminência da sua morte que Ele sente próxima naquele momento. Há muito tempo Jesus já tinha começado a falar da sua paixão e procurou envolver sempre mais os seus discípulos nesta prospectiva. O Evangelho segundo Marcos narra que desde o início da viagem em direção a Jerusalém, nos vilarejos da distante Cesareia de Filipe, Ele tinha começado a ensinar-lhes que Filho do Homem deveria sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos do povo, pelos sumo sacerdotes e pelo escribas, ser morto e depois de três dias, ressuscitar (Mc 8,31). Além disso, exatamente nos dias nos quais se preparava para se despedir dos discípulos, a vida do povo estava marcada pela proximidade da Páscoa, ou seja, pelo memorial da libertação de Israel do Egito. Essa libertação experimentada no passado e esperada de novo no presente e para o futuro, se tornava viva nas celebrações familiares da Páscoa. A ultima ceia se insere neste contexto, mas com uma novidade de fundo. Jesus olha para a sua paixão, morte e ressurreição plenamente consciente. Ele quer viver esta ceia com seus discípulos, Jesus celebra a sua Páscoa, antecipa a sua Cruz e a sua Ressurreição.
Essa novidade nos vem evidenciada pela cronologia da Ultima ceia no Evangelho de São João, o qual não a descreve como ceia pascal, exatamente porque Jesus pretende inaugurar algo novo, celebrar a Sua Páscoa, ligada certamente aos eventos do Êxodo. E para João, Jesus morreu na cruz exatamente no momento no qual no templo de Jerusalém eram imolados os cordeiros pascais.
Qual é então o núcleo desta ceia? São os gestos do partir o pão, do distribui-lo aos seus e do partilhar o cálice de vinho com as palavras que os acompanham e no contexto de oração no qual se colocam: é a instituição da Eucaristia, é a grande oração de Jesus e da Igreja. Mas olhemos mais profundamente para este momento.
Antes de tudo, as tradições neotestamentárias da Instituição da Eucaristia indicam na oração que introduz os gestos e as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho, usam dois verbos paralelos e complementários. Paulo e Lucas falam de eucaristia/agradecimento: “Tomou o pão, deu graças, o partiu e deu-lhes” (Luc 22,19). Marcos e Mateus, ao invés disso, sublinham o aspecto de benção/eulogia: “Tomou o pão, proferiu a benção, o partiu e deu-lhes (Mc14,22). Ambos os termos gregos eucaristéin e eulogéin têm a ver com a beraka hebraica, isto é, a grande oração de agradecimento e de benção da tradição de Israel que inaugurava as grandes refeições. As duas diferentes palavras gregas indicam as duas direções intrínsecas e complementares desta oração. A beraka, de fato, é antes de tudo agradecimento e louvor que sobe a Deus para o dom recebido: na Ultima Ceia de Jesus, se trata do pão – trabalhado pelo trigo que Deus faz germinar e crescer na terra e pelo vinho produzido e maturado nas videiras. Essa oração de louvor e agradecimento, que se eleva para Deus, retorna como benção, que provém de Deus sobre o dom e o enriquece. O agradecer, louvar a Deus, se torna benção, e a oferta doada a Deus retorna ao homem abençoada pelo Onipotente. As palavras da instituição da Eucaristia se colocam neste contexto de oração; na mesma oração , o louvor e a benção da beraka se tornam benção e transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Jesus.
Antes das palavras da instituição vem os gestos: aquele do partir do pão e do oferecer o vinho. Quem parte o pão e passa o cálice é chefe de família, que acolhe à sua mesa os familiares, mas estes gestos também são de hospitalidade, de acolhida à comunhão com o estrangeiro, que não faz parte da casa. Esses mesmo gestos, na ceia com a qual Jesus se despede dos seus, adquirem uma profundidade nova. Ele dá o sinal visível da acolhida à mesa na qual Deus se doa. Jesus no pão e no vinho oferece e comunica si mesmo.
Mas como pode realizar-se tudo isto? Como pode Jesus dar, naquele mesmo, Si mesmo? Jesus sabe que a vida está para ser-lhe tirada através do suplício da cruz, a pena capital dos homens não livres, aquela que Cicerone definia a mors turpissima crucis (morte vergonhosa da cruz). Com os dons do pão e do vinho oferecidos na Ultima Ceia, Jesus antecipa a sua morte e a sua ressurreição realizando aquilo que havia dito no discurso do Bom Pastor: “Eu dou a minha vida para depois tomá-la de novo. Ninguém me tira: eu a dou. Tenho o poder de dá-la e o poder de tomá-la de novo. Este é o mandamento que recebi do meu Pai” (Jo 10, 17-18). Ele, portanto, oferece antecipadamente a vida que lhe sará tirada e deste modo transforma a sua morte violenta em um ato livre de doação pelos outros e aos outros. A violência suportada se transforma em sacrifício ativo, livre e redentor..." (Papa Bento)

88ª Catequese

"Naquele tempo, um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: “Se queres, tens o poder de curar-me”. Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: “Eu quero: fica curado!” No mesmo instante, a lepra desapareceu, e ele ficou curado. Então Jesus o mandou logo embora, falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!”
Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo." (Mc 1, 40-45)

Dividamos esta reflexão em três frases chaves que compõem esta bela passagem evangélica:

1."Naquele tempo, um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: “Se queres, tens o poder de curar-me" (Mc 1, 40-41)
O evangelista mais sintático, Marcos, narra para nós um fato tão importante quanto a cura realizada por Jesus. Ele narra o encontro de um leproso com o Senhor. Chama atenção na narração, o fato do evangelista focar o modo como o leproso se aproxima de Cristo. Diz ele:"Chegou perto de Jesus, e ajoelhou-se." (Mc1, 40) Antes de fazer o pedido o leproso reconhece diante de quem ele está. Vê na figura de Jesus o próprio Deus, o Verbo que veio habitar no meio de nós, a Palavra eterna abreviada do Pai. Se aproxima, e se prostra na mendicância. Diante de Deus a única postura correta e verdadeira é esta: ajoelhar-se. Na Santa Missa, no ápice do culto eucarístico, a consagração, os fiéis se ajoelham. A liturgia da Igreja, com sua forma pedagógica, nos insere no Mistério central da fé cristã, e nos diz: diante do altar está o próprio Deus, por isso prestamos a Ele a nossa adoração e o nosso louvor. Assim fez o leproso. Não foi logo pedindo, não foi logo tomando á frente da situação, inclinou-se, reconheceu a sua infimidade diante daquele Homem que estava diante de si. Deste modo, percorre o caminho de salvação e encontra-se com a sua própria salvação: Cristo. Se inclina, e pede:" “Se queres, tens o poder de curar-me”.(Mc 1, 41) Percebe a fala? Não impõe nada a Jesus, pelo contrário, pergunta se Jesus o quer curar.
Minha cara, a oração não deve ser uma imposição nossa a Deus. Não precisamos dizer o que Deus tem que fazer, Ele sabe o que precisa ser feito. O controle de tudo está em suas mãos, e nós, criaturas humanas, somos tão impotentes diante da vida, que a única coisa que precisamos entender é isso: Deus sabe o que faz. Ele não precisa de conselhos nossos, não precisa de nossa ajuda, na verdade, nós é que precisamos dEle. Precisamos de seu favor para libertar o nosso coração da lepra da mesquinhez e do orgulho. É Ele que limpa as nossas imundices para que possamos caminhar pelo caminho certo. É sempre a atitude dEle que muda tudo ao nosso redor. Quanto mais entendermos essa realidade, tanto mais não bateremos cabeça diante das situação inúmeras que a vida nos apresenta.

2. "Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: “Eu quero: fica curado!” No mesmo instante, a lepra desapareceu, e ele ficou curado." (Mc 1, 41-42)
A sensibilidade de Cristo me encanta. Estava lá Ele, diante do leproso que o pedia algo. Com tranquilidade, na mansidão peculiar, na atenção tão própria o coração de Cristo se move. COMOVE-SE. A comoção, atitude de ir ao outro, perscrutar o outro, mergulhar no oceano do outro, faz com que Jesus olhe para aquele pobre miserável, que não tinha ninguém por ele, com olhos de misericórdia. Marcos diz que Jesus tomado de compaixão disse ao leproso: " Eu quero, fica curado."(Mc 1, 41) Sim , o querer dEle transforma aquele homem. A lepra que o envolvia não o envolve mais. A compaixão de Cristo, o seu favor, a sua benevolência, inaugura para aquele homem vida nova. Agora os empecilhos, os dramas, as dores, a vergonha e tudo o mais não fazem parte da vida dele. A novidade de Deus esbarrou nele. O Cristo, aquele Homem extraordinário, incomum, irredutível a qualquer análise humana, faz o milagre ser real. Diz "Eu, quero" e as coisas acontecem. Uma frase simples, que joga por terra a complicação de pecado e de doença. A compaixão de Cristo, o seu amor pelo homem, fazia com que Ele fosse tomado de um desejo profundo de salvar o mesmo homem. Muitas vezes não dormia, não comia, não tinha tempo para si mesmo, vivia andando pelas cidades e povoados pregando o Reino de Deus, curando, ensinando, levando os homens ao conhecimento da verdade, tudo isso por amor ao Pai, por obediência ao Pai e pelo amor que nutria pelas criaturas. O coração de Jesus movia-se, comovia-se, ao ver um coração sofrido. Partilhava com os sofredores de sua dor, compreendia-os e os desafiava a viver a lógica de Deus. Diante do leproso, o desejo de Jesus provocou naquele homem um fascínio impressionante. Poderia ele pensar: Mas que homem é esse? Que figura é esta? Nunca via coisa semelhante!" De fato, igual a Jesus nem mesmo os grandes Patriarcas de Israel, os profetas e doutores, nenhum deles despertavam naquele povo tal fascínio. Jesus era diferente, eles percebiam isso, por isso iam atrás dele. Não entendiam nada do que Ele lhes falava, mas não podiam voltar para as suas casas sem vê-Lo, sem tocar nEle, sem sentir a sua Presença. Cristo provocava os seus com sua figura singular e eles não tinham como fugir. Ao rezarem deveriam meditar as suas palavras. Quando estavam no campo ou no trabalho, a voz daquele homem ressoava em seus ouvidos como música. Onde estavam, o que faziam, pensavam nEle e desejavam reencontrá-Lo mais uma vez. É assim também no hoje da nossa história, é sempre assim. Ele nos fascina a cada dia e nos interpela. Essa companhia de Cristo é o nosso verdadeiro tesouro, mas que as curas que Ele possa nos oferecer, mais do que o perdão que Ele pode nos dá, mesmo vendo as maravilhas que Ele opera no meio de nós, tudo isso tem significado profundo quando estamos com Ele. O que adianta ser curado, ser perdoado, ser testemunha ocular das suas maravilhas, se nós não temos a sua Presença? É a mesma coisa querer tentar abrir um baú cheio de ouro sem a chave. É inútil, não serve para nada. Cristo, a sua Pessoa, a nossa afeição a Ele, isso sim, torna a vida mais bela e mais renovadora na medida em que o tempo passa. Sem Ele as coisas são totalmente vãs, nos lembra Dom Giussani. É preciso nos apegar a esta verdade, se não tudo se perde, tudo vaio por água abaixo.

3. Então Jesus o mandou logo embora, falando com firmeza: “Não contes nada disso a ninguém! Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou, como prova para eles!”
Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato. Por isso Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ficava fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo."(Mc 1, 43-45)
Terceira observação: Jesus manda o leproso ir até o sacerdote para que este testifique a cura, assim como a Lei mosaica prescrevia. O que Jesus quer com isso? Quer mostrar primeiro que Ele não é qualquer um. Ele é o Filho de Deus, aquele que tem poder sobre tudo, o único que pode restaurar a vida de um homem morto que há tempos havia morrido socialmente falando. Ele não é só um curandeiro, é o Senhor no meio de nós. E depois quer com isto deixar claro que não veio abolir a Lei, mas dar a ela pleno cumprimento. Não veio apagar aquilo que Móises escreveu, mas veio dar um sentido mais pleno as palavras e as realidades que estavam na Lei.
O leproso nos ensina a estarmos diante de Jesus como se deve: prostrados, entregues diante de sua Presença, mendicantes de seu favor. Jesus, aquEle que tudo sustenta, nos envolve com a sua compaixão e nos ensina a olharmos uns para os outros com comoção, tirando as escamas que nos impede de ver o outro como o outro é de fato, nosso irmão. Ele que soube sentir compaixão dos sofredores, nos ensina a sermos também assim. Seguindo o seu exemplo, estaremos fincados nesta rocha que é Ele mesmo e desfrutaremos sempre de sua companhia, a nossa maior riqueza.

87ª Catequese

"Agradeço a Nossa Senhora e também ao padre Gino, que me deram a possibilidade de participar, ao menos um pouquinho, deste grande, belíssimo gesto, que é uma peregrinação. É um gesto grande e belíssimo porque é um símbolo da vida: a vida também, sem que a pessoa o deseje, sem que a pessoa sequer pense nisso, passo após passo, é um caminho rumo ao destino que é Deus, Aquele que nos fez, Aquele que nos deu pai e mãe, e Aquele que nos espera ao final do nosso difícil caminho. Sim, pois é um caminho difícil: se Deus veio até o nosso meio – mas vocês já meditaram sobre isso durante o trajeto –, se Deus veio até o nosso meio para morrer, para trabalhar como todos os outros, mas sobretudo para morrer, isso significa que a vida é uma coisa difícil. De fato, é a provação pela qual devemos passar para chegar até onde nos espera aquele “reino celeste”, dizia Jacopone de Todi, “que realiza toda a alegria/ de que é ávido o coração” (Jacopone de Todi, Lauda LXIV, in: Le Laude, Florença, Libreria Editrice Fiorentina, 1989, p. 218), onde nos espera a felicidade. Uma mãe põe um filho no mundo porque a felicidade existe, do contrário seria injusto pôr filhos no mundo. A vida é uma coisa difícil, e por isso é preciso um certo temperamento. Nem todos podem ser atletas: eu, por exemplo, não poderia; para ser atleta é preciso um físico adequado, e é preciso um treinamento para torná-lo mais adequado ainda. Mas, graças a Deus, para a peregrinação da vida rumo ao nosso destino, a personalidade precisa apenas de uma coisa, de uma coisa muito elementar, tanto assim que Jesus comparou quem a possui à criança: “Se não fordes como crianças, não entrareis jamais” (cf. Mt 18,3); e depois a comparou a quem não tem nada, ao pobre: “Bem-aventurados os pobres” (Mt 5,3). É preciso, numa palavra – posso usar esta palavra para explicar o que estou dizendo –, uma grande simplicidade de coração, que significa também pobreza de alma, pobreza de espírito.
Uma grande simplicidade de coração. Nossa Senhora – basta olhar para ela – é realmente como o “tipo” desse homem caminhante rumo a seu destino, desse protagonista do tempo. Sem o homem que caminha rumo a seu destino, que seria o tempo? Seria uma coisa inútil, como jogar alguma coisa num saco sem fundo no qual tudo se perde.
Ora, as reflexões que faço normalmente, quando medito diante da figura de Nossa Senhora, são as seguintes, que eu agora transmito a vocês.
Em primeiro lugar, a simplicidade de Nossa Senhora: essa simplicidade a tornou disponível ao desígnio de Deus. Ela também, como boa judia, tinha uma imagem na cabeça de como poderia ser o Messias que todos esperavam, que traria a paz aos corações, a paz à sociedade, que poderia tornar mais feliz, ou menos infeliz, o caminho da vida. Mas imaginar que Deus, para vir a ser isso, teria de se tornar criança dentro do seu ventre, isso era realmente impossível, era impossível alguém pensar nisso. E, diante da proposta do Anjo, diante da proposta daquele momento misterioso, que sabe lá como viria a acontecer, mas que, para ela, era evidente, era uma evidência, ela disse: “Sim, fiat”. A disponibilidade ao desígnio de Deus: pois “os meus caminhos não são os vossos caminhos, os meus pensamentos não são os vossos pensamentos” (cf. Is 55,8); o desígnio de Deus nos supera por todos os lados, sempre, não pode ficar amesquinhado ou aprisionado dentro do limite da nossa imaginação. Mas a pessoa que está disponível a sempre mudar tudo de acordo com o que Deus quer – e vejam que Deus quer por meio das circunstâncias, pois, para Nossa Senhora, três minutos, um minuto antes de que o anúncio acontecesse, não era nem possível imaginar que aconteceria: as circunstâncias, especialmente as que mais nos importunam, que são as circunstâncias inevitáveis, justamente essas assinalam o caminho de Deus –, a pessoa que está disponível a isso não é apegada a nada de si, é livre. Assim, a primeira conseqüência é que é atenta, extremamente sensível à necessidade dos outros. Realmente, mal o Anjo foi embora, Nossa Senhora decidiu logo, ela, mocinha de catorze, quinze anos, percorrer aquele caminho longuíssimo – que, quando as pessoas vão à Palestina, normalmente percorrem de ônibus ou de carro –, de mais de cem quilômetros, num terreno pedregoso, para ir encontrar sua prima Isabel, pois o Anjo lhe havia dito que Isabel tinha uma criança em seu ventre havia seis meses. A primeira coisa que fez foi compartilhar a necessidade e as dificuldades da prima Isabel, por meio de um sacrifício grandíssimo. Quando é que somos livres? Somos livres quando estamos disponíveis ao que Deus quer. É diante do Infinito, só diante do Infinito que o homem é livre, desapegado de si mesmo. Quando a pessoa é assim, está imediatamente pronta a ouvir e a satisfazer as necessidades dos outros. Que lição para nós! Essas são as primeiras características de um homem que vive a vida como peregrinação..." (Dom Giussani)

86ª Catequese

"Queridos irmãos e irmãs, estou contente por acolher-vos nesta primeira Audiência Geral do novo ano e, de todo o coração, dirijo a vós e às vossas famílias minhas afetuosas saudações. Deus, que no nascimento de Cristo, Seu Filho, inundou de alegria o mundo inteiro, conceda obras e dias na sua paz. Estamos no Tempo Litúrgico do Natal, que inicia na noite de 24 de dezembro, com a Vigília, e conclui-se com a celebração do Batismo do Senhor. O arco dos dias é breve, mas denso de celebrações e mistérios e se recolhe em torno das duas grandes Solenidades do Senhor: Natal e Epifania. O próprio nome dessas duas festas indica suas respectivas fisionomias. O Natal celebra o fato histórico do nascimento de Jesus em Belém. A Epifania, nascida como Festa no Oriente, indica um fato, mas, sobretudo, um aspecto do mistério: Deus revela-se na natureza humana de Cristo e esse é o sentido do verbo grego epiphaino, tornar-se visível. Nessa perspectiva, a Epifania recorda uma pluralidade de eventos que têm como objeto a manifestação do Senhor: de modo particular, a Adoração dos Magos, que reconhecem em Jesus o Messias esperado, mas também o Batismo no Rio Jordão com a sua teofania – a voz de Deus do alto – e o milagre nas Bodas de Caná, primeiro "sinal" operado por Cristo.
Uma belíssima antífona da Liturgia das Horas unifica esses três acontecimentos em torno do tema das núpcias entre Cristo e a Igreja: "Hoje, a Igreja une-se ao Seu Esposo celeste, porque, no Jordão, Cristo lavou os seus pecados; os Magos acorrem com dons às núpcias reais, e os convidados alegram-se vendo a água transformada em vinho" (Antifona delle Lodi). Podemos quase dizer que, na Festa do Natal, sublinha-se o escondimento de Deus na humildade da condição humana, no Menino de Belém. Na Epifania, ao contrário, evidencia-se o Seu manifestar-se, o aparecer de Deus através desta mesma humanidade.
Nesta Catequese, gostaria de recordar brevemente alguns temas próprios da celebração do Natal do Senhor, a fim de que cada um de nós possa beber da fonte inexaurível deste mistério e produzir frutos de vida.
Antes de tudo, perguntemo-nos: Qual é a primeira reação diante desta extraordinária ação de Deus, que se faz criança, que se faz homem? Penso que a primeira reação não pode ser outra que não alegria. "Alegremo-nos todos no Senhor, porque nasceu no mundo o Salvador": assim inicia a Missa de Natal, e ouvimos há pouco as palavras do Anjo aos pastores: "Eis que vos anuncio uma grande alegria" (Lc 2,10). É o tema que abre o Evangelho, e é o tema que o encerra, porque Jesus ressuscitado repreenderá os Apóstolos exatamente por estarem tristes (cf. Lc 24,17) – incompatível com o fato de que Ele permanece Homem eternamente.
Mas demos um passo adiante: De onde nasce essa alegria? Diria que nasce do estupor do coração em ver o quanto Deus nos é próximo, o quanto pensa em nós e age na história. É uma alegria, portanto, que nasce do contemplar o rosto daquele humilde Menino, porque sabemos que é o Rosto de Deus, presente para sempre na humanidade, para nós e conosco. O Natal é alegria porque vemos e estamos finalmente seguros de que Deus é o Bem, a Vida, a Verdade do homem e se abaixa até o homem para levantá-lo a Si. Deus torna-se tão próximo a ponto de se deixar ver e tocar. A Igreja contempla esse inefável mistério e os textos da Liturgia deste tempo são permeados pelo estupor e pela alegria; todos os cantos de Natal expressam esta alegria. O Natal é o ponto em que céu e terra unem-se, e várias expressões que ouvimos nestes dias sublinham a grandeza do que aconteceu: o distante – Deus parece distantíssimo – torna-se próximo; "o inacessível quis ser alcançável. Ele, que existe antes do tempo, começou a estar no tempo, o Senhor do universo, velando a grandeza de sua majestade, assume a natureza de servo", exclama São Leão Magno (Sermone 2 sul Natale, 2.1). Naquele Menino, necessitado de tudo, como são as crianças, está aquilo que Deus é: eternidade, força, santidade, vida, alegria, que se une àquilo que somos nós: debilidade, pecado, sofrimento, morte.
A teologia e a espiritualidade do Natal usam uma expressão para descrever esse fato: falam de admirabile commercium, isto é, de um admirável intercâmbio entre divindade e humanidade. Santo Atanásio de Alexandria afirma: "O filho de Deus se fez homem para fazer-nos Deus" (De Incarnatione, 54, 3: PG 25, 192), mas é sobretudo com São Leão Magno e as suas célebres Homilias sobre o Natal que essa realidade torna-se objeto de profunda meditação. Afirma, de fato, o Santo Pontífice: "Se apelamos à inexprimível condescendência da misericórdia divina que levou o Criador dos homens a fazer-se homem, essa nos elevará à natureza d'Aquele que nós adoramos na nossa" (Sermone 8 sul Natale: CCL 138,139). O primeiro ato deste maravilhoso intercâmbio realiza-se na própria humanidade de Cristo. O Verbo assumiu a nossa humanidade e, em troca, a natureza humana foi elevada à dignidade divina..."(Papa Bento XVI)

85ª Catequese

"Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”. Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.
" (Jo 1, 47-51)
Jesus nos chama á partir da nossa psicologia. Ele era um grande conhecedor de pessoas, ia até o fundo das questões mais secretas do homem e de lá tirava o argumento para convencer. Jesus pega o incrédulo Natanael através da ironia. Aquele que havia ridicularizado a cidade Natal de Jesus, se encontra diante daquEle que conhece profundamente as coisas e as pessoas. Quando Jesus o fita, revela para ele que o Homem diante de si não era qualquer um, era o Messias tão esperado pelo povo. Jesus exclama: "Eis um israelita que não tem um pingo de malícia!". Natanael encabulado pergunta espantado: " De onde me conheces?" E Jesus, o carpinteiro, o simples, vindo de Nazaré, diz a ele: " Eu te vi debaixo da figueira, antes que Filipe te chamasse!"
O que estava ele fazendo? Será que estava adorando a Deus da maneira errada? No tempo de Jesus estar debaixo da figueira era o local das heresias, os hereges adoravam os seus deuses debaixo daquela árvore. Mas o que fazia Natanael debaixo daquela árvore? Não sabemos, mas Jesus sabia. Ele sabia e Natanael reconhecendo que estava diante de alguém incomum, exclama:" Rabi, tu és o Filho de Deus, és o Rei de Israel!"
A Presença de Cristo, o seu olhar, o modo como encarava as realidades da vida, era motivo de maravilhamento por parte de quem estava perto dEle. Por que? Porque não havia outro igual a Ele. Antes dEle vieram os profetas, poderosos em sinais e prodígios, mas nenhum como Ele. Natanael percebe essa grandeza, e exclama pela fé que Jesus é o Filho de Deus, o Rei de Israel.
Minha cara, na nossa vida de fé, quando Ele nos chama, quando Ele nos conquista, quando nos chama para caminhar com Ele, a nossa vida ganha um novo rumo. Antes andávamos nas trevas, mas Ele nos tirou de lá. Não sabíamos para onde ir, Ele nos ensinou o caminho que devemos trilhar. Se antes a nossa vida experimentava a opressão de uma vida coberta de pecados, o seu sangue derramado por nós nos trouxe vida e nos fez acreditar que vale á pena viver, pois com Ele, tudo faz sentido. Os discípulos ao ouvirem a sua voz, sabiam que se eles não o seguissem a sua vida vida ficaria no mesmo marasmo. Estariam de braços cruzados esperando a salvação do povo e não encontrariam. Mas a novidade que Jesus nos traz é a de que Ele vai ao nosso encontro. Antes mesmo de Natanael pensar em procurá-Lo, Ele já se adiantou, tomou á frente e veio até Ele.
É assim que Ele faz conosco, vem até nós, procura o nosso rosto e com amor eterno nos chama: " Vinde todos!" Impactados por este convite podemos dizer: " Sim, Senhor, nós te seguiremos!" Ou podemos atestar o nosso estado de morte e dizer: " Não, não queremos te segui, pois seguindo-te, perderemos a nossa liberdade!' A segunda resposta é muito comum nos dias atuais. O homem do século XXI acha que quando Deus entra na vida ele perde a capacidade de escolher. O homem mesquinho vê Deus como um inimigo, e esquece da maravilha que Ele realiza em nós. Quanto mais pertencemos a Ele, somos mais livres. Temos a maturidade de escolher o bem ou o mal tendo como base a verdade que norteia as nossas escolhas. Por isso não é fato real este pensamento mundano. Nós cristão somos determinados por uma só palavra, que se encontra no Evangelho de São João no capitulo 28, versículo 20, na qual nos dá uma plena esperança: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém. " Sim, Ele está conosco, Ele não nos abandonou! Em tudo o que fazemos, para onde vamos, Ele está conosco. A morte, o tempo, o espaço, nada disso pode nos separar dEle, com Ele a vida palpita na intensidade desejada por Deus.
Olhemos para Ele, fitemos nossos olhos na direção; amemos a Ele e sempre ouviremos de sua boca as palavras que confortaram o coração de Natanael e que ainda hoje confortam o nosso coração:"Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.

84ª Catequese

"Queridos amigos!
Para mim, este é um momento muito esperado. Estive diante do Santo Sudário noutras ocasiões, mas desta vez vivo esta peregrinação e esta reflexão com intensidade particular: talvez porque o passar dos anos me torna ainda mais sensível à mensagem deste extraordinário Ícone; talvez, diria sobretudo, porque estou aqui como Sucessor de Pedro e trago no meu coração toda a Igreja, aliás, toda a humanidade. Dou graças a Deus pelo dom desta peregrinação e também pela oportunidade de partilhar convosco uma breve meditação, que me foi sugerida pelo subtítulo desta solene Ostensão: "O mistério do Sábado Santo".
Pode-se dizer que o Sudário é o Ícone deste mistério, o Ícone do Sábado Santo. De facto, é um lençol sepulcral, que envolveu o corpo de um homem crucificado totalmente correspondente a quanto os Evangelhos nos dizem de Jesus, o qual, crucificado por volta do meio-dia, expirou aproximadamente às três da tarde. Ao anoitecer, porque era Parasceve, isto é a vigília do sábado solene de Páscoa, José de Arimateia, um rico e competente membro do Sinédrio, pediu corajosamente a Pôncio Pilatos para poder sepultar Jesus no seu sepulcro novo, que tinha sido escavado na rocha a pouca distância do Gólgota. Ao obter a autorização, comprou um lençol e, deposto o corpo de Jesus da cruz, envolveu-o com o lençol e colocou-o naquele túmulo (cf. Mc 15, 42-46). Assim refere o Evangelho de Marcos, e com ele concordam os outros Evangelistas. A partir daquele momento, Jesus permeneceu no sepulcro até ao alvorecer do dia seguinte que era sábado, e o Sudário de Turim oferece-nos a imagem de como era o seu corpo estendido no túmulo durante aquele tempo, que foi breve cronologicamente (cerca de um dia e meio), mas imenso, infinito no seu valor e significado.
O Sábado Santo é o dia do escondimento de Deus, como se lê numa antiga Homilia: "O que aconteceu? Hoje sobre a terra há um grande silêncio, grande silêncio e solidão. Grande silêncio porque o Rei dorme... Deus morreu na carne e desceu para abalar o reino dos infernos" (Homilia sobre o Sábado Santo, pg 43, 439). No Credo, nós professamos que Jesus Cristo "padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia".
Queridos irmãos, no nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu: "Deus está morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos. Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior: a escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida, de modo particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por esta escuridão.
E, no entanto, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no facto de que o Santo Sudário se comporta como um documento "fotográfico", dotado de um "positivo" e de um "negativo". Com efeito, é exactamente assim: o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém" entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem: "Passio Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical ...

Naquele "tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto alguma: "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exactamente isto no Sábado Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o impensável: ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos": também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão nunca estaremos sozinhos: "Passio Christi. Passio hominis".

Este é o mistério do Sábado Santo! Exactamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição. E eis que, parece-me, olhando para este Santo Lençol com os olhos da fé se perceba algo desta luz. Com efeito, o Sudário foi imerso naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é luminoso; e eu penso que se milhões e milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem contar quantos o contemplam através das imagens – é porque nele não vêem só a escuridão, mas também a luz; não tanto a derrota da vida e do amor, mas ao contrário, a vitória, a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio; vêem a morte de Jesus mas entrevêem a sua Ressurreição; agora a vida pulsa no seio da morte, porque lá inabita o amor. Este é o poder do Sudário: do rosto deste "Homem do sofrimento", que traz em si a paixão do homem de todos os tempos e lugares, também as nossas paixões, os nossos sofrimentos, as nossas dificuldades, os nossos pecados – "Passio Christi. Passio hominis" – promana uma solene majestade, um senhorio paradoxal. Este rosto, estas mãos e estes pés, este lado, todo este corpo fala, ele próprio é uma palavra que podemos escutar no silêncio. De que modo fala o Sudário? Fala com o sangue, e o sangue é a vida! O Sudário é um Ícone escrito com o sangue; sangue de um homem flagelado, coroado de espinhos, crucificado e ferido no lado direito. A imagem impressa no Sudário é a de um morto, mas o sangue fala da sua vida. Cada traço de sangue fala de amor e de vida. Especialmente a mancha abundante próxima do lado, feita de sangue e água derramados abundantemente de uma grande ferida causada por um golpe de lança romana, aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma fonte que murmura no silêncio, e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silêncio do Sábado Santo.

Queridos amigos, louvemos sempre o Senhor pelo seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor e louvemos a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade. Obrigado." (Papa Bento XVI)

83ª Catequese

"Amados irmãos e irmãs!

«Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» – com estas palavras do Salmo segundo, a Igreja dá início à liturgia da Noite Santa. Ela sabe que esta frase pertencia, originariamente, ao rito da coroação do rei de Israel. O rei, que por si só é um ser humano como os outros homens, torna-se «filho de Deus» por meio do chamamento e entronização na sua função: trata-se de uma espécie de adopção por parte de Deus, uma acta da decisão, pela qual Ele concede a este homem uma nova existência, atraindo-o para o seu próprio ser. De modo ainda mais claro, a leitura tirada do profeta Isaías, que acabámos de ouvir, apresenta o mesmo processo numa situação de tribulação e ameaça para Israel: «Um menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros» (9, 5). A entronização na função régia é como um novo nascimento. E, precisamente como recém-nascido por decisão pessoal de Deus, como menino proveniente de Deus, o rei constitui uma esperança. O futuro assenta sobre os seus ombros. É o detentor da promessa de paz. Na noite de Belém, esta palavra profética realizou-se de um modo que, no tempo de Isaías, teria ainda sido inimaginável. Sim, agora Aquele sobre cujos ombros está o poder é verdadeiramente um menino. N’Ele aparece a nova realeza que Deus institui no mundo. Este menino nasceu verdadeiramente de Deus. É a Palavra eterna de Deus, que une mutuamente humanidade e divindade. Para este menino, são válidos os títulos de dignidade que lhe atribui o cântico de coroação de Isaías: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz (9, 5). Sim, este rei não precisa de conselheiros pertencentes aos sábios do mundo. Em Si mesmo traz a sapiência e o conselho de Deus. Precisamente na fragilidade de menino que é, Ele é o Deus forte e assim nos mostra, face aos pretensiosos poderes do mundo, a fortaleza própria de Deus.

Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Sal 2, 8) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível. Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente «Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai». Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele «desceu» verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si. Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus-connosco. O seu reino estende-se verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que «o bastão do opressor» não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a «veste manchada de sangue» (Is 9, 3-4). Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus. Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de «uma paz sem fim» (Is 9, 6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o «reino da justiça, do amor e da paz»..." (Papa Bento XVI)

82ª Catequese

"Uma antiga lenda judaica, tirada do livro apócrifo “A vida de Adão e Eva”, conta que Adão, durante a sua última enfermidade, teria mandado o filho Set juntamente com Eva à na região do Paraíso buscar o óleo da misericórdia, para ser ungido com este e assim ficar curado. Aos dois, depois de muito rezar e chorar à procura da árvore da vida, aparece o Arcanjo Miguel para dizer que não conseguiriam obter o óleo da árvore da misericórdia e que Adão deveria morrer. Mais tarde, os leitores cristãos adicionaram a esta comunicação do arcanjo, uma palavra de consolação. O Arcanjo teria dito que, depois de 5.500 anos, viria o benévolo Rei Cristo, o Filho de Deus, e ungiria com o óleo da sua misericórdia todos aqueles que acreditassem nele. “O óleo da misericórdia para toda a eternidade será dado a quantos deverão renascer da água e do Espírito Santo. Então, o Filho de Deus rico de amor, Cristo, descerá às profundezas da terra e conduzirá o teu pai ao Paraíso, para junto da árvore da misericórdia”. Nesta lenda, faz-se palpável toda a aflição do homem diante do destino de enfermidade, dor e morte que nos foi imposto. Torna-se evidente a resistência que o homem oferece à morte: em algum lugar – repetidamente pensaram os homens – deveria existir a erva medicinal contra a morte. Mais cedo ou mais tarde, deveria ser possível encontrar o remédio não somente contra as diversas doenças, mas contra a verdadeira fatalidade – contra a morte. Deveria, em suma, existir o remédio da imortalidade. Também hoje, os homens andam à procura de tal substância curativa. A ciência médica atual, incapaz de excluir a morte, procura, contudo, eliminar o maior número possível das suas causas, adiando-a sempre mais; procura uma vida sempre melhor e mais longa. Mas, pensemos um pouco: caso se conseguisse quiçá não excluir totalmente a morte mas adiá-la indefinidamente, como seria chegar a uma idade de várias centenas de anos? Isto seria bom? A humanidade envelheceria numa medida extraordinária; não haveria lugar para a juventude. A capacidade de inovação se apagaria e uma vida interminável não seria um paraíso, mas uma condenação. A verdadeira erva medicinal contra a morte deveria ser diversa. Não deveria levar simplesmente a uma prolongação indefinida desta vida atual. Deveria transformar a nossa vida a partir do interior. Deveria criar em nós uma vida nova, verdadeiramente capaz de eternidade: deveria transformar-nos de tal modo que não terminasse com a morte, mas com ela iniciasse em plenitude. A novidade impressionante da mensagem cristã, do Evangelho de Jesus Cristo era, e ainda é, dizer-nos isto: sim, esta erva medicinal contra a morte, este autêntico remédio da imortalidade existe. Foi encontrado. É acessível. No Batismo, este medicamento nos é dado. Uma vida nova começa em nós, uma vida nova que amadurece na fé e não é cancelada pela morte da vida velha, mas só então se tornará plenamente visível.
Ouvindo isto alguns, quiçá muitos, responderão: a mensagem sim, eu escuto, mas falta-me a fé. E, mesmo quem quer acreditar perguntará: mas, é verdadeiramente assim? Como devemos imaginá-la? Como se realiza esta transformação da vida velha, de tal modo que nela se forme a vida nova que não conhece a morte? Mais uma vez, um antigo escrito judaico pode nos ajudar a ter uma idéia daquele processo misterioso que tem início em nós no Batismo. Neste escrito se conta que o patriarca Henoc foi arrebatado até ao trono de Deus. Mas, ele se atemorizou à vista das gloriosas potestades angélicas e, na sua fraqueza humana, não pôde contemplar a Face de Deus. “Então Deus disse a Miguel – assim continua o livro de Henoc – 'Toma Henoc e tira-lhe as vestes terrenas. Unge-o com o óleo suave e reviste-o com vestes de glória! ' E, Miguel tirou as minhas vestes, ungiu-me com óleo suave; este óleo possuía algo mais que uma luz radiosa... O seu esplendor era semelhante aos raios do sol. Quando me vi, eis que eu era como um dos seres gloriosos” (Ph. Rech, Inbild des Kosmos, II 524)...

Em seguida, o batizando na Igreja Antiga se virava para oriente – símbolo da luz, símbolo do novo sol da história, novo sol que se levanta, símbolo de Cristo. O batizando determina a nova direção da sua vida: a fé em Deus trino, a quem ele se oferece. Assim, o próprio Deus nos veste com o traje de luz, com a veste da vida. Paulo chama a estas novas “vestes” “fruto do Espírito” e as descreve com as seguintes palavras: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Gal 5, 22).

Na Igreja Antiga, depois o batizando era verdadeiramente despojado das suas vestes. Descia à fonte batismal e era imerso por três vezes – um símbolo da morte que significa toda a radicalidade deste despojamento e desta mudança de veste. Esta vida, que em todo o caso já está voltada à morte, o batizando a entrega à morte, junto com Cristo, e por Ele se deixa arrastar e elevar para a vida nova, que o transforma para a eternidade. Depois subindo das águas batismais, os neófitos eram revestidos com a veste branca, a veste luminosa de Deus, e recebiam a vela acesa como sinal da vida nova na luz que Deus mesmo acendera neles. Eles sabiam que tinham obtido o remédio da imortalidade, que agora, no momento de receber a sagrada Comunhão, tomava a sua forma plena. Na Comunhão, recebemos o Corpo do Senhor ressuscitado e nós mesmos somos atraídos para este Corpo, de tal modo que ficamos já guardados por Aquele que venceu a morte e nos conduz através da morte.

No decorrer dos séculos, os símbolos tornaram-se mais escassos, mas o acontecimento essencial do Batismo continue sendo o mesmo. Este não é apenas um lavacro, e menos ainda uma recepção um pouco complicada numa nova associação. O Batismo é morte e ressurreição, renascimento para a nova vida.

Sim, a erva medicinal contra a morte existe. Cristo é a árvore da vida, que se fez novamente acessível. Se aderimos a ele, então estamos na vida. Por isso, nesta noite da ressurreição, cantaremos com todo o coração o aleluia, o canto da alegria que não tem necessidade de palavras. Por isso Paulo pode dizer aos Filipenses: “alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos!” (Fl 4, 4). Não se pode comandar a alegria. Somente pode ser dada. O Senhor ressuscitado nos dá a alegria: a verdadeira vida. Já estamos protegidos para sempre guardados no amor daquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (cf. Mt 28,18). Assim, seguros de ser escutados, peçamos como diz a oração sobre as oferendas que a Igreja eleva nesta noite: Acolhei, ó Deus, com estas oferendas as preces do vosso povo, para que a nova vida, que brota do mistério pascal, seja por vossa graça penhor da eternidade. Amém." (Papa Bento XVI)

81ª Catequese

"Caros irmãos e irmãs

Na leitura do Livro do Êxodo, que acabamos de ouvir, é descrita a celebração da Páscoa de Israel, do modo como na Lei mosaica tinha encontrado a sua forma vinculante. Na origem, pode ter existido uma festa de Primavera dos nómades. Todavia, para Israel ela transformou-se numa festa de comemoração, de acção de graças e, ao mesmo tempo, de esperança. No centro da ceia pascal, ordenada segundo determinadas regras litúrgicas, encontrava-se o cordeiro como símbolo da libertação da escravidão no Egipto. Por isso, o haggadah pascal fazia parte integrante da refeição cujo prato-base era cordeiro: a recordação narrativa do facto de que foi o próprio Deus quem libertou Israel "com as mãos elevadas". Ele, o Deus misterioso e escondido, revelara-se mais forte do que o faraó, com todo o poder que ele tinha à sua disposição. Israel não devia esquecer que Deus tinha assumido pessoalmente a história do seu povo, e que esta história estava continuamente fundamentada na comunhão com Deus. Israel não devia esquecer-se de Deus.

A palavra da comemoração estava circundada por palavras de louvor e de acção de graças, tiradas dos Salmos. O agradecer e o bendizer a Deus alcançavam o seu ápice na berakha, que em grego se chama eulogia, ou eucaristia: bendizer a Deus torna-se bênção para aqueles que bendizem. A oferenda apresentada a Deus volta abençoada para o homem. Tudo isto lançava uma ponte do passado ao presente e rumo ao futuro: ainda não se tinha completado a libertação de Israel. A nação ainda sofria como pequeno povo no campo das tensões entre os grandes poderes.

Assim, recordar-se com gratidão da acção de Deus no passado tornava-se súplica e, ao mesmo tempo, esperança: Completai aquilo que começastes! Concedei-nos a liberdade definitiva!

Jesus celebrou esta ceia, de múltiplos significados, juntamente com os seus na noite precedente à sua Paixão. Com base neste contexto, temos que compreender a nova Páscoa, que Ele nos entregou na Sagrada Eucaristia. Nas narrações dos Evangelistas existe uma aparente contradição entre, por um lado, o Evangelho de João e aquilo que, por outro, nos comunicam Mateus, Marcos e Lucas. Segundo João, Jesus morreu na cruz precisamente no momento em que, no templo, eram imolados os cordeiros pascais. A sua morte e o sacrifício dos cordeiros coincidiram. Porém, isto significa que Ele morreu na vigília da Páscoa e, portanto, não pôde pessoalmente celebrar a ceia pascal pelo menos é assim que parece. No entanto, segundo os três Evangelhos sinópticos, a última Ceia de Jesus foi uma ceia pascal, em cuja forma tradicional Ele inseriu a novidade da oferta do seu corpo e do seu sangue. Até há alguns anos, esta contradição parecia insolúvel. A maioria dos exegetas julgava que João não queria comunicar-nos a verdadeira data histórica da morte de Jesus, mas tinha escolhido uma data simbólica, para tornar assim evidente a verdade mais profunda: Jesus é o novo e autêntico Cordeiro, que derramou o seu sangue por todos nós ...

Entretanto, a descoberta dos escritos de Qumran levou-nos a uma possível solução convincente que, embora ainda não seja aceite por todos, contudo possui um elevado grau de probabilidade. Agora, podemos dizer que quanto foi mencionado por João é historicamente exacto. Jesus deveras derramou o seu sangue na vigília da Páscoa, na hora da imolação dos cordeiros. Porém, Ele celebrou a Páscoa com os seus discípulos, provavelmente, segundo o calendário de Qumran, portanto, pelo menos um dia antes celebrou-a sem o cordeiro, à maneira da comunidade de Qumran, que não reconhecia o templo de Herodes e estava à espera do novo templo. Portanto, Jesus celebrou a Páscoa sem o cordeiro, aliás, não sem o cordeiro: em lugar do cordeiro, entregou-se a si mesmo, o seu corpo e o seu sangue. Assim, antecipou a sua morte de modo coerente com a sua palavra: "Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo" (Jo 10, 18). No momento em que oferecia aos discípulos o seu corpo e o seu sangue, Ele cumpria realmente esta afirmação. Ele mesmo ofereceu a própria vida. Somente assim a Páscoa alcançaria o seu verdadeiro sentido.

Nas suas catequeses eucarísticas, certa vez São João Crisóstomo escreveu: "O que estás a dizer, Moisés? O sangue de um cordeiro purifica os homens? Salva-os da morte? Como pode o sangue de um animal purificar os homens, salvar os homens, ter o poder contra a morte? Com efeito continua São João Crisóstomo o cordeiro podia constituir somente um gesto simbólico e, portanto, a expressão da expectativa e da esperança em Alguém que podia realizar aquilo de que o sacrifício de um animal não era capaz. Jesus celebrou a Páscoa sem cordeiro e sem templo e, todavia, não sem cordeiro nem sem templo". Ele mesmo era o Cordeiro esperado, o verdadeiro, como João Baptista tinha prenunciado no início do ministério público de Jesus: "Aí está o Cordeiro de Deus, que vai tirar o pecado do mundo!" (Jo 1, 29). E Ele mesmo é o templo verdadeiro, o templo vivo onde Deus tem a sua morada e onde nós podemos encontrar Deus e adorá-lo. O seu sangue, o amor daquele que é Filho de Deus e, ao mesmo tempo, verdadeiro homem, um de nós, aquele sangue pode salvar-nos. O seu amor, o amor no qual Ele se entrega livremente por nós, é que nos salva. O gesto nostálgico, de certa forma desprovido de eficácia, que era a imolação do cordeiro inocente e imaculado, encontrou a resposta naquele que por nós se tornou Cordeiro e, contemporaneamente, Templo.

Assim, no centro da nova Páscoa de Jesus encontrava-se a Cruz. Dela provinha o novo dom por Ele oferecido. E deste modo ela permanece na Sagrada Eucaristia, onde podemos celebrar a nova Páscoa com os Apóstolos ao longo dos tempos. É da Cruz de Cristo que provém o dom.

"Ninguém me tira a vida; sou Eu que a dou por mim mesmo". Agora, Ele oferece-a a nós. O haggadah pascal, a comemoração da acção salvífica de Deus, tornou-se memória da cruz e da ressurreição de Cristo uma memória que não recorda simplesmente o passado, mas atrai-nos à presença do amor de Cristo. E assim a berakha, a oração de bênção e de acção de graças de Israel, tornou-se a nossa Celebração Eucarística, em que o Senhor abençoa as nossas oferendas pão e vinho para, nelas, se entregar a si mesmo. Oremos ao Senhor para que nos ajude a compreender cada vez mais profundamente este mistério maravilhoso, a fim de o amarmos sempre mais e, nele, para que O amemos cada vez mais. Peçamos-lhe que nos atraia com a Sagrada Comunhão cada vez mais para junto de si. Rezemos para que Ele nos ajude a não conservar a vida para nós mesmos, mas a oferecê-la a Ele e, desta forma, a trabalhar juntamente com Ele, a fim de que os homens encontrem a vida a vida verdadeira, que só pode vir daquele que Ele mesmo é, o Caminho, a Verdade e a Vida!
Amém." (Papa Bento XVI)

80ª Catequese

"Acabamos de festejar o início de 2012! Temos aqui no Rio de Janeiro a graça de iniciá-lo com a Trezena de São Sebastião, que neste ano o contempla como "jovem discípulo de Jesus Cristo". Estamos no ano do discipulado dentro da nossa caminhada do Plano de Pastoral; iremos iniciar o ano da Fé, convocado pelo Papa Bento XVI, e nos encontramos nos tempos de preparação para a Jornada Mundial da Juventude.
Com a peregrinação da imagem de São Sebastião, estamos justamente indo ao encontro das pessoas onde elas estão, recordando a consequência do discipulado, que é a missionariedade. E sempre iniciamos a partir de Jesus Cristo. E é a Ele que também anunciamos.
O jovem Sebastião nos demonstra, desde o seu testemunho de vida, que sempre teremos que enfrentar as dificuldades e perseguições. Os cristãos, através dos séculos, sempre sofreram as mais diversas crueldades. Mesmo há 15 dias, no Natal, assistimos à morte de nossos irmãos católicos que rezavam a vigília do nascimento de Cristo.
Dialogar com a sociedade não nos faz perder as convicções que sabemos serem importantes para o mundo de hoje, pois vemos a quantas anda a nossa sociedade em matéria de violência, divisões, corrupção, guerras...

No entanto, apesar de todas as ameaças explícitas ou implícitas, nós continuamos com esperança, fundamentados na ressurreição de Jesus cristo, que é nossa vida e salvação.
Os tempos atuais esperam de nós, católicos, cada vez mais coerência de vida e animação no anúncio da Boa Notícia. E, ao mesmo tempo, saber dar as razões de nossa fé.
A nossa Arquidiocese tem o privilégio de iniciar o ano pastoral com a festa de seu Padroeiro, que é preparada com uma trezena arquidiocesana. Passadas as festas natalinas e as comemorações do novo ano, ao contemplar a universalidade da salvação simbolizada pelos reis magos, nós saímos para contar a todos a grande notícia esperada: nasceu para vós o Messias, o Salvador, o Redentor!
E nós o fazemos levando conosco um exemplo inquestionável – São Sebastião – que, além de padroeiro da cidade e da arquidiocese do Rio de Janeiro, é contado como presente nas histórias do nascimento desta cidade.
Juntamos nosso entusiasmo pastoral com as preocupações de uma cidade melhor para todos e percorreremos a cidade com a imagem de seu Padroeiro, aqui trazido por Estácio de Sá, e que estará testemunhando que tudo pode ser melhor. Que as promessas de novo ano irão se concretizando à medida que as pessoas se colocarem disponíveis para servir e se converterem a cada dia, procurando o bem do seu irmão.
Começamos com o tempo chuvoso, que nos causa preocupações devido às experiências anteriores. Creio que é um tempo de vermos como antigas promessas não cumpridas são retomadas e reiniciadas, e estarmos ainda mais dispostos a fazer a diferença, com uma vida na gratuidade a serviço do próximo. Aliás, será este um grande sinal da Jornada Mundial da Juventude: vermos jovens do Brasil e do mundo que virão ao Rio de Janeiro para se colocarem disponíveis para ajudar aos que chegarão para o evento.
Eis que tudo se faz novo! Eis que nós somos chamados a ser a “novidade” nestes tempos de antigas ideias. É missão kerigmática do cristão. Que os sinais dos tempos nos ajudem a refletir sobre quais passos poderíamos dar para que a curto, médio e longo prazo construamos uma sociedade em que os direitos humanos estejam presentes, e as pessoas tenham o necessário para viver bem. Assim, estaremos colocando em prática todos os votos formulados por ocasião do ano novo.
Que o Senhor nos inspire e ajude com a Sua graça, e dê sabedoria a todos os que têm essas responsabilidades." (Dom Orani João Tempesta)