sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Homilia do Santo Padre no Consistório para a Criação de Novos Cardeais da Santa Igreja Romana


Senhores Cardeais,
veneráveis Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
caros irmãos e irmãs!
O senhor me doa a alegria de cumprir, agora mais uma vez, este solene ato, mediante o qual o Colégio Cardinalício se enriquece de novos Membros, escolhidos das diversas partes do mundo: tratam-se de Pastores que governam com zelo importantes comunidades diocesanas, dos departamentos da Cúria Romana, ou que serviram com exemplar fidelidade à Igreja e à Santa Sé.

De agora em diante, eles se tornam parte do coetus peculiaris, que presta ao Sucessor de Pedro uma colaboração mais imediata e assídua, sustentando-o no serviço de seu ministério universal.

Para eles, em primeiro lugar, dirijo a minha afetuosa saudação, renovando a expressão da minha estima e da minha viva apreciação pelo testemunho que rendem à Igreja e ao mundo. Em particular, saúdo o Arcebispo Angelo Amato e o agradeço pelas gentis expressões que me direcionou.

Ofereço, então, as minhas calorosas boas-vindas para as delegações oficiais de vários países, e a todos que estão aqui reunidos para participar neste evento, no qual esses veneráveis e caros Irmãos recebem o sinal da dignidade cardinalícia, com a imposição do barrete e atribuição do título de uma igreja em Roma.

O vínculo de especial comunhão e afeto, que liga esses novos Cardeais ao Papa, os tornam únicos e preciosos colaboradores do alto mandato confiada por Cristo a Pedro, de pastorar o seu rebanho (Cf. Jo 21,15-17), para reunir os povos com a solecitude da caridade de Cristo. É próprio deste amor que nasceu a Igreja, chamada a viver e caminhar segundo o mandamento do Senhor, no qual se reassume toda a Lei e as profecias. Estar unidos a Cristo na fé e em comunhão com Ele, significa estar “arraigados e alicerçados em amor” (Ef 3:17), o tecido que une todos os membros do Corpo de Cristo.
A palavra de Deus há pouco proclamada ajuda-nos a meditar sobre este aspecto tão crucial. No Evangelho (Mc 10,32-45) coloca diante de nossos olhos o ícone de Jesus como o Messias, profetizado por Isaías (cf. Isaías 53), que não veio para ser servido, mas para servir: o seu estilo de vida se torna a base dos novos relacionamentos ao interno da comunidade cristã e de um modo de exercer a autoridade.
Jesus está no caminho para Jerusalém e anuncia pelo terceita vez, indicando aos discípulos a rota pela qual se pretende implementar o trabalho dado pelo Pai: é o caminho da humildade, dom de si para o sacrifício da vida, caminho da Paixão, caminho da Cruz.
No entanto, mesmo após este anúncio, assim como foi anunciado por seus antecessores, os discípulos revelam toda a sua fadiga em compreender, em operar o necessário “exôdo” de uma mentalidade humana à uma mentalidade de Deus.

Neste caso estão os dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, que pedem a Jesus de sentar nos primeiros lugares ao lado dele em sua “glória”, manifestando expectativas e projetos de grandeza, de autoridade, de honras segundo o mundo. Jesus, que conhece o coração do homem, não fica perturbado com esse pedido, mas logo coloca em luz o fluxo de profundidade: “vocês não sabem o que pedem”; depois guia os dois irmãos a compreender o que comporta segui-lo.
Qual é então o caminho que deve percorrer quem quer ser discípulo? É o caminho do Mestre, é o caminho da total obediência a Deus. Por isso, Jesus pede a Tiago e João: estão dispostos a partilhar a minha escolha para fazer a vontade plena do Pai? Estão dispostos a percorrer esta estrada que passa pela humilhação, sofrimento e morte por amor? Os dois discípulos, com suas respostas seguras, “podemos”, mostrando, mais uma vez, não terem entendido o sentido real daquilo que promete seu Mestre.

E de novo, Jesus, com paciência, os faz dar um passo além: nem mesmo podem tomar do cálice do sofrimento e do batismo da morte dá o direito aos primeiros lugares, porque este é “para aquele que está preparado”, está nas mãos do Pai Celeste; o homem não deve calcular, deve simplesmente abandonar-se em Deus, sem pretender, conformar-se a sua vontade.
A indignação dos outros discípulos se torna ocasião para estender o ensinamento a toda comunidade. Antes de tudo, Jesus “chamou a si mesmo”: é o gesto da vocação original, no qual se convida a voltar. É muito significativo este referir-se ao momento constitutivo da vocação dos Dez em “estar com Jesus", para serem enviados, porque recorda com clareza que cada ministério eclesial é sempre resposta a um chamado de Deus. Não é jamais fruto de um projeto próprio ou de uma ambição própria, mas é conformar a própria vontade àquela do Pai que está no Céu, como Cristo em Getsêmani (Cfr Lc 22,42).

Na Igreja nenhum é patrão, mas todos são chamados, todos são convidados, todos são alcançados e guiados pela graça divina. E esta é também a nossa segurança! Basta ouvir novamente a palavra de Jesus que pede “vem e segue-me”, somente recordando a vocação original é possível entender a própria presença e a própria missão na Igreja, como autênticos discípulos.
O pedido de Tiago e João e a indicação dos outros dez Apóstolos levantam uma questão central na qual querem que Jesus responda: quem é grande, quem é o primeiro para Deus?

Primeiro, olhe para o comportamento que pode ser tomado por "aqueles que são considerados os líderes das nações": "dominar e oprimir". Jesus indica aos discípulos um modo completamente diferente: “Entre vós, não é assim”. A sua comunidade segue outra regra, outra lógica,outro modelo: “Quem quiser ser grande entre vós será o vosso servo, e quem quiser ser o primeiro entre vós será escravo de todos”.

O critério da grandeza e primazia, segundo Deus, não é o domínio, mas o serviço. O diaconato é a lei fundamental do discípulo e da comunidade cristã, e permite-nos intuir algo da “soberania de Deus”. E Jesus indica também o ponto de referência: O Filho do homem, que veio para servir, sintetizando assim a sua missão sobre a categoria do serviço, compreendida não no sentido genérico, mas naquele concreto da Cruz, na doação total da vida como “resgate”, como redenção para muitos, e o indica como condição para o seguir.

É a mensagem que vale aos Apóstolos, vale para toda a Igreja, vale, sobretudo, para aqueles que têm a tarefa de guiar o povo de Deus. Não é a lógica do domínio, de poder segundo os critérios humanos, mas a lógica de inclinar-se para lavar os pés, a lógica do serviço, a lógica da Cruz que é à base de cada serviço de autoridade. Em cada tempo, a Igreja se compromete a cumprir esta lógica e testemunhá-la a fim de refletir a “verdadeira soberania de Deus”, aquela do amor.
Venerados Irmãos eleitos à dignidade cardinalícia, a missão, a qual Deus vos chama hoje e que vos permite um serviço eclesial agora mais carregado de responsabilidade, requer uma vontade sempre maior de assumir o modelo do Filho de Deus, que veio em meio a nós como aquele que serve (C0fr Lc 22:25-27).

Trata-se de segui-lo na sua doação de amor humilde e total à Igreja, sua esposa, sua Cruz: é sobre essa madeira que o grão de trigo, deixado cair do Pai sob o campo do mundo, morre para se tornar fruto maduro.

Por isso, requer um enraizamento ainda mais profundo e firme em Cristo. O relacionamento íntimo com Ele, que transforma sempre mais a vida de modo a poder dizer como São Paulo “não sou eu quem vive, mas Cristo em mim” (Gl 2,20); constitui a exigência primária para que o nosso serviço seja sereno e feliz e possa dar o fruto que espera Deus de nós.

Queridos irmãos e irmãs, rezem pelos novos Cardeais! Amanhã, nesta Basílica, durante a concelebração na solenidade de Cristo Rei do Universo, lhes consentirei seus anéis. Será uma nova ocasião para “louvar o Senhor, que permanece fiel para sempre” (Sl 145), como respondemos no Salmo Responsorial.

O seu Espírito sustenta os novos portadores no empenho do serviço à Igreja, segundo o Cristo da Cruz também, se necessário usque ad effusionem sanguinis, prontos sempre – como nos dizia São Pedro na leitura proclamada – a responder a qualquer um que nos pergunte a razão da esperança que está em nós (cf 1 Pd 3:15). À Maria, Mãe da Igreja, confio os novos Cardeais e seus serviços eclesiais, afim que, com ardor apostólico, possam proclamar a todos os povos o amor misericordioso de Deus. Amém.

Catequese de Bento XVI sobre Santa Cataria de Sena




Queridos irmãos e irmãs,

hoje, eu gostaria de falar-vos sobre uma mulher que teve um papel de destaque na história da Igreja. Trata-se de Santa Catarina de Sena. O século em que viveu – o décimo quarto – foi uma época conturbada para a vida da Igreja e da sociedade em geral na Itália e na Europa. No entanto, mesmo nos momentos de maior dificuldade, o Senhor não cessa de abençoar o seu Povo, suscitando Santos e Santas que inspiram as mentes e os corações, levando à conversão e à renovação. Catarina é uma dessas e ainda hoje fala-nos e estimula-nos a caminhar com coragem rumo à santidade, para sermos cada vez mais plenamente discípulos do Senhor.

Nascida em Sena em 1347, em uma família muito numerosa, morreu em sua cidade natal, em 1380. Com a idade de 16 anos, impulsionada por uma visão de São Domingos, entrou na Ordem Terceira Dominicana, o ramo feminino dito das Mantellate. Permanecendo em família, confirmou o voto de virgindade feito privadamente quando ainda era adolescente, dedicou-se à oração, à penitência, às obras de caridade, especialmente em benefício dos doentes.

Quando a fama de sua santidade espalhou-se, foi protagonista de uma intensa atividade de aconselhamento espiritual na relação com todas as categorias de pessoas: nobres e políticos, artistas e gente do povo, pessoas consagradas, eclesiásticos, incluindo o Papa Gregório XI que, naquele período, residia em Avignon e ao qual Catarina exortou enérgica e eficazmente que retornasse para Roma. Viajou muito para solicitar a reforma interior da Igreja e promover a paz entre os Estados: também por esse motivo, o Venerável João Paulo II desejou declará-la copadroeira da Europa: o Velho Continente nunca poderá esquecer as raízes cristãs que formam a base de seu caminho e continua a desenhar, a partir do Evangelho, os valores fundamentais que asseguram a justiça e a harmonia.

Catarina sofreu muito, como muitos Santos. Alguns chegaram a pensar que se devesse ter cautela com ela ao ponto de que, em 1374, seis anos antes de sua morte, o capítulo geral dos Dominicanos convocou-a a Florença para interrogá-la. Colocaram-na junto a um frade douto e humilde, Raimundo de Cápua, futuro Mestre-Geral da Ordem. Ele tornou-se seu confessor e também seu "filho espiritual" e escreveu a primeira biografia completa da santa. Foi canonizada em 1461.

A doutrina de Catarina, que aprendeu a ler com dificuldade e aprendeu a escrever quando já era adulta, está contida no Il Dialogo della Divina Provvidenza ovvero Libro della Divina Dottrina [O Diálogo da Divina Providência ou Livro da Divina Doutrina], uma obra-prima da literatura espiritual, em seu Epistolario [Correspondências] e na reunião das Preghiere [Orações]. Seu ensino possui uma riqueza tamanha que o Servo de Deus Paulo VI, em 1970, declarou-a Doutora da Igreja, título que se uniu àquele de copadroeira da cidade de Roma, por desejo do Beato Pio IX, e de Padroeira da Itália, de acordo com a decisão do Venerável Papa Pio XII.

Em uma visão que jamais se apagou do coração e da mente de Catarina, Nossa Senhor apresentou-a a Jesus, que lhe deu um esplêndido anel de ouro, dizendo: "Eu, teu Criador e Salvador, esposo-te na fé, que conservarás sempre pura, até quando vieres celebrar comigo no céu as tuas núpcias eternas" (Raimundo de Cápua, S. Caterina da Siena, Legenda maior, n. 115, Siena, 1998). Aquele anel foi visível somente para ela. Nesse episódio extraordinário, colhemos o centro vital da religiosidade de Catarina e de toda a espiritualidade verdadeira: o cristocentrismo. Cristo é para ela como o esposo, com quem há uma relação íntima, de comunhão e de fidelidade; é o bem amado acima de todos os outros bens.

Essa união profunda com o Senhor é ilustrada por um outro episódio da vida dessa grande mística: a troca de corações. Segundo Raimundo de Cápua, que transmite as confidências recebidas de Catarina, o Senhor Jesus lhe aparece segurando na mão um coração humano vermelho esplendente, abre-lhe o peito, introdu-lo e diz: "Querida filha, como no outro dia eu tomei o teu coração que tu me ofereceste, eis que agora te dou o meu, e de agora em diante ficará no lugar que ocupava o teu" (ibid.). Catarina viveu realmente as palavras de São Paulo, "[...] não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20).

Assim como a santa sienesa, todo o crente sente a necessidade de conformar-se com os sentimentos do Coração de Cristo para amar a Deus e o próximo como Cristo mesmo ama. E todos nós podemos deixar-nos transformar o coração e aprender a amar como Cristo, em uma familiaridade com ele nutrida pela oração, meditação da Palavra de Deus e dos Sacramentos, sobretudo recebendo frequentemente e com devoção a santa Comunhão. Também Catarina pertence àquela fileira de santos eucarísticos com que eu desejei concluir a minha Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (cf. n. 94). Queridos irmãos e irmãs, a Eucaristia é um dom extraordinário de amor que Deus nos renova continuamente para alimentar o nosso caminho de fé, revigorar a nossa esperança, inflamar a nossa caridade, para tornar-nos sempre mais semelhantes a Ele.

Em torno de uma personalidade tão forte e autêntica foi-se constituindo uma verdadeira e própria família espiritual. Tratava-se de pessoas fascinadas pela autoridade moral desta jovem mulher de elevadíssimo nível de vida, e às vezes impressionadas também pelos fenômenos místicos de que participava, como o êxtase frequente. Muitos colocaram-se ao seu serviço e, sobretudo, consideraram um privilégio serem guiados espiritualmente por Catarina. Eles chamavam-na de "mamãe", porque, como filhos espirituais, dela obtêm a nutrição do espírito.

Também hoje a Igreja recebe um grande benefício do exercício da maternidade espiritual de tantas mulheres, consagradas e leigas, que alimentam nas almas o pensamento por Deus, fortalecem a fé do povo e orientam a vida cristã rumo a picos sempre mais elevados. "Filho, digo-vos e chamo-vos – escreve Catarina dirigindo-se a um de seus filhos espirituais, o cartuxo João Sabatini –, enquanto dou-vos à luz através de contínuas orações e lembrança constante diante de Deus, como uma mãe dá à luz ao filho" (Epistolario, Lettera n. 141: A don Giovanni de’ Sabbatini). Ao frade dominicano Bartolomeu de Dominici era usual dirigir-se com estas palavras: "Diletíssimo e queridíssimo irmão e filho em Cristo, doce Jesus".

Uma outra característica da espiritualidade de Catarina está relacionada com o dom das lágrimas. Elas expressam uma sensibilidade profunda e requintada, capacidade de comoção e ternura. Não poucos santos tiveram o dom das lágrimas, renovando a emoção do próprio Jesus, que não reteve ou escondeu suas lágrimas diante do sepulcro de seu amigo Lázaro e da tristeza de Maria e Marta, e à vista de Jerusalém, em seus últimos dias terrenos. Segundo Catarina, as lágrimas dos Santos se mesclam ao Sangue de Cristo, de quem ela falava com tons vibrantes e imagens simbólicas muito eficazes: "Fazei memória de Cristo crucificado, Deus e homem [...]. Tenhais como objetivo Cristo crucificado, esconde-te nas chagas de Cristo crucificado, mergulha-te no sangue de Cristo crucificado" (Epistolario, Lettera n. 16: Ad uno il cui nome si tace).

Aqui nós podemos entender porque Catarina, embora consciente das carências humanas dos padres, sempre teve uma grandíssima reverência por eles: dispensam, através dos Sacramentos e da Palavra, o poder salvador do Sangue de Cristo. A Santa Sienesa convidou sempre os ministros sagrados, também o Papa, a quem chamava de "doce Cristo na terra", a serem fiéis às suas responsabilidades, movida sempre e somente pelo seu amor profundo e constante pela Igreja. Antes de morrer, disse: "Partindo-me do corpo, na verdade, consumei e dei a vida na Igreja e pela Igreja Santa, o que me é singularíssima graça" (Raimundo de Cápua, S. Caterina da Siena, Legenda maior, n. 363).

De Santa Catarina, portanto, aprendemos a ciência mais sublime: conhecer e amar Jesus Cristo e sua Igreja. No Dialogo della Divina Provvidenza, ela, com uma imagem singular, descreve Cristo como uma ponte entre o céu e a terra. Essa ponte é composta por três escadas, constituídas pelos pés, pelo lado e pela boca de Jesus. Elevando-se através das escadas, a alma passa por três fases de toda a via de santificação: a separação do pecado, a prática das virtudes e do amor, a união doce e afetuosa com Deus.

Queridos irmãos e irmãs, aprendemos de Santa Catarina a amar com coragem, de modo intenso e sincero, Cristo e a Igreja. Façamos nossas, por isso, as palavras de Santa Catarina, que lemos no Dialogo della Divina Provvidenza, na conclusão do capítulo que fala de Cristo-ponte: "Por misericórdia lavou-nos no sangue, por misericórdia desejastes conversas com as criaturas. Ó, Louco de amor! Não te bastou encarnar-te, mas desejastes também morrer! [...] Ó misericórdia! O coração meu afoga-se no pensar em ti: que para onde quer que eu dirija meu pensamento, não encontro nada que não seja misericórdia" (cap. 30, pp 79-80). Obrigado.

Humanizar a sexualidade ( Dom Fillipo Santoro, Bispo de Petropolis)



Depois da apresentação de trechos do último livro do Papa Bento XVI ”Luz do Mundo. O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos. Uma conversa do Papa com Peter Seewald” (Livraria Editora Vaticana), se levantaram muitos comentários na imprensa indicando uma mudança no ensinamento da Igreja sobre a moral sexual.

O Papa, neste livro, no final do XI capítulo, reafirma a posição da Igreja na perspectiva de não banalizar a sexualidade reduzindo tudo à distribuição de preservativos sem a devida ênfase numa séria campanha educativa. O Papa afirma: “não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos. É preciso fazer muito mais. Temos de estar próximos das pessoas, orientá-las, ajudá-las; e isso quer antes, quer depois de uma doença. Efetivamente acontece que, onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. Tem de se fazer mais”. E acrescenta que também fora da visão da Igreja ”Desenvolveu-se, entretanto, precisamente no domínio secular, a chamada teoria... que defende ‘Abstinência – Fidelidade – Preservativo’, sendo que o preservativo só deve ser entendido como uma alternativa quando os outros dois não resultam. Ou seja, a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias”.

O objetivo da entrevista do Papa é superar uma visão puramente mecânica da sexualidade e abrir a uma visão mais humana, que comporta a doação à vida do outro e não apenas uma droga para uma satisfação narcisista de si. Trata-se de ampliar a afetividade e não de frustrá-la ou reduzi-la. “É por isso que o combate contra a banalização da sexualidade também faz parte da luta para que ela seja valorizada positivamente e o seu efeito positivo se possa desenvolver sobre o ser humano na sua totalidade”.

Assim o Papa se coloca na perspectiva da valorização da sexualidade humana como expressão de amor, responsabilidade e dom de si e não como redução do outro a objeto. Isso aprofunda e não reforma o ensinamento moral da Igreja. Quando a prática sexual representa um efetivo risco para a vida do outro, e somente neste caso excepcional, o uso do preservativo, reduzindo o risco do contagio, é um primeiro ato de responsabilidade, um primeiro passo para uma sexualidade mais humana.

“Pode haver casos pontuais, justificados, como, por exemplo, a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo..., uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade”.

Não estamos diante de nenhuma revolução na visão da moral cristã, mas sim diante de um aprofundamento do valor da sexualidade e do valor pleno da vida, que nasce do respeito da dignidade humana. O horizonte do Papa é muito maior que a pura questão do preservativo. Como afirmou o jornalista Peter Seewald, o Papa neste livro tem como perspectiva “o futuro do planeta”.

Durante a apresentação do texto no Vaticano, o jornalista afirma “Nosso livro evoca a sobrevivência do planeta que está ameaçado; o Papa lança um apelo à humanidade, nosso mundo está no transe do colapso e a metade dos jornalistas só se interessa pela questão do preservativo”. A questão de fundo é: “a sexualidade tem algo a ver com o amor? Trata-se da responsabilidade da sexualidade”.

O centro da mensagem do Papa nesta entrevista é uma proposta de esperança para a humanidade, que tem um horizonte grande e quer oferecer uma luz para o presente e o destino das pessoas.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Homilia de Bento XVI na Missa em Santiago de Compostela


Queridos irmãos em Jesus Cristo
dou graças a Deus pelo dom de poder estar aqui nesta explêndida praça repleta de arte, culturas e significado espiritual. Neste ano santo, chego como peregrino entre os peregrinos, acompanhando tantos que vem aqui sedentos da fé em Jesus Cristo Ressuscitado. Fé anunciada e transmitida fielmente pelos apóstolos como São Tiago maior, venerado em Compostela, neste ano memorial.

Agradeço as gentis palavras de boas vindas de Dom Julián Barrio, Arcebispo desta Igreja particular e a amável presença de suas Altezas Reais os Príncipes de Asturias, os senhores cardeais, assim como dos numeros irmãos no episcopado e no sacerdócio. Também saúde cordialmente os Parlamentares Europeus, membros do intergrupo "Caminho de Santiago" assim como as distintas autoridades nacionais, autônomas e locais que quiseram estar presentes nesta Celebração.

Tudo isso é sinal de deferência para com o Sucessor de Pedro e também do sentimento profundo que Santiago de Compostela desperta na Galícia e nos demais povos da Espanha, que reconhecem o Apóstolo como seu Patrono e protetor. Uma calorosa saudação, igualmente, às pessoas consagradas, seminaristas e fiéis que participam desta Eucaristia e, com uma emoção particular, aos peregrinos, cujo ardor genuíno do espírito compostelano, sem o qual pouco ou nada se entenderia do que aqui se realiza.

Uma frase da primeira leitura afirma com admirável simplicidade: "Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor". Com efeito, no ponto de partida de tudo o que o cristianismo foi e continua sendo não se encontra um projeto humano, sem Deus, que declara a Jesus justo e santo diante da sentença do tribunal humano que o condenou como blasfemo e subversivo. Deus, que arrancou Jesus da morte. Deus, que fará justiça a todos os injustamente humilhados da história.

"Somos testemunhas dessas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu aos que lho obedecem" (Hb 5,32), disseram os apóstolos. Assim pois, eles deram testemunho da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, a quem conheceram enquanto pregava e fazia milagres. A nós, queridos irmãos, nos toca hoje seguir o exemplo dos apóstolos, conhecendo ao Senhor cada dia mais e dando um testemunho claro e destemido de seu Evangelho. Não existe maior tesouro que possamos oferecer aos nossos contemporâneos. Assim imitaremos também a São Paulo que, em meio a tantas tribulações, naufrágios e solidão, proclama exultante: "Este tesouro nós trazemos em vasos de argila, para que vejam que esse poder extraordinário provém de Deus e não de nós" (II Cor 4,7).

Junto a estas palavras do Apóstolo dos gentios, estão as próprias palavras do Evangelho que acabarmos de escutar, e que nos convidam a viver de acordo com a humildade de Cristo que, seguindo em tudo a vontade do Pai, veio para servir, "para dar sua vida em resgate de muitos" (cf Mt 20,28). Para os discípulos que queriam seguir e imitar a Cristo, o servir aos irmãos já não é uma mera opção, mas parte essencial de seu ser. Um serviço que não se mede pelos critérios mundanos do imediato, do material do vistoso, mas faz presente o amor de Deus a todos os homems e em todas as suas dimensões, e dá testemunho Dele, inclusive com os gestos mais simples.

Ao propor este novo modo de se relacionar com a comunidade, baseado na lógica do amor e do serviço, Jesus se dirige também aos "chefes dos povos", porque onde não há entrega pelos demais, surgem formas de prepotência e exploração que não deixam espaço para uma autêntica promoção humana integral.

Gostaria que essa mensagem chegasse, principalmente aos jovens: principalmente a vocês, este conteúdo essencial do Evangelho os indica um cainho, para que, renunciando a um modo de pensar egoísta, de curto alcance, como tantas vezes lhes é proposto, e assumindo a Jesus, possam se realizar plenamente e serem sementes de esperança.

Isto é o que nos recorda também a celebração deste Ano Santo Compostelano. E isto é o que, no segredo do coração, sabendo explicitamente ou sentido sem saber expressá-lo com palavras, vivem tantos peregrinos que caminham a Santiago de Compostela para abraçar o Apóstolo. O cansaço do andar, a variedade das paisagens, o encontro com pessoas de outra nacionalidade, os abrem ao mais profundo e comum que nos une aos homens: seres em busca, seres necessitados de verdade e de beleza, de uma experiência de graça, de caridade e de paz, de perdão e redenção.

E no mais recôndito de todos os homens ressoa uma presença de Deus e da ação do Espírito Santo. Sim, a todo homem que faz silêncio em seu interior e se distancia de seus anseios, desejos e quereres imediatos, ao homem que reza, Deus o ilumina para que O encontre e para que reconheça a Cristo. Quem peregrina a Santiago, no fundo, o faz para encontrar-se sobretudo com Deus que é refletido na majestade de Cristo, o acolhe e abençoa ao chegar ao Pórtico da Glória.

Desde aqui, como mensageiro do Evangelho que Pedro e São Tiago marcaram com o proprio sangue, desejo voltar meu olhar para a Europa que peregrinou a Compostela. Quais são suas grandes necessidades, temores e esperanças? Qual é o contributo específico e fundamental da Igreja para esta Europa, que percorreu no último meio século um caminho para novas configurações e projetos? Seu trabalho se centra em uma realidade tão simples e decisiva como esta: que Deus existe e que é Ele quem nos têm dado a vida. Somente Ele é absoluto, amor fiel e imutável, meta infinita que transparece através de todos os bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo; admiráveis, porém insuficientes para o coração do homem. Bem compreendeu isto Santa Teresa de Jesus quando escreveu: "Só Deus basta!"

É uma tragédia que na Europa, sobretudo no século XIX, se afirmasse e divulgasse a convicção de que Deus é o antagonista do homem e o inimigo de sua liberdade. Com isto se queria colocar na sombra a verdadeira fé bíblica em Deus, que enviou ao mundo o seu Filho, Jesus Cristo, a fim de que ninguém pereça, mas que todos tenham a vida eterna (cf. Jo 3,16).

O autor sagrado afirma diante de um paganismo para o qual Deus está com inveja do homem ou o despreza: "Como Deus teria criado todas as coisas se não as tivesse amado, Ele que, em sua infinita plenitude, não precisa de nada?" (cf. Sab 11,24-26). Como teria se revelado aos homens, se não queria protegê-los? Deus é a origem de nosso ser, fundamento e ápice de nossa liberdade. Não seu oponente.

Como o homem mortal pode criar-se a si mesmo e como o homem pecador vai se reconcilar consigo mesmo? Como é possível que se tenha feito silêncio público sobre esta realidade primeira e essencial da vida humana? Como o que é mais determinante nela pode ser trancada na mera intimidade ou colocados na penumbra? Nós homens não podemos viver às escuras, sem ver a luz do sol. E então, como é possível que se negue a Deus, sol das inteligências, força das vontades e imã de nossos corações, o direito de propor essa luz que dissipa toda treva?

Por isso, é necessário que Deus volte a ressoar alegremente sobre os céus da Europa; que essa palavra santa não se pronuncie jamais em vão; que não a pervertam fazendo servir aos fins que não lhe são próprios. É mistério que seja pronunciado santamente. É necessário que a percebamos desse modo, na vida de cada dia, no silêncio do trabalho, no amor fraterno e nas dificuldades que anos trazem consigo.

A Europa deve abrir-se a Deus, sair ao seu encontro sem medo, trabalhar com sua graça por aquela dignidade do homem que as melhores tradições descobriram: Além da bíblica, fundamental nessa ótica, também as de época clássica, medieval e moderna, das quais nasceram as grandes criações filosóficas e literárias, culturais e sociais da Europa.

Esse Deus e esse homem são aqueles que se manifestaram concreta e historicamente em Cristo. A esse Cristo que podemos encontrar nos caminhos que conduzem a Compostela, pois ainda existe uma cruz que acolhe e orienta nas encruzilhadas. Essa cruz, supremo sinal do amor levado até o extremo e, por isso, dom e perdão ao mesmo tempo, deve ser nossa estrela guia na noite do tempo.

Cruz e amor, cruz e luz tem sido sinônimos em nossa história, porque Cristo se deixou cravar nela para nos dar o testemunho supremo do seu amor, para nos convidar ao perdão e a reconciliação, para nos ensinar a vencer o mal com o bem. Não deixe de aprender as lições desse Cristo, das encruzilhadas dos caminhos e da vida, Nele Deus vem ao nosso encontro como amigo, Pai e guia. "Óh Cruz bendita, brilha sempre nas terras da Europa!"

Deixe-me que proclame daqui a glória do homem, que percebe ameaças à sua dignidade com a expoliação de seus valores e riquezas originários, com a marginalização e morte infligidas aos mais fracos e pobres. Não se pode cultuar a Deus, sem velar pelo homem seu Filho e não se serve ao homem sem perguntar-se por quem é seu pai e responder a pergunta por si mesmo.

A Europa das ciências e das tecnologias, a Europa da civilização e da cultura, tem que ser a Europa aberta a transcedência e a fraternidade com os outros continentes, ao Deus vivo e verdadeiro a partir do homem vivo e verdadeiro. Isto é o que a Igreja deseja trazer à Europa: velar por Deus e velar pelo homem, a partir da compreensão que Jesus Cristo nos oferece de ambos.

Queridos amigos, levantemos o olhar de esperança a tudo aquilo que Deus nos prometeu e nos oferece. Que Ele nos dê sua fortaleza, que Ele nos conceda sua força, revigore essa arquidiocese compostelana, que verifique a fé de seus filhos e os ajude a seguir fiéis sua vocação de semear e dar vigor ao Evangelho, também em outras terras.

Que São Tiago, o amigo do Senhor, alcance abundantes bençãos para a Galícia, para os demais povos da Espanha, da Europa e de tantos outros lugares além dos mares, onde o apóstolo é o sinal de identidade cristã e promotor do anúncio de Cristo.

Discurso do Papa na visita à Catedral de Santiago de Compostela


Sua Eminência.
Queridos irmãos bispos,
Distintas Autoridades,
Queridos Padres, Seminaristas e religiosos,
Queridos irmãos e irmãs,
Queridos amigos.

Grato Arcebispo Xulián Barriode Santiago de Compostela pelas palavras. Cumprimento vocês com muita afeição no Senhor e com gratuidade pela presença de vocês neste lugar muito significante.

Seguindo a peregrinação não é simples visitar um lugar com tantos admiráveis tesouros da natureza, arte ou história. Uma peregrinação realmente marcada pelo encontro com Deus onde Ele tem se revelado, onde a graça tem sido derramada com particular esplendor e ricos frutos de conversão e santificação para quem crer. Acima de tudo cristão sigam a peregrinação a Terra Santa, para os lugares associados com a Paixão de Nosso Senhor, morte e ressurreição.

Eles vão para Roma, a cidade do martírio de Paulo e Pedro e também de Compostela, que, associado com a memória de São Tiago, tem recebido peregrinos de toda parte do mundo que tem o desejo de fortalecer seus espíritos com os Apóstolos testemunhas da fé e do amor.

Neste ano Santo de Compostela, eu também como sucessor de Pedro, desejei vir em peregrinação para a “Casa de São Tiago” em preparação para a celebração 800º aniversário de sua consagração. Eu venho confirmar sua fé, seu estímulo para esperança e para sua confiança na intercessão apostólica, suas aspirações, suas lutas e trabalho em serviço do Evangelho.

Abracei a venerável estátua de São Tiago, também, rezei pelas crianças da Igreja, que tem sua origem no mistério da comunhão com Deus.

Através da fé introduzimos o mistério do amor que é a Santíssima Trindade em que somos abraçados por Deus, transformados pelo seu amor. A Igreja é este abraço de Deus, em que os homens e a mulheres aprendem também a abraçar os irmãos e as irmãs e descobre neles a divina imagem e semelhança que constitui a mais profunda verdade de suas existência, e que é a origem da genuína liberdade.

Verdade e Liberdade estão próximas e necessariamente relacionadas. Honestamente buscar e aspirar a verdade é a condição da autêntica liberdade. Uma não pode viver sem a outra. A Igreja que
deseja servir sem reservas a pessoa humana e sua dignidade, se levanta a serviço de ambas, liberdade e verdade.

A Igreja não pode renunciar nenhuma delas, porque o que está em jogo é o próprio homem, porque a Igreja é movida pelo amor do homem, “a única criatura na Terra que Deus quis para Ele” (Gaudium et Spes, 24), e porque sem esta inspiração da verdade, justiça e liberdade o homem se perderia nele mesmo.

De Compostela, o coração espiritual da Galácia e ao mesmo tempo a escola da ilimita universalidade, permite-me exortar toda a fé desta amada Arquidiocese,e a Igreja da Espanha para viver e ser iluminada pela fé de Cristo, confessando a fé com alegria, consistência e simplicidade, no lar, no trabalho e com comprometimento com os cidadãos.

Que a alegria de saber que somos filhos amados de Deus levá-lo a um amor sempre mais profundo para a Igreja e para cooperar com ela em seu trabalho de conduzir todos os homens e mulheres a Cristo. Ore ao Senhor da messe que muitos jovens vão se dedicar a esta missão no ministério sacerdotal e à vida consagrada: hoje, é tão interessante como sempre dedicar uma vida inteira para o anúncio da boa nova do Evangelho.

Não posso concluir sem antes expressar o meu apreço e gratidão para com os católicos da Espanha para a generosidade com que eles sustentam tantas instituições de caridade e de desenvolvimento humano. Continuar a manter estas obras que beneficiam a sociedade como um todo, e cuja eficácia foi demonstrada em um modo especial na atual crise econômica, bem como grave quando as catástrofes naturais afetaram alguns países.

Com estes sentimentos, peço a Deus Todo-Poderoso conceda a todos vocês a confiança que São Tiago mostrou no testemunho de Cristo ressuscitado. Desta forma, você pode ser fiel nos caminhos da santidade e passar-se para a glória de Deus e o bem de nossos irmãos e irmãs mais necessitados. Obrigado.

Homilia do Santo Padre na Missa de Dedicação da igreja da Sagrada Familia - Barcelona


Queridos irmãos e irmãs no Senhor
Neste dia santo para o Senhor teu Deus, não chores... “A alegria do senhor é a nossa força” ( Neemias 8: 9-11 ). Com a as palavras da primeira leitura que proclamamos, eu desejo cumprimentar todos vocês que participam desta celebração.

Estendo meus cumprimentos afetuosos para a majestade o Rei e a Rainha da Espanha que desejo que sejam um conosco.

Estendo meus cumprimentos de gratidão para o Cardial Lluís Martínez Sistach, Arcebispo de Barcelona, agradeço as palavras de boas vindas e por ter me convidado para celebrar na Igreja da Sagrada Família, uma magnífica obra da engenharia, arte e fé.

Eu também cumprimento o Cardial Ricardo María Carles Gordó, Arcebispo Emérito de Barcelona, os outros Cardiais presentes e meus irmãos bispos, especialmente, o bispo auxiliar desta Igreja local, e aos padres, diáconos, seminaristas, religiosos e religiosas, e leigos que participam desta solene cerimônia.

Também estendo um cumprimento respeitoso para as autoridades nacionais, regionais e locais presentes. Bem como os membros das comunidades cristãs que compartilham nossa alegria e gratidão em Deus.

Hoje marca uma importante etapa na longa história de esperança, trabalho e generosidade que transpassa pelos séculos. Queria neste momento me dirigir com alegria a cada um que foi promotor para a execução deste trabalho (Igreja Sagrada Família), os arquitetos, os trabalhadores e todos que contribuíram generosamente para a construção deste edifício. Nós lembramos também Antoni Gaudí, um criativo arquiteto e um cristão praticante que foi a alma e o artesão deste projeto. Ele manteve a tocha da fé até o fim da vida, uma vida vivida com dignidade e absoluta austeridade. Este evento também é dedicado para a terra da Catalonia que ao longo da história, especialmente, no fim do século XIX deu com abundância santos, fundadores, mártires e poetas cristãos. Esta é uma história de santidade, artística e de criação poética, nascida pela fé, que recolhemos e presenteamos a Deus no dia de hoje com uma oferta na Eucaristia.

A alegria que sinto presidindo esta cerimônia se torna maior quando soube que este santuário, desde o seu início, tinha uma relação especial com São José. Eu tenho sido movido pela fé de Gaudí que confiava em São José, pois em muitas dificuldades que ele tinha ao construir este santuário ele exclamava: “São José irá terminar esta Igreja!”. É uma alegria ter sido São José quem providenciou tudo para a construção deste santuário. Já que meu nome batismal é José.

Esta Igreja é fruto da fé e da inteligência humana, que deu origem a este trabalho de arte. Este é um sinal visível do Deus invisível, como estas torres que apontam para a direção da luz, Aquele que é a luz, a luz absoluta e a beleza em si.

Neste lugar Gaudí desejou unificar as inspirações vinda de três livros que o alimentou como um homem, como um crente e como um arquiteto: o livro da natureza, o livro da Sagrada Escritura e o livro da liturgia. Deste modo, ele trouxe junta a realidade do mundo e da história da salvação, como contada na Bíblia e feita nesta presente liturgia. Ele fez pedras, árvores e a vida humana parte da Igreja para que toda criação se reúnem em louvor a Deus, mas ao mesmo tempo ele trouxe imagens sagradas para colocar as pessoas diante do mistério de Deus reveladas no nascimento, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Deste modo, ele brilhantemente ajudou na construção da nossa consciência humana, ancorada no mundo ainda aberto a Deus, iluminado e santificado por Cristo. Nisso, ele realizou uma das tarefas mais importantes dos nossos tempos: a superação da divisão entre a consciência humana e da consciência cristã, entre a vida neste mundo temporal e estar aberto para a vida eterna, entre a beleza das coisas e Deus como beleza. Antoni Gaudí fez isto não com palavras mas com pedras, linhas, planos e pontos. Na verdade, a beleza é uma das maiores necessidades da humanidade, é a raiz de onde os galhos da nossa paz e os frutos da nossa esperança brotam. Beleza também revela de Deus, porque, como ele, uma obra de beleza é pura gratuidade, que nos chama à liberdade e que nos afasta do egoísmo.

Temos dedicado este espaço sagrado a Deus que se revelou e se deu a nós em Cristo para que definitivamente Deus seja próximo ao homem. A revelação da Palavra, a humanidade de Cristo e a sua Igreja são três supremas expressões da sua manifestação e sua doação para humanidade.

Assim diz São Paulo na segunda leitura: “Segundo a graça que Deus me deu, como sábio arquiteto lancei o fundamento, mas outro edifica sobre ele.

Quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo”. O Senhor Jesus é a pedra que suporta o peso do mundo que mantém a coesão da Igreja e traz junto em ultimato a unidade e toda realização da humanidade. Nele temos Deus palavra e presença e a Igreja recebe dele a vida, o ensinamento e a missão.

A Igreja por si mesma não é nada, ela é chamada a ser sinal e instrumento de Cristo, na pura docilidade para autoridade dele e em total serviço para seu mandato. O único Cristo é a fundação da sua única Igreja. Ele é a rocha que a nossa fé é construída. Construída na fé, lutemos juntos para mostrar para o mundo a face de Deus, que é amor e o único que pode responder nossos anceios.
Esta é a nossa grande tarefa mostrar um Deus que é paz e não violência, é o Deus da liberdade e não da coesão, da harmonia e não da discórdia.

Nesse sentido, considero que a dedicação da igreja da Sagrada Família é um evento de grande importância, num momento em que o homem diz ser capaz de construir sua vida sem Deus, como se Deus não tinha nada para lhe dizer. Nesta obra, Gaudí nos mostra que Deus é a verdadeira medida do homem, que o segredo da autêntica originalidade consiste, como ele mesmo disse, em voltar a sua origem que é Deus. Gaudí, abrindo o seu espírito a Deus, foi capaz de criar na cidade um espaço de fé, beleza e esperança, que conduz o homem ao encontro com Aquele que é a verdade e a beleza em si. O arquiteto expressa seus sentimentos com as seguintes palavras: "A igreja [é] a única coisa digna de representar a alma de um povo, pois a religião é a realidade mais elevada no homem".

Esta afirmação de Deus traz com ele a suprema afirmação e proteção da dignidade de cada e de todos os homens e mulheres: “Não sabeis que sois templo de Deus?... O templo de Deus é santo, e você é um templo”. ( I Cor 3; 16-17). aqui encontramos a alegria junto com a verdade e dignidade de Deus e a verdade e dignidade do homem. Assim, consagramos o altar da Igreja, que tem Cristo como o fundador. Nós apresentamos ao mundo um Deus que é amigo dos homens e convidamos estes homens e mulheres a serem amigos de Deus. Tocamos nesta realidade no caso de Zaqueu de quem hoje o evangelho fala (Lucas 19:1-10).

Se permitimos Deus entrar em nossos corações e em nosso mundo, se permitimos Christ viver em nossos corações, não nos arrependeremos. Faremos a experiência da alegria de compartilharmos sua própria vida que é o objetivo do seu infinito amor.

A Igreja surgiu da iniciativa da Associação dos Amigos de São José, que queriam dedicá-la a Sagrada Sagrada Família de Nazaré. O lar formado por Jesus, Maria e José que sempre foi considerada uma de escola de amor, oração e trabalho. Os promotores desta Igreja queria promover o amor no mundo e a vivência na presença de Deus, como a Sagrada Família vivia. A vida mudou muito e com isso um enorme progresso foi feito nas esferas técnica, social e cultural. Nós não podemos simplesmente ficar satisfeitos com esses avanços. Ao lado deles, há também precisam ser os avanços morais, como na proteção e assistência às famílias, na medida em que o amor generoso e indissolúvel entre um homem e uma mulher é o contexto eficaz e fundamento da vida humana em sua gestação, parto, crescimento e morte natural. Somente onde o amor e a fidelidade são a verdadeira liberdade presente pode nascer e resistir.

Por esta razão, a Igreja defende adequados meios econômicos e sociais para que as mulheres podem encontrar na casa e no trabalho o seu pleno desenvolvimento, que homens e mulheres que contrair matrimônio e formar uma família recebe um apoio decisivo do Estado, que a vida das crianças pode ser defendida como sagrada e inviolável desde o momento da sua concepção, que a realidade do nascimento ser dado o devido respeito e recebem apoio jurídico, social e legislativa. Por este motivo a Igreja resiste a qualquer forma de negação da vida humana e dá seu apoio a tudo o que iria promover a ordem natural na esfera da instituição da família.

Ao contemplar com admiração este espaço sagrado de beleza maravilhosa, de tanta história cheia de fé, peço a Deus que na terra de testemunhas Catalunha nova da santidade pode levantar-se e florescer, e apresentar ao mundo o grande serviço que a Igreja pode e deve oferecer à humanidade: ser um ícone da beleza divina, uma chama ardente de caridade, um caminho para que o mundo creia no único que Deus enviou (cf. Jo 6:29).

Queridos irmãos e irmãs, como eu dedico esta esplêndida igreja, imploro o Senhor de nossas vidas que, a partir deste altar, que agora será ungido com óleo santo e sobre a qual o sacrifício do amor de Cristo vai ser consumida, pode haver um dilúvio de graça e caridade sobre a cidade de Barcelona e do seu povo, e sobre todo o mundo. Que estas águas fecundas encher de fé e vitalidade apostólica desta arquidiocese da Igreja, seus pastores e seus fiéis.

Por último, gostaria de elogiar a proteção amorosa da Mãe de Deus, Maria Santíssima, Rose de Abril, Mãe de misericórdia, todos os que entram aqui e todos os que por palavras ou por obras, em silêncio e oração, tem tornado possível esta maravilhosa arquitetura. Que Nossa Senhora acolha as alegrias e aflições de todos os que virão no futuro a este lugar sagrado, para que aqui, como a Igreja reza quando dedicando edifícios religiosos, os pobres podem achar graça, da liberdade oprimida verdade e todos os homens assumir a dignidade de filhos de Deus. Amém.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Parabéns Eminência!




Dom Eugênio de Araújo Sales (Fazenda Catuana, Acari, 8 de novembro de 1920) é um cardeal brasileiro e arcebispo emérito do Rio de Janeiro.

Dom Eugênio é filho de Celso Dantas Sales e Josefa de Araújo Sales (Téca) e irmão de Dom Heitor de Araújo Sales, Arcebispo Emérito de Natal, Rio Grande do Norte. Foi batizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia, em Acari, no dia 28 de novembro de 1920. De família muito católica, era bisneto de Cândida Mercês da Conceição, uma das fundadoras do Apostolado da Oração na cidade de Acari.


Realizou seus primeiros estudos em Natal, inicialmente em uma escolar particular, depois no Colégio Marista e finalmente ingressou, em 1931, no Seminário Menor. Realizou seus estudos de Filosofia e Teologia no Seminário da Prainha, em Fortaleza, Ceará, no período de 1931 a 1943.


Sucessão
Na Arquidiocese de São Salvador da Bahia, Dom Eugênio de Araújo Sales foi o 23º Arcebispo, sucedendo a Dom Augusto Álvaro da Silva e teve como sucessor Dom Avelar Brandão Vilela.

Na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, Dom Eugênio foi o 5º arcebispo, tendo sucedido a Dom Jaime de Barros Câmara e como sucessor Dom Eusébio Oscar Scheid.


Ordenações episcopais

Foi o principal sagrante dos seguintes bispos
Dom Nivaldo Monte
Dom Valfredo Bernardo Tepe, O.F.M.
Dom Miguel Fenelon Câmara Filho
Dom Silvério Jarbas Paulo de Albuquerque, O.F.M.
Dom Alair Vilar Fernandes de Melo
Dom Eduardo Koaik
Dom Karl Josef Romer
Dom Carlos Alberto Etchandy Gimeno Navarro
Dom Celso José Pinto da Silva
Dom Heitor de Araújo Sales
Dom Romeu Brigenti
Dom Affonso Felippe Gregory
Dom João d’Avila Moreira Lima
Dom José Palmeira Lessa
Dom José Carlos de Lima Vaz, S.J.
Dom Narbal da Costa Stencel
Dom João Maria Messi, O.S.M.
Dom Elias James Manning, O.F.M. Conv.
Dom Rafael Llano Cifuentes
Dom Augusto José Zini Filho
Dom Filippo Santoro
Dom José Ubiratan Lopes, O.F.M. Cap.

Foi co-celebrante da sagração episcopal de
Dom Manuel Tavares de Araújo
Dom Epaminondas José de Araújo
Dom Giovanni Battista Morandini
Dom Edson de Castro Homem
Dom Antônio Augusto Dias Duarte
Dom Edney Gouvêa Mattoso

Ordenações presbiterais
Pelos registros oficiais, Dom Eugênio ordenou 216 sacerdotes, dentre os quais:

Dom Edson de Castro Homem
Dom Edney Gouvêa Mattoso

Citação
"O egoísmo dominante nos indivíduos e países impede uma justa distribuição dos recursos naturais. Cada um pensa em si e em sua nação, sem atender ao bem comum. Aqui se coloca o empobrecimento do Terceiro Mundo, em benefício dos mais ricos. E, no Brasil, a concentração de riquezas é crescente. Busca-se, em vez de justiça social, a diminuição dos que deveriam igualmente participar desses dons que Deus criou para todos os seus filhos". (Jornal do Brasil, 13/08/1994).

Colunas permanentes nos jornais
Jornal do Brasil
O Globo
O Dia
Jornal do Commercio

Livros

A Voz do Pastor
Viver a Fé em um Mundo a Construir


Foi ordenado sacerdote pelas mãos de Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas, bispo de Natal, no dia 21 de novembro de 1943, na mesma igreja onde recebera o batismo.


Episcopado

No dia 1 de junho de 1954, aos 33 anos, foi nomeado bispo auxiliar de Natal pelo Papa Pio XII, recebendo a sé titular de Thibica.

Foi ordenado bispo no dia 15 de agosto de 1954, pelas mãos de Dom José de Medeiros Delgado, Dom Eliseu Simões Mendes e de José Adelino Dantas.

Em 1962 foi designado administrador apostólico da Arquidiocese de Natal, função que exerceu até 1965, quando da nomeação de Dom Nivaldo Monte.

Em 1964 foi nomeado administrador apostólico da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, função na qual permaneceu até 29 de outubro de 1968, quando da sua nomeação a Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, pelo Papa Paulo VI.


Cardinalato
No consistório do dia 28 de abril de 1969, presidido pelo Papa Paulo VI, Dom Eugênio de Araújo Sales foi nomeado cardeal, do título de São Gregório VII, do qual tomou posse solenemente no dia 30 de abril do mesmo ano. Neste consistório foi também nomeado cardeal o brasileiro Dom Vicente Scherer.

No dia 13 de março de 1971, o Papa Paulo VI o nomeou Arcebispo do Rio de Janeiro, função que exerceu até 25 de julho de 2001, quando da sua renúncia, e que foi aceita pelo Papa João Paulo II.


Lema
Impendam et Superimpendar

Alusão à frase de São Paulo (2 Cor. 12, 15):

Ego autem libentissime impendam et superimpendar ipse pro animabus vestris. Si plus vos diligo, minus diligar?
Quanto a mim, de bom grado despenderei, e me despenderei todo inteiro, em vosso favor. Será que, dedicando-vos mais amor, serei, por isto, menos amado?

Atividade e contribuições
Quando era arcebispo de Salvador, foi um dos criadores das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da Campanha da Fraternidade. Enquanto esteve à frente do Arcebispado do Rio, ordenou 169 sacerdotes, um número recorde, frente às outras Arquidioceses e dioceses brasileiras.

Foi um dos primeiros bispos brasileiros a implantar o Diaconato Permanente, ministério clerical que pode ser concedido a homens casados, segundo a restauração do Concílio Vaticano II. Foi membro de onze congregações no Vaticano.

Sua vida apostólica foi marcada pela defesa da ortodoxia católica. Combateu com firmeza a esquerda católica, a Teologia da Libertação e o engajamento político das Comunidades Eclesiais de Base.

Por outro lado, assumiu a defesa de refugiados políticos dos regimes militares latino-americanos entre 1976 e 1982. Montou uma rede de apoio a estes refugiados juntamente com a Cáritas brasileira e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que consistia em abrigá-los, inicialmente na Sede Episcopal (Palácio São Joaquim) e posteriormente em apartamentos alugados para tal finalidade. Além disto, financiou a estadia destes refugiados até conseguir-lhes asilo político em países europeus. Foram asiladas mais de quatro mil pessoas. Usou sua autoridade para este fim, inclusive enfrentando os militares por diversas vezes. Ao assumir tal tarefa, telefonou para o General Sílvio Frota e disse-lhe: "Frota, se você receber comunicação de que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que eu estou protegendo comunistas, saiba que é verdade, eu sou o responsável. Ponto final, ponto final". Também atuou junto aos militares na libertação de diversos acusados de subversão.[1]

Também recusou-se a celebrar missa pelo aniversário do Ato Institucional Número Cinco, pedida pelo General Abdon Sena, de Salvador.

Foi um dos brasileiros que mais ocupou cargos no Vaticano: foram 11 cargos nas congregações, conselhos e comissões.

Sua ação social abrangeu a criação de centros de atendimento a portadores de AIDS, a pastoral carcerária, um núcleo de formação de líderes na residência do Sumaré.

Sua renúncia foi solicitada em 1997, quando já completara 75 anos. Mas por indulto especial do Papa João Paulo II, seu amigo pessoal, foi autorizado a permanecer à frente da arquidiocese até completar 80 anos. Sua aposentadoria foi finalmente aceita no dia 25 de julho de 2001, quando Dom Eusébio Oscar Scheid, então Arcebispo de Florianópolis, foi nomeado o seu sucessor. Dom Eugênio permaneceu de 25 de julho até 22 de setembro de 2001 como administrador apostólico do Rio, nomeado por João Paulo II.

Em 22 de setembro, na presença de grande número de bispos e sacerdotes, entregou o governo da arquidiocese, através da passagem do báculo (cajado simbólico do pastoreio do povo de Deus, utilizado pelos bispos) a Dom Eusébio, até então não revestido da dignidade cardinalícia, que só viria a obter em 2003. Ainda permanece residindo no Rio de Janeiro, no Palácio Apostólico do Sumaré, e permanece em funções no Vaticano. Possui os títulos de Cardeal Protopresbítero (o mais antigo em idade e/ou nomeação entre os Cardeais Presbíteros) e Arcebispo Emérito (aposentado) da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

No dia 8 de Novembro de 2010, Dom Eugênio completará 90 anos de vida. Rezamos para que Deus na sua infinita bondade recompense todo o trabalho realizado por este grande bispo da Igreja de Cristo.

Parabéns Eminência!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

INFIRMA NOSTRI CORPORIS, VIRTUTE FIRMANS PERPETI!




Accénde lumen sénsibus; (Acendei a luz nos sentidos;)

Infunde amórem córdibus,(insuflai o amor nos corações,)

Infírma nostri córporis (amparai na constante virtude)

Virtúte firmans pérpeti. (a nossa carne enfraquecida.)


Este antiquissimo hino da Igreja, no qual envocamos o Divino Espirito Santo, é um cântico de louvor que traz consigo uma gama de realidades profundas sobre a ação e o modo como o Espirito de Deus, agiu, age e sempre agirá na sua Igreja. Queremos refletir sobre a quarta parte do hino, que em particular, atriu minha atenção e fez com que desta parte, surgisse o nome do blog que podemos acessar todos os dias.
Inciemos portanto.
Accénde lumen sénsibus; (Acendei a luz nos sentidos;)
Iniciamos esta parte com um pedido profundo. Pedimos que Deus acenda em nós a sua luz nos nossos sentidos. É um pedido, sem dúvidas nenhuma, existencial. Nossos sentidos afetados pela pecado original, passou a ser desordenado. Queremos tudo, e no fim nunca estamos satisfeitos com o que temos. Procuramos a felicidade em realidades que não contém e nem são a felicidade. Nossos sentidos embaçados pelas trevas do nosso pecado procura a luz. Que luz? A luz que vem do alto. Cristo é essa luz que tanto prcuramos no decorrer de nossa vida. A simbologia do Rito da luz no Sabado Santo, sempre foi algo que fala por si só. O Círio Pascal, figura do Cristo luz do mundo, vencedor das trevas do pecado e da morte, entra na igreja e na Vigilia das vigilias revela o sentido dessa luz: Ele é a luz verdadeira, luz que dissipa nossos erros e como diz o cãntico, acende em nós a sua luz. Lux que redime o homem. Luz que vence as paixões. Luz que coloca no lugar aquilo que estava perdido.
Pedimos a luz, mas não somente a luz, pedimos outra coisa mais forte, pedimos que Ele insufle em nossos corações o seu amor. " Á nós descei divina luz, a nós descei divina luz, em nossas almas acendei o amor o amor de Jesus." Esse pedido ecoa na igreja em todos os cantos, em todas as orações e no coração do homem sedento de Deus. Derrama sobre nós o teu amor! Mas qual será esse amor? Ora, o amor que é capaz de se entregar até a morte. Então pedimos a morte. Pedimos ao Senhor que nos ensine a morrer a cada dia, pois o que é amar a não ser isso? Ter essa capacidade de se entregar e morrer a cada dia pelo amor dispensado. Amar é morrer. Morrer para si e viver para os outros. São Bernardo certa vez disse: " Amo porque amo. Amo para amar." O obejto do seu amor é o proprio ato de amar, pois nele esta contido a verdade, e se este amor é verdadeiro muda tudo, muda a vida e muda todas as coisas ao meu redor. O ato de amar faz-me melhor e faz com que os outros também sejam melhores. Porque amo? Porque antes eu fui amado por Alguém, que é a fonte do amor. Sem Ele não teria condições para fazer tal coisa extraordinária. Pedimos o amor e Ele nos concede a graça desejada. Apresenta-nos a cruz, fonte e origem do amor Trinitário, que é canal de graça infinita e que nos mostra o caminho do amor: serei crucificado mas amarei até o fim.
Chegamos então ao final das frases contidas nesta quarta parte do Veni Creator:
"Infírma nostri córporis (amparai na constante virtude)
Virtúte firmans pérpeti." (a nossa carne enfraquecida.)
Amparai, socorrei e sustentai em vossa graça a nossa carne enfraquecida. O que somos nós diante da grandeza de Deus? O que somos nós pobres e mendicantes do amor de Deus? O que somos nós? O salmista assim se expressa: " O que é o homem, para que dele te lembres E o filho do homem, que o visites? (Sl 8, 4)Esta é a pergunta pontual que fazemos. O que somos nós? Somos fracos, débeis, miseráveis, pecadores... Somos sim tudo isso, mas existe um acontecimento assustador nisso tudo: Deus nos fez dignos do seu amor. Aquilo que não poderíamos fazer por nós mesmos, Ele fez por nós. Percorreu o caminho que nos separava dEle; a distãncia parecia infinita, mas Ele quebrou a barreira do tempo e do espaço por nós. Aniquilou-se e nos fez dignos do seu amor. Verdade suprema de amor que preenche o nosso coração de uma gratidão imensa. Ele nos amou, Ele nos sustenta com a sua graça e nos dá a capacidade de sermos melhores. O pecado ainda existe, mas o desejo de ser melhor engole o desejo de auto-destruição. O cuidado de Deus por nós é a prova, o fato, o acontecimento
que modifica o nosso modo de julgar as coisas, e é a resposta para a nossas mais profundas inquietações. Perguntamos nós: Isto corresponde ao desejo do meu coração? Um pai de família no alvorecer do dia deve se fazer esta pergunta, e a reposta honesta sempre será: "Sim, sair de casa nesta hora para trabalhar corresponde ao desejo do meu coração, pois este ato revela o meu amor pela minha família que depende do meu trabalho para se sustentar." Assim como um jovem que estuda e procura ser um profissional futuramente, deve se fazer esta mesma pergunta: Corresponde, sair de casa cedo, enfrentar a condução, o trânsito das grandes cidades, ou a escacez das pequenas cidades, a fadiga do dia e o stresse do dia? Corresponde ao desejo da minha felicidade que passa por essas coisas? Se corresponde, ele acorda cedo e suporta tudo com amor, pois sabe que é deste modo que ele se preparará para um dia ser aquilo que deseja. A correspondência ao amor de Deus se mostra nas pequenas coisas que fazemos. Se somos fiéis no pouco, seremos um dia fiéis no muito. Se soubermos sofrer as augurias da vida, no final de tudo, seremos recompensados por nosso esforço. Corresponde aquilo que é verdadeiro? Porque então não aderir? Se aderimos a isto somos felizes.
Na sua graça infinita, Deus olha para nós e nos dá a oportunidade de sermos felizes. Ele nos sustenta, nos fortaleçe e nos conduz com sua mão poderosa; nossos pecados não maculam o seu amor, pelo contário, Ele com sua misericordia que não tem fim, nos oferece o seu amor e atende o nosso pedido de amparar-nos na constante virtude enquanto vivermos.
Que o Senhor nos ampare e nos permita sermos fiéis ao seu plano de amor. Seja a Virgem Santa, modelo e ícone do discípulo que é fiel ao seu Mestre em todos os momentos da vida.

Sem. Rafael Viana Lima
II ano de Filosofia do Seminário Arquidiocesano de São José - Rio de Janeiro

Apontamentos da Escola de Comunidade com Julián Carrón, Milão, 6 de outubro de 2010. " Viver é a memória de Mim"




Carrón: Retomemos nosso caminho depois do verão. Quero apenas dizer uma palavra para
começar. A proposta de fazer esta Escola de Comunidade conectados através de vídeo é apenas para
oferecer uma oportunidade para tentarmos aprender um método de trabalho sobre o texto e sobre a
vida que nos ajude a julgar a experiência que fazemos, porque – como dissemos tantas vezes – não
há experiência sem juízo, e sem experiência nós não aprendemos com as coisas que acontecem, elas
permanecem vãs para a vida, são inúteis, não deixam vestígio. Muitas coisas nos acontecem, mas
não deixam vestígio porque – como Dom Giussani sempre nos ensinou – o eu cresce apenas
vivendo uma experiência, a experiência não é apenas experimentar uma reação, um sentimento,
uma descoberta, mas é um juízo. E isto é decisivo para entender o texto, porque não é possível
entender o texto, como muitas vezes pensamos, apenas associando as palavras; entendemos o texto
comparando-o com uma experiência, porque o texto que Dom Gius propõe é a comunicação de uma
experiência, e só pode entendê-la quem a faz. E é isso que deve vir à tona no trabalho que fazemos
juntos na Escola de Comunidade: não reflexões abstratas, porque todos nós podemos fazer muitas
delas e não servem para nada, mas testemunhos reais daquilo que aprendemos com a experiência
que nos ajudam a entender o texto e daquilo que aprendemos com o texto que nos ajudam a
entender a experiência. Por isso, repito, para que ajudemos a todos, para não perdermos tempo
(porque o tempo é curto), precisamos ser objetivos. Peço a todos que vão se colocar que façam
colocações breves, peço que sejam objetivos – como eu disse – não se alonguem muito, digam o
essencial de modo tal que possam ser compreendidos por todos. Se alguém tiver vontade de se
colocar, prepare-se bem, porque isso faz parte do trabalho: entender a experiência que fazemos e
saber exprimi-la de maneira adequada faz parte deste trabalho. Não venhamos para cá para divagar
sem começo nem fim, porque isso quer dizer que não fizemos o trabalho, que estamos
improvisando. E isso não nos ajuda. Então, vamos começar.

Colocação: Neste verão, fiquei provocada por duas palavras que você disse, que estão no início e
no fim do livreto que estamos trabalhando, e pela proximidade que elas têm: conversão e
contemporaneidade. Parece-me que uma indica a natureza da outra, porque a conversão é um
esforço moralista se não for ceder a uma presença que é contemporânea a mim, a uma presença
agora; e, por outro lado, falamos da contemporaneidade de Cristo apenas de maneira emocional
se não determina em nós um desejo de mudança. Por isso, percebi que eu não posso mais falar de
conversão sem falar de contemporaneidade e vice-versa, tanto que me provocou muito o título do
livreto “Viver é a memória de Mim”, porque muitas vezes falamos de viver a memória como se
fosse uma premissa e não como se fosse tudo. Essa é a primeira coisa. A segunda é que hoje eu me
dou conta de que Cristo é contemporâneo a mim porque eu me torno contemporânea à realidade
que vivo, estou finalmente presente no presente, senão eu me defendo da realidade usando tudo que
sei e que faço, de modo que o Movimento, em vez de se tornar uma introdução à realidade, torna-se
2
a minha defesa mais sutil. A última coisa, é que quando você nos falou, no Dia de Início de Ano,
sobre a contemporaneidade de Cristo e do Papa, eu fiquei bastante perplexa, porque quando digo
contemporaneidade de Cristo não consigo separar esta frase de você. Na verdade, talvez essa
tenha sido, para mim, uma das descobertas mais impressionantes dos últimos tempos, quer dizer,
que não é possível a minha conversão sem que eu ceda a Cristo contemporâneo. Cristo
contemporâneo tem a ver com você, senão, eu não me importaria nem mesmo com o Papa, não
teria ido a Roma em maio e muito menos teria entendido aquilo que o Papa disse na Inglaterra. E,
sob este aspecto, preciso entender bem como você percebe esse seguir a você.

Carrón: Deixo a questão em aberto, porque me parece que isso que você disse é fundamental para
todos. Faço uma pergunta: de que maneira mudou em vocês o modo de perceber e ouvir a palavra
conversão? Porque aí está tudo. Se vocês continuarem a ouvir a palavra conversão como algo que
no fundo lhes tira alguma coisa, então estão se defendendo, estamos nos defendendo da palavra
conversão. Significa que ela está desligada da contemporaneidade de Cristo, e este é o sinal. Dou
alguns exemplos. Zaqueu se converteu? Sim, e como! Mas defendeu-se de Jesus? Não, o recebeu
muito contente. João e André, quando estavam ali ouvindo-O falar, se defenderam de Jesus? Não,
seguiram-no. Converteram-se? Sim. Quer dizer que quando nós separamos essas duas palavras –
conversão e contemporaneidade – é inexorável que a conversão seja reduzida a moralismo e a
contemporaneidade a emotividade, sem que provoquem em nós um desejo de mudança. Então, a
questão é partir dessa realidade, dessa experiência que acontece conosco quando nos surpreendemos
com o desejo de mudar, porque a conversão é exatamente isto: nasce em mim o desejo de mudar
para que eu não perca aquilo que está na minha frente. Por que João e André o seguiram? Para
ganhar uma vida eterna alternativa à real ou para não perder, durante a vida, aquela Presença tão
fascinante que tinham diante deles? Isso é decisivo para entender o que é a contemporaneidade de
Cristo: Cristo torna verdadeiramente atraente aquela realidade à qual Ele me introduz, porque me
revela o significado da vida. Seguir-me, se não é isso, se não é para seguir aquilo que eu tento
seguir, aquilo que tento verificar na realidade, que significado teria? O que quer dizer me seguir? Eu
aprendi a seguir com Dom Giussani, porque para ele o cristianismo é algo que está acontecendo
agora, e isso torna o cristianismo apaixonante. Mas para que o cristianismo possa ser concebido
assim e para sair do moralismo não basta dizer que eu desejo não ser moralista e quero seguir a
contemporaneidade de Cristo: é preciso reconhecê-Lo, é preciso não reduzir a realidade, é preciso
ver que em muitos gestos que fazemos – é para isso que serve o Dia de Início de Ano –
frequentemente nós não vemos isso. Então, para nós, muitas vezes a contemporaneidade de Cristo é
abstrata e a conversão é moralista, porque nós não O vemos na realidade (não é que não falemos
sobre os fatos, mas paramos ali, no contragolpe emocional). Por isso perguntamo-nos quantas vezes
falar sobre esses fatos desperta em nós um desejo de mudança, porque este é o teste: que eu não
quero perder aquilo ali. Sobre isso, eu gostaria de dizer algo a vocês, por exemplo, em relação ao
Papa, porque o que me interessou da visita do Papa à Inglaterra foi vê-lo em ação: era impossível
que aquela figura emergisse apenas da energia humana, era o testemunho manifesto da presença de
Cristo. Não é preciso ter visões. Jesus – eu sempre digo isso – não curou todos os doentes da
Palestina de seu tempo, mas mostrou, por meio de alguns milagres, que Ele existe, que não estamos
sozinhos com a nossa impotência e com o nosso nada, que a potência de Deus torna-se presente em
fatos e acontecimentos. A viagem do Papa é um desses fatos, e isso ficou evidente inclusive para os
adversários.

Colocação: Gostaria de fazer uma pergunta sobre o poder dos sem-poder. Normalmente, eu não
seria considerada uma pessoa muito boa, na verdade, até má, porque sou impaciente, pouco
misericordiosa, muito egocêntrica, estou sempre me lamentando, portanto, não seria uma grande
pessoa, mas neste lugar e através dos meus amigos conheci o método e as razões para não ser mais
assim, para mudar. De repente, me vi portadora de uma humanidade inesperada que não nasce das
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minhas capacidades. E quero fazer alguns exemplos rápidos que aconteceram no meu trabalho. O
lema do meu chefe é “divide et impera”. Eu tento testemunhar que, para mim, trabalhar em equipe
é outra coisa; meus colegas têm dificuldade em me cumprimentar de manhã quando chegam e são
sempre muito precisos e corretivos na revelação de alguns erros que eu cometo. Tento estar o mais
aberta possível ao diálogo e realmente me agradaria muito colaborar com eles. Há dois anos, uma
cigana de uns dezesseis anos, grávida, começou a aparecer no corredor em frente ao ambulatório
que trabalho. Meus colegas e meu chefe olhavam para ela com muita hostilidade e a expulsavam
quando se aproximava da sala de espera para pegar um café na máquina. Muitas vezes eu parava
ao seu lado no corredor e perguntava sobre seu bebê, levei-lhe algumas roupas de meus filhos e,
alguns dias antes de voltar para sua cidade, ela me disse: “Você é muito boa comigo, gostaria de
ter uma mãe como você”. Também me aconteceu, uma vez, começar a rezar o Angelus enquanto
retirava do envelope o resultado da tomografia de um paciente para saber como tinha respondido à
quimioterapia e, enquanto eu fazia isso, ele me disse: “Sabe, doutora, mesmo que o resultado não
seja bom, estou tranquilo porque sei que a senhora encontrará uma maneira de me curar”. Poderia
dar muitos outros exemplos. Isso não é “farinha do meu saco”, mas acontece, e eu reconheço a
presença e a obra de Jesus neste “a mais” de humanidade e suplico a Sua presença em cada
momento do meu dia. Isso eu acho que entendi. A questão, então, é esta: a minha fé tem ainda uma
possibilidade de sucesso com um chefe que não usa a sua autoridade, com colegas que me atacam,
com todas essas coisas? Na página 21, está escrito: “Neste clima, podemos nos contentar com o
testemunho ou ainda podemos nos lançar em batalhas?”. Eu gostaria de ser ajudada sobre essa
questão.

Carrón: Segundo a sua experiência, qual é a resposta a essa questão?

Colocação: Parece que eu entendi que...

Carrón: Você entendeu porque nos disse! De onde você tirou essa humanidade inesperada?
Aconteceu em você?

Colocação: Sim.

Carrón: Então a fé é capaz de acontecer? Sim. Porque senão, você não teria nos dito aquilo que
disse. Mas aconteceu segundo um desígnio que não era o seu. O mesmo vai acontecer com seus
colegas, pacientes, etc., porque acontece segundo um desígnio que não é nosso. Qual é o método de
Deus? Ele dá a graça a alguns para chegar a todos, quer dizer, não a dá a todos ao mesmo tempo. Há
a contemporaneidade de Cristo – como dizíamos antes –, mas como Cristo não se impõe, mas se
propõe, depende da liberdade do outro. Como eu disse na homilia do Dia de Início de Ano, não
basta o testemunho, é preciso a abertura do coração do outro porque se Cristo aceitou submeter-se a
ele, curvando-se sobre o nosso nada, imaginem se nós podemos pretender fazer diferente! E Ele faz
assim porque essa é a grandeza do homem, essa é a grandeza dos seus colegas e, paradoxalmente, a
sua. Que essa é a grandeza, quer dizer que o homem não é um mecanismo que você pode dominar, é
algo mais, tem um mistério dentro: o mistério da liberdade. O que nos cabe? O que isso tem a ver
com você e com a sua conversão? Jesus chama você, chama cada um de nós neste salão a dizer:
“Como eu posso contribuir? Que tipo de relacionamento, que tipo de atenção, que tipo de
testemunho devo realizar para poder facilitar, para não obscurecer o rosto de Cristo, como disse o
Papa na Inglaterra, para tornar transparente Cristo através da minha humanidade?”. Essa é a nossa
conversão. Para ajudá-la a entender como muitas vezes nós reduzimos a contemporaneidade, leio a
carta que uma pessoa me escreveu: “Estava no casamento de um grande amigo como padrinho,
sentado ao lado de outros padrinhos perto dos noivos. Durante a cerimônia, observei um fotógrafo
que passava perto dos noivos, dos padrinhos e do altar. Não sei como é aí no norte a vida de um
fotógrafo, mas na Sicília os casamentos são sua principal fonte de renda. Eu o observava e pensava
comigo mesmo que, para ele, quanto mais casamentos fossem realizados em uma semana, em um
mês, em um ano, tanto melhor. Mais casamentos significa mais dinheiro. É estranha a vida! Para
aquele ali, ir à missa, mesmo que todos os dias, seguramente não é um desprazer, passa toda a vida
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andando perto de Jesus que lhe dá o sustento. Mas não O ganha. Ganha tudo, menos Ele. Não falo
especificamente do fotógrafo, mas o uso como metáfora da minha experiência, e de muitos outros,
acho: uma vida inteira com Jesus sem ganhá-Lo. Sempre é para ganhar alguma coisa do mundo e a
noite da Escola de Comunidade também poderia ser uma boa maneira de não ficar sozinho.
Podemos viver toda a vida com Jesus como um fotógrafo que o usa para ganhar um pedaço do
mundo ou do próprio mundo, mas sem ganhá-Lo. Ganhar o intelecto, o poder, a estima de si, o
dinheiro, o sentido de pertencer e de unidade, e a companhia para não estar só, mas não Ele. Sou
médico e tenho Jesus diante de mim todos os dias, mas eu frequentemente também corro o risco de
ter a síndrome do fotógrafo: Jesus como fonte de renda. Todos os dias estou com os doentes, que
me rendem um salário, poder, possibilidade de carreira, visibilidade social, satisfação intelectual e
amigos de classe, todos os dias estou com Jesus. Mas corro o risco de não ganhá-Lo”.

Colocação: Começo com algo que me tocou muito no Dia de Início de Ano: “A Sua presença é
tornada visível, tangível e experimentável pelo fato de que muda a vida das pessoas que estão na
comunidade, na companhia. Por isso, a agudeza com que é percebido o testemunho de um, de
outro, mesmo daqueles que não são chefes –, a perspicácia com que é percebido o testemunho,
mesmo furtivo, mesmo extremamente discreto, presente nas pessoas da comunidade é o mais
grandioso sinal da honestidade de que falávamos antes. Esta é a tentativa extrema de evitar a
conversão: negar a existência dos fatos e dos acontecimentos”. Quinze anos atrás, morreu o
marido de uma amiga minha. Ela tinha trinta e três anos, estava grávida do terceiro filho e tinha
dois filhos pequenos. Eu estava ali por acaso, porque morava na casa vizinha e a conhecia desde
que éramos crianças. Eles estavam diante dos meus olhos e eu fiquei ali, observando, durante os
dias, as semanas, os meses, os anos, ela e seus filhos ficarem em pé nas circunstâncias que
aconteciam em suas vidas, vendo a humanidade deles tornar-se grande, não perfeita, porque são
pobres cristos, mas grande: abraçados à cruz de Cristo. E o que aconteceu, e que me dei conta, é
que a certo ponto aquele mesmo Cristo se virou para mim e disse: “E você, me ama?”, quer dizer,
inacreditavelmente, o acontecimento que revolucionou a vida deles, que a marcou, a transformou e
a tornou dolorosamente grande investiu a minha humanidade, mudou a minha vida, a minha vida e
de meu marido, tranformando-a (no sentido de uma fonte de experiência de bem inexaurível e
inesperada). Sou casada há dezoito anos e não tenho filhos. Casei-me porque queria ter filhos e
pedi por eles. Eu pedi, rezei, pedi para rezarem por isso, fui às peregrinações e fiz um monte de
gente ir às peregrinações, todas as mães do mundo rezaram o terço por mim. Sou médica e quando
me perguntavam “Quanto lhe devo?”, eu respondia “Uma Ave Maria”. Mas os filhos não vieram e
isso nunca gerou em mim nenhum rancor, nenhuma dor, nenhuma raiva, nunca colocou em dúvida
o fato de que minha oração tivesse sido e continuasse sendo ouvida. Disso eu tenho certeza, porque
há uma ternura de Deus pela minha humanidade, e eu a vi em ato exatamente no relacionamento
com os três filhos de minha amiga viúva: a ternura que eles sentiam por mim e por meu marido,
maior ainda do que o afeto profundíssimo que nós tínhamos pela vida deles, fez com que eu e meu
marido experimentássemos uma maternidade e uma paternidade não pedida dessa maneira, porém
verdadeira.

Carrón: Obrigado.

Colocação: Quando saiu o seu artigo sobre a pedofilia, pela primeira vez não fiquei com raiva por
não ter conseguido chegar sozinho a um juízo justo (porque eu sempre dizia: “Fiz Escola de
Comunidade, fiz tudo, mas...”). Pelo contrário, senti-me infinitamente grato pelo fato de ter-me
sido dado alguém que me tomava pela mão e me levava a reconhecê-Lo, fazia-me reconhecer Jesus
presente, também nessa circunstância. Depois, ficou mais claro no verão, quando você começou a
falar sobre conversão, que a conversão coincide com a liberdade, porque quando alguém é
corrigido e é levado pela mão a reconhecer Jesus faz exatamente a experiência da liberdade. Eu
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nunca poderia pensar que a conversão coincidisse com a liberdade, quer dizer, com o estar dentro
das circunstâncias com Ele.

Carrón: Essa é uma maneira de dizer que aquilo que prevalece é a gratidão porque Jesus existe,
porque existe um Outro. O problema não é mais se estive à altura ou não, o que assume o controle é
exatamente o fato de que Ele existe, que Ele está presente entre nós por meio de cada um. A
conversão coincide com essa liberdade, com essa libertação. Sempre dava este exemplo aos jovens:
quando uma pessoa está gravemente doente, ficamos contentes quando existe um médico que
entende da doença. A pessoa fica contente, não fica com raiva porque existe alguém mais
competente. Fica contente, é um bem, é uma graça, um tesouro ter alguém que possa entender a
doença e procurar a cura. Por isso, a conversão é a prevalência deste bem, é não perdermos este
bem último em que a vida consiste.

Colocação: Anteontem estava na escola, onde dou aulas no ensino superior, depois de três anos
afastada fazendo uma reciclagem. Entrei na sala do primeiro ano e já sabia o que devia fazer,
tinha preparado a aula, engatei a quarta marcha e comecei. Eles me olhavam com os olhos
arregalados, nunca tinham ouvido alguém falar assim, me acompanhavam, faziam perguntas,
fiquei toda orgulhosa. Saí da sala e vi que um deles me seguia. Saiu da sala e disse: “Professora,
olha, preciso lhe dizer uma coisa”. “O que é?”. “Professora, olha, a senhora não deve ser tão
maternal na maneira de explicar, a senhora deve nos provocar mais, porque nós já ouvimos essas
coisas que a senhora está explicando, porque no ano passado tivemos um professor de filosofia que
já nos explicou essas coisas”. Então, eu olhei para ele e disse: “Agradeço por ter-me dito isso
porque assim eu posso ir até o fundo e o que você me diz é uma provocação para mim”. Reconheci
verdadeiramente o amor de Jesus por mim, porque não quis que eu parasse na metade, mas
confiou-se a mim dizendo-me: “Eu existo, e é isso que é importante para você e é o que eles
desejam, nada mais”.

Carrón: O que ficou para você, disso?

Colocação: O fato de eu ter um grande desejo...

Carrón: Não parar na metade: o que quer dizer?

Colocação: Quer dizer que eu queria ir até o fundo daquilo que estava me acontecendo, porque o
Senhor tinha me chamado ali.

Carrón: O que quer dizer ir até o fundo?

Colocação: Deixar que Ele...

Carrón: Mas o que isso quer dizer?

Colocação: Levar em conta a minha humanidade, aquilo de que sou feita e também as
circunstâncias porque, neste caso, queria dizer levar em conta um fator imprevisto que era aquele
menino.

Carrón: Exato. E o que este menino lhe fez entender?

Colocação: Que o Senhor usa um método seu.

Carrón: Qual?

Colocação: De vir ao meu encontro e me fazer entender o que é mais verdadeiro.

Carrón: Mas, o que este menino lhe disse? Que faltava você! Porque a educação é a comunicação
de si. Quer dizer, da própria maneira de enfrentar a realidade. Não basta uma boa aula, é preciso que
o eu esteja presente. Porque isso é o que Ele testemunha: depois de Cristo não existe outra
modalidade de comunicar a verdade a não ser o testemunho, onde os conceitos tornam-se carne e
sangue. E esta é a provocação que o menino oferece a você.

Colocação: E isso mudou muita coisa, de fato.

Carrón: Estou lhe dizendo isso porque é realmente um desafio para nós. Recebi muitos e-mails que
falam que alguém pode fazer as coisas e não estar presente. Leio apenas um deles, de uma pessoa
que trabalhou no Meeting de Rímini: “Foi uma semana maravilhosa... Porém há um grande ‘mas’.
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Enquanto aconteciam essas coisas maravilhosas, na minha casa fazia uma semana que não falava
com meu marido depois de uma briga por causa dos filhos. Em suma, uma confusão. No final do
Meeting eu estava esquizofrênica, literalmente dividida em duas, cansada, amargurada, desiludida e,
sobretudo, cínica. Voltar ao cotidiano com toda a sua dramaticidade me dava vontade de fugir, não
queria aquela realidade. Com o Meeting entendi que podemos nos enganar e aos outros. Podemos
fazer tudo muito bem e não estarmos presentes. Podemos fazer belos discursos e não estarmos
presentes. Podemos ter o coração endurecido e falar do desejo do coração (porque todos nós
sabemos fazer discursos). Podemos deixar de acreditar que Jesus responde e dizer aos voluntários
que só Jesus responde. Não contei a ninguém sobre esse sofrimento porque não queria discursos,
queria ficar só, não queria ser ajudada, como se o rancor do ceticismo tivesse escavado uma cratera.
Mas, no desespero escrevi a uma pessoa, vomitando tudo aquilo que estava dentro de mim. Ela não
me abandonou e, uma das vezes, me disse: “Leia o capítulo sobre o sacrifício”, e enquanto o lia
(comecei apenas para agradá-la) dava-me conta, chorando, que eu não poderia fugir para lugar
algum, que só em Jesus tudo ganha sentido. E era ali que Ele me esperava. Fui me confessar, pedi
que Ele me tomasse novamente, mas Ele já estava batendo e eu mantinha a porta fechada enquanto
Ele esperava meu ‘sim’. Quando experimentamos nossa imensa pequenez podemos entrar no
mistério de Sua grandeza e eu não quero viver por nada menos que isso, eu quero um
relacionamento pessoal, vivo, carnal, com Jesus, nada mais me basta. O cinismo, o ceticismo, o
relativismo escavaram um sulco grande também em nós que, sentindo-nos imunes, nos deixamos
enganar”. Podemos não estar presentes, por isso o sinal da contemporaneidade é encontrar um eu
que esteja presente com toda sua pessoa: “A glória de Deus é o homem vivente”, diz Santo Irineu.
O que dá glória, que faz Cristo transparecer, não são as nossas palavras, mas a questão é que
estejamos presentes. Uma outra pessoa me disse a mesma coisa: “Escrevo depois de pouco tempo
de minha última carta por causa da comoção que me invade pelo êxito do trabalho que você nos
propôs [porque o trabalho que estamos fazendo é exatamente para vencer isto, para que possamos
estar cada vez mais no real, assim como vimos que o Papa pode estar diante de pessoas que têm
uma maneira diferente de pensar, mas ele é capaz de ir até lá e testemunhar com todas as razões o
que é Cristo], que para mim coincide com a procura de estar diante daquilo que você nos diz,
portanto diante de Cristo, com o ímpeto de um pedido incansável para que eu viva, porque sozinho,
não consigo. E isso está produzindo frutos realmente evidentes para mim, que partem sempre de um
juízo. Tocou-me muito, por exemplo, a insistência sobre a iniciativa pessoal. Se penso na minha
vida, a partir deste chamado de atenção, de repente me vejo de maneira tão pálida que me percebo
perguntando-me: onde eu estava até agora? Quando Dom Giussani diz que falta o humano [agora
começamos realmente a nos dar conta e começa a aparecer com simplicidade]... Onde estava o meu
eu? A resposta chegou imediatamente: estava na esteira. Uma esteira, me parece, não é apenas
quando, por exemplo, participamos sem consciência de um gesto proposto, mas se joga em cada
instante. A iniciativa pessoal deve estar presente em cada momento”. O sinal d’Ele é exatamente
isto: nos torna presentes no presente.

Colocação: Olha, eu desejaria não existir, simplesmente não existir. A situação de minha avó é um
desastre: hospitais, casas de repouso, assistentes sociais. Você diz: “Cristo ressuscitado”. Onde
está este Cristo ressuscitado? Eu vim aqui e estou com muita raiva, porque ver minha avó assim,
que não ouve mais... Onde está esse Cristo ressuscitado, onde está?

Carrón: Como você pode olhar para sua avó se não existe este Cristo ressuscitado? Você deve
inverter a pergunta para que você, que vê sua avó assim, porque este é um fato...
Colocação: Estes são os fatos.

Carrón: Estes são os fatos, e você deve se perguntar: este é o fim?

Colocação: Para mim, sim, para mim, sim.

Carrón: E você pode colocar a sua mão no fogo na afirmação de que existe apenas o que você tem
na sua cabecinha ou pode existir mais realidade no céu e na terra do que na sua filosofia? Você
pode colocar a sua mão no fogo de que não há nada além daquilo que você vê? Pode colocá-la de
verdade? Ainda não encontrei ninguém que pudesse me dizer que sim. Comece a abrir sua razão,
porque na verdade é a falta dessa abertura que não permite que você veja aquilo que existe.

Colocação: Eu vejo apenas dor em volta de mim, apenas dor.

Carrón: Este é o ponto: que vejamos apenas isso. Para que você veja todo o resto, é preciso que
aconteça outra coisa e que você esteja disponível.

Colocação: Ou seja?

Carrón: Ou seja: vemos acontecer tantos fatos, e você pode estar ali com uma raiva imensa por
causa da sua avó e não se dar conta do que está acontecendo diante dos seus olhos. Se você não vai
a fundo da mudança das pessoas, daquilo que vivem, do testemunho delas de que há algo além
daquilo que você vê, porque você está preso pensando apenas naquela dor, se você não olha em
volta...

Colocação: Para onde devo olhar? Além de alguém querido que está para morrer, o que devo
olhar?

Carrón: Exatamente porque está para morrer é bom que você olhe, alargue a razão, para ver se isto
que você está vendo é tudo. Porque, se é tudo, não há esperança para sua avó, nem para você, nem
para nenhum de nós. Mas, se isso não é tudo e Cristo ressuscitou, então existe esperança para você,
para sua avó e para nós, entende?

Colocação: Se Cristo ressuscitou?

Carrón: Claro! E podemos ver isso nos fatos e nos acontecimentos que documentam a Sua
presença e a Sua obra, aqui e agora. A questão é que não vemos todos esses fatos, conforme eu
disse no Dia de Início de Ano, e ficamos ali, presos, olhando a realidade apenas através do buraco
da fechadura. E isso não é tudo, entende? Não é tudo. É como se você visse a realidade reduzida. E,
por isso, não coloca a mão no fogo que aquilo que você vê seja tudo. Pelo menos essa lealdade
consigo mesmo você deve ter, não pode não se calar. Então, eu digo: comece por aí, porque pode
existir algo além do que aquilo que você vê e que pode lhe dar esperança inclusive para olhar para
sua avó.

Colocação: Desculpe, para o quê devo olhar?

Carrón: Você ouviu, aqui, testemunhos de pessoas cuja vida mudou. Essa mudança é apenas
porque são mais capazes? Se você está presente na vida da comunidade vê os fatos que não são
reduzíveis a uma explicação qualquer, mas testemunham algo de outro, me explico? Você os viu, os
ouviu? Mas, para você, isso é igual a nada, isso não documenta que Cristo tenha ressuscitado.
Assim como não vê, não quer reconhecer, e quando está diante de sua avó que está morrendo não há
nada além daquilo que você vê. Mas há mais realidade no céu e na terra do que na sua cabecinha.
Você está disponível a esta conversão ou não?

Colocação: Não.
Carrón: Este é o ponto. Então, nem a ressurreição de um morto vai convencer você. Esta é uma
documentação daquilo que acontece. Dramática, porque digamos sinceramente – não é que nosso
amigo não seja sincero –. O problema é se é verdade aquilo que dizemos sinceramente! E como
vocês veem, quando chegamos ao ponto nós achamos que há sempre algo mais interessante para
fazer do que aquilo que Dom Giussani nos sugere. E, depois, nos afogamos nas reduções das quais
eu falei no Dia de Início de Ano e, diante da dor, não aguentamos. Podemos começar a entender que
nós nos encontraremos na mesma situação se não fizermos este percurso que Dom Giussani nos
propõe. Cada um deve decidir. Depois, não se lamentem quando tudo se tornar escuro. Mas quando
alguém os desafia sobre o fato de existir apenas isso, permitam-se pelo menos um instante de
lealdade consigo mesmos e parem para pensar. Quer dizer que ainda há alguma fresta, alguma
fenda.

De repente, Cristo ( Mons. Carrón)




Completam-se 25 anos de um fato fundamental para o crescimento de Comunhão e
Libertação na Espanha: a adesão ao Movimento, em Madri, de bom número dos que
seguiam a experiência da associação Nueva Tierra, ao lado de um grupo de jovens
sacerdotes. Entre estes se encontrava aquele que Dom Giussani indicaria como seu
sucessor: padre Julián Carrón. Ele acaba de dar início ao ano de CL na Espanha

J. Começar a participar de Comunhão e Libertação costuma vir acompanhado de
sinais exteriores muito característicos: mudanças no vocabulário – passam a ser
muito usados termos como acontecimento, desejo, encontro... -, a paixão por
Soljenítsin e outros autores russos, pela música coral... Mas o que acontece no
interior da pessoa?
M

Mons. Carrón: Por dentro, a pessoa vive uma experiência para a qual não encontra palavras mais
adequadas que essas, quando tenta explicá-la. O que foi decisivo para mim foi começar a
participar da vida do Movimento e entrar em contato com a sua proposta educativa.
Mesmo com o meu doutorado, obtido no exterior, eu não conseguia mover meus alunos
nem um milímetro sequer de suas posições, porque não era incisivo nas aulas que lhes
dava. Mas, quando comecei a me confrontar com a realidade – neste caso, as minhas
aulas – como o Movimento me propunha, passei a ter uma liberdade e uma capacidade
de desafiar aqueles garotos que antes não tinha. A questão não foi aprender sei lá que
coisas novas, mas uma maneira nova de estar na realidade, que antes eu não tinha. E
que nome você daria a isso? É evidente que aconteceu alguma coisa que mudou a sua
vida. Você mesmo é o primeiro a se surpreender. É por isso que eu digo que o
cristianismo, quando acontece, pega você no cotidiano, na forma como enfrenta cada dia,
na maneira de dar as aulas... Eu já tinha lido alguns textos de Dom Giussani, e
concordava plenamente com ele, mas não via nenhuma novidade especial. Foi participar
da vida do Movimento e ler aquilo a partir de dentro que me fez ter uma experiência da
vida como a que eu estou descrevendo... É o mesmo que acontece com qualquer texto
literário. Como eu explicava a meus alunos, não basta ter os instrumentos de análise
literária (um dicionário, a métrica dos versos...); você precisa de uma experiência que lhe
permita entender um poema de amor... Pelo mesmo motivo, é preciso ler a Escritura a
partir da Tradição, a partir de uma experiência que permita captar toda a sua densidade.


J. De que modo a sua experiência do seminário e daqueles anos foi uma preparação?

Mons. Carrón: Eu só guardo gratidão de todas essas coisas. É verdade que vivemos momentos difíceis
depois do Concílio. Mas tivemos a sorte de ser acompanhados por pessoas como padre
Francisco Golfín [depois bispo de Getafe] e padre Mariano Herranz [professor de Sagrada
Escritura], que nos deram pontos de referência que permitiram que não nos perdêssemos
naquela situação, em que muitos companheiros nossos se perderam. Eles nos
aproximaram de autores como Guardini ou Von Balthasar, De Lubac ou Ratzinger, que
nos deram as coordenadas para que nos situássemos na realidade. Eram os mesmos
autores que o Movimento e Dom Giussani recomendavam.

J. Qual era a novidade de CL?

Mons. Carrón: O Movimento nos fez tomar consciência de um método que nós não tínhamos.
Entendemos então que o cristianismo, mais que uma doutrina, é um acontecimento. A
novidade cristã é que os conceitos se fizeram carne. E, como diz o Papa, no início do
caminho cristão está o acontecimento de um encontro. Pode ser um encontro como o de
João e André, ou o da Samaritana... Mas é sempre um encontro imprevisto e imprevisível
com uma Pessoa que tem um jeito de olhar para a vida, uma capacidade de abraçar o
humano absolutamente únicos.
J

J. O senhor já tinha fé. No entanto, no seu relato e no de outras pessoas que aderiram
a CL naqueles anos, o que vocês descrevem é uma conversão?


Mons. Carrón: Isso foi uma surpresa para nós mesmos! Nasceu de imediato uma capacidade de
abertura e de compreensão da realidade infinitamente maior, que não poderíamos nem
sonhar. Nosso horizonte começou a se abrir, a começou a se dilatar também o nosso
interesse pela realidade, pela fé, pela literatura e pela arte, por Dostoievski e Soljenítsin,
pelo canto, pela beleza... Não consigo imaginar como era a Igreja em Milão na década de
1950, com toda a sua capacidade de adesão. Mas Dom Giussani percebia os sintomas de
uma divisão na vida das pessoas e na maneira de viver a fé. E começou a propor o
cristianismo a partir de suas características fundamentais. Se o cristianismo não volta a
ser como no início, se não voltamos à categoria do acontecimento, a pessoa pode até
participar de uma espécie de tradição, mas isso não basta. Quantas pessoas já não
passaram por colégios católicos?
Não basta repetir as coisas; é preciso mostrar que, vivendo essas coisas, a vida é mais
plena, mais digna de ser vivida, e este é o único desafio que pode convencer: o
testemunho de uma vida realizada, que sabe dar as razões pelas quais vive assim. Foi
esse o testemunho que o Papa nos deu no Reino Unido: ele testemunhou diante de todos
uma capacidade de viver a realidade, de enfrentar as questões mais importantes com
uma profundidade que suscita perguntas até nos mais reticentes... O desafio é mostrar
que o cristianismo não está reservado apenas a seus seguidores, mas leva a
compreender a totalidade da realidade, a totalidade da beleza... É claro que às vezes o
problema também é saber transmitir o interesse pela beleza. Os monges da Idade Média
cantavam e o povo participava da liturgia em gregoriano. Hoje, isso nos parece algo
destinado apenas às minorias cultas...
A. Simón e R. Benjumea