quarta-feira, 22 de setembro de 2010

MENSAGEM DO CARDEAL TARCISIO BERTONE, EM NOME DO SANTO PADRE, AO XXXI MEETING PARA A AMIZADE ENTRE OS POVOS




Excelência Reverendíssima!

É com alegria que tenho o prazer de transmitir a cordial saudação do Santo Padre a Vossa Excelência, aos organizadores e a todos os participantes no Meeting para a Amizade entre os povos, que se realiza em Rímini.

Este ano o título da vossa importante manifestação – "Aquela natureza que nos estimula a desejar coisas grandes é o coração" – recorda-nos que no fundo da natureza de cada homem se encontra uma insuprimível inquietude que o estimula à busca de algo que satisfaça este seu anseio. Cada homem intui que precisamente na realização dos desejos mais profundos do seu coração pode encontrar a possibilidade de se realizar, de se completar, de se tornar deveras ele mesmo.

O homem sabe que não pode responder sozinho às próprias necessidades. Por mais que se iluda de ser auto-suficiente, ele experimenta que não se pode bastar a si mesmo. Precisa de se abrir ao outro, a algo ou a alguém, que lhe possa doar o que lhe falta. Por assim dizer, deve sair de si mesmo rumo ao que é capaz de preencher a amplidão do seu desejo.

Como ressalta o título do Meeting, não é qualquer coisa a meta última do coração do homem, mas só as "coisas grandes". O homem com frequência é tentado a deter-se nas coisas pequenas, nas que dão facilmente uma satisfação e um prazer, nas que satisfazem por um momento, coisas muito fáceis de obter, mas ilusórias. Na narração evangélica das tentações de Jesus (cf. Mt 4, 1-4) o diabo insinua que é "o pão", isto é, a satisfação material que pode contentar o homem. Esta é uma mentira perigosa, porque contém só uma parte da verdade. De facto, o homem vive também de pão, mas não só dele. A resposta de Jesus revela a falsidade última desta posição: "Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus" (Mt 4, 4). Só Deus basta. Só ele sacia a fome profunda do homem. Quem encontrou Deus, encontrou tudo. As coisas finitas podem dar vislumbres de satisfação ou de alegria, mas só o Infinito pode encher o coração do homem: "inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te – o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti" (Santo Agostinho, Confissões, I, 1). O homem, no fundo, precisa de uma só coisa que contém tudo, mas primeiro tem que aprender a reconhecer, também através dos seus desejos e dos seus anseios superficiais, aquilo de que necessita deveras, o que verdadeiramente quer, ou seja, que é capaz de satisfazer a capacidade do próprio coração.

Deus veio ao mundo para despertar em nós a sede das "coisas grandes". Isto sobressai bem na página evangélica, de inexaurível riqueza, que narra o encontro de Jesus com a mulher samaritana (cf. Jo 4, 5-42), da qual Santo Agostinho nos deixou um comentário luminoso. A samaritana vivia a insatisfação existencial de quem ainda não encontrou o que procura: tivera "cinco maridos" e naquele momento convivia com outro homem. Aquela mulher, como fazia habitualmente, tinha ido buscar água ao poço de Jacob e ali encontrou Jesus, sentado, "cansado da viagem", no aperto do calor do meio-dia. Depois de lhe ter pedido de beber, é o próprio Jesus que lhe oferece água, não uma qualquer, mas "uma água viva", capaz de matar a sede. E assim ele abria "pouco a pouco espaço [...] no coração dela" (S. Agostinho, Comentário ao Evangelho de João, XV, 12), fazendo emergir o desejo de algo mais profundo do que a simples necessidade de satisfazer a sede material. Santo Agostinho comenta: "Aquele que pedia de beber, tinha sede da fé daquela mulher" (Ibid., XV, 11). Deus tem sede da nossa sede d'Ele. O Espírito Santo, simbolizado pela "água viva" da qual falava Jesus, é precisamente aquele poder vital que aplaca a sede mais profunda do homem e lhe dá a vida total, aquela vida que ele procura e aguarda sem a conhecer. Então a samaritana deixou no chão o jarro "que já não lhe servia, que, aliás, se tinha tornado um peso: agora o seu desejo era beber unicamente daquela água" (Ibid., XV, 30).

Também os discípulos de Emaús vivem perante Jesus a mesma experiência. É ainda o Senhor que faz "arder o coração" aos dois enquanto caminhavam "com o rosto triste (cf. Lc 24, 13-35). Mesmo não reconhecendo Jesus ressuscitado, durante o percurso realizado juntamente com Ele, eles sentiam o coração "a arder no peito", retomar vida, a ponto que, tendo chegado a casa, "insistiram" para que ele permanecesse com eles. "Ficai connosco, Senhor": é a expressão do desejo que palpita no coração de cada ser humano. Este desejo de "coisas grandes", deve transformar-se em oração. Os Padres afirmavam que rezar mais não é do que transformar-se num desejo ardente do Senhor. Num lindíssimo texto Santo Agostinho define a oração como expressão do desejo e afirma que Deus responde alargando para Ele o nosso coração: "Deus [...]ao suscitar em nós o desejo, alarga o nosso coração; e alargando o nosso coração, torna-o capaz de o acolher" (Comentário à Primeira Carta de João, IV, 6). Por nosso lado devemos purificar os nossos desejos e as nossas esperanças para poder acolher a doçura de Deus. "Esta – prossegue Santo Agostinho – é a nossa vida: exercitar-nos no desejo" (Ibid.). Rezar diante de Deus é um caminho, uma escada: é um processo de purificação dos nossos pensamentos, dos nossos desejos. A Deus podemos pedir tudo. Tudo o que é bom. A bondade e o poder de Deus não conhecem um limite entre as coisas grandes e as pequenas, entre as materiais e as espirituais, entre as terrenas e as celestes. No diálogo com Ele, tendo toda a nossa vida diante dos seus olhos, aprendemos a desejar as coisas boas, a desejar, no fundo, o próprio Deus. Narra-se que, num dos seus momentos de oração, São Tomás de Aquino ouviu o Senhor Crucificado dizer-lhe: "Escreveste bem acerca de mim, Tomás; o que desejas?". "Nada mais do que a Ti", foi a resposta do Santo doutor. "Nada mais do que a Ti". Aprender a rezar é aprender a desejar e, assim, aprender a viver.

À distância de cinco anos da morte do sacerdote Luigi Giussani, o Sumo Pontífice une-se espiritualmente aos membros do Movimento Comunhão e libertação. Como teve a ocasião de recordar durante a Audiência na Praça de São Pedro a 24 de Março de 2007, "Pe. Giussani comprometeu-se [...] a despertar nos jovens o amor a Cristo, "Caminho, Verdade e vida", repetindo que só Ele é o caminho rumo à realização dos desejos mais profundos do coração do homem".

Ao confiar aos participantes no Meeting estas reflexões, desejando que sirvam de ajuda para conhecer, encontrar e amar cada vez mais o Senhor e testemunhar no nosso tempo que as "grandes coisas" por que o coração humano anseia se encontram em Deus, Sua Santidade Bento XVI garante a sua oração e de bom grado envia a Vossa Excelência, aos responsáveis e organizadores e a todos os presentes a Bênção Apostólica.

Uno cordialmente também os meus votos e aproveito a circunstância para me confirmar com sentimentos de distinto obséquio

de Vossa Excelência Reverendíssima
devotíssimo no Senhor
Tarcisio Card. Bertone
Secretário de Estado


Do Vaticano, 10 de Agosto de 2010

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