segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De repente, Cristo ( Mons. Carrón)




Completam-se 25 anos de um fato fundamental para o crescimento de Comunhão e
Libertação na Espanha: a adesão ao Movimento, em Madri, de bom número dos que
seguiam a experiência da associação Nueva Tierra, ao lado de um grupo de jovens
sacerdotes. Entre estes se encontrava aquele que Dom Giussani indicaria como seu
sucessor: padre Julián Carrón. Ele acaba de dar início ao ano de CL na Espanha

J. Começar a participar de Comunhão e Libertação costuma vir acompanhado de
sinais exteriores muito característicos: mudanças no vocabulário – passam a ser
muito usados termos como acontecimento, desejo, encontro... -, a paixão por
Soljenítsin e outros autores russos, pela música coral... Mas o que acontece no
interior da pessoa?
M

Mons. Carrón: Por dentro, a pessoa vive uma experiência para a qual não encontra palavras mais
adequadas que essas, quando tenta explicá-la. O que foi decisivo para mim foi começar a
participar da vida do Movimento e entrar em contato com a sua proposta educativa.
Mesmo com o meu doutorado, obtido no exterior, eu não conseguia mover meus alunos
nem um milímetro sequer de suas posições, porque não era incisivo nas aulas que lhes
dava. Mas, quando comecei a me confrontar com a realidade – neste caso, as minhas
aulas – como o Movimento me propunha, passei a ter uma liberdade e uma capacidade
de desafiar aqueles garotos que antes não tinha. A questão não foi aprender sei lá que
coisas novas, mas uma maneira nova de estar na realidade, que antes eu não tinha. E
que nome você daria a isso? É evidente que aconteceu alguma coisa que mudou a sua
vida. Você mesmo é o primeiro a se surpreender. É por isso que eu digo que o
cristianismo, quando acontece, pega você no cotidiano, na forma como enfrenta cada dia,
na maneira de dar as aulas... Eu já tinha lido alguns textos de Dom Giussani, e
concordava plenamente com ele, mas não via nenhuma novidade especial. Foi participar
da vida do Movimento e ler aquilo a partir de dentro que me fez ter uma experiência da
vida como a que eu estou descrevendo... É o mesmo que acontece com qualquer texto
literário. Como eu explicava a meus alunos, não basta ter os instrumentos de análise
literária (um dicionário, a métrica dos versos...); você precisa de uma experiência que lhe
permita entender um poema de amor... Pelo mesmo motivo, é preciso ler a Escritura a
partir da Tradição, a partir de uma experiência que permita captar toda a sua densidade.


J. De que modo a sua experiência do seminário e daqueles anos foi uma preparação?

Mons. Carrón: Eu só guardo gratidão de todas essas coisas. É verdade que vivemos momentos difíceis
depois do Concílio. Mas tivemos a sorte de ser acompanhados por pessoas como padre
Francisco Golfín [depois bispo de Getafe] e padre Mariano Herranz [professor de Sagrada
Escritura], que nos deram pontos de referência que permitiram que não nos perdêssemos
naquela situação, em que muitos companheiros nossos se perderam. Eles nos
aproximaram de autores como Guardini ou Von Balthasar, De Lubac ou Ratzinger, que
nos deram as coordenadas para que nos situássemos na realidade. Eram os mesmos
autores que o Movimento e Dom Giussani recomendavam.

J. Qual era a novidade de CL?

Mons. Carrón: O Movimento nos fez tomar consciência de um método que nós não tínhamos.
Entendemos então que o cristianismo, mais que uma doutrina, é um acontecimento. A
novidade cristã é que os conceitos se fizeram carne. E, como diz o Papa, no início do
caminho cristão está o acontecimento de um encontro. Pode ser um encontro como o de
João e André, ou o da Samaritana... Mas é sempre um encontro imprevisto e imprevisível
com uma Pessoa que tem um jeito de olhar para a vida, uma capacidade de abraçar o
humano absolutamente únicos.
J

J. O senhor já tinha fé. No entanto, no seu relato e no de outras pessoas que aderiram
a CL naqueles anos, o que vocês descrevem é uma conversão?


Mons. Carrón: Isso foi uma surpresa para nós mesmos! Nasceu de imediato uma capacidade de
abertura e de compreensão da realidade infinitamente maior, que não poderíamos nem
sonhar. Nosso horizonte começou a se abrir, a começou a se dilatar também o nosso
interesse pela realidade, pela fé, pela literatura e pela arte, por Dostoievski e Soljenítsin,
pelo canto, pela beleza... Não consigo imaginar como era a Igreja em Milão na década de
1950, com toda a sua capacidade de adesão. Mas Dom Giussani percebia os sintomas de
uma divisão na vida das pessoas e na maneira de viver a fé. E começou a propor o
cristianismo a partir de suas características fundamentais. Se o cristianismo não volta a
ser como no início, se não voltamos à categoria do acontecimento, a pessoa pode até
participar de uma espécie de tradição, mas isso não basta. Quantas pessoas já não
passaram por colégios católicos?
Não basta repetir as coisas; é preciso mostrar que, vivendo essas coisas, a vida é mais
plena, mais digna de ser vivida, e este é o único desafio que pode convencer: o
testemunho de uma vida realizada, que sabe dar as razões pelas quais vive assim. Foi
esse o testemunho que o Papa nos deu no Reino Unido: ele testemunhou diante de todos
uma capacidade de viver a realidade, de enfrentar as questões mais importantes com
uma profundidade que suscita perguntas até nos mais reticentes... O desafio é mostrar
que o cristianismo não está reservado apenas a seus seguidores, mas leva a
compreender a totalidade da realidade, a totalidade da beleza... É claro que às vezes o
problema também é saber transmitir o interesse pela beleza. Os monges da Idade Média
cantavam e o povo participava da liturgia em gregoriano. Hoje, isso nos parece algo
destinado apenas às minorias cultas...
A. Simón e R. Benjumea

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