sexta-feira, 1 de julho de 2011

CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA E IMPOSIÇÃO DOS PÁLIOS AOS NOVOS ARCEBISPOS METROPOLITANOS NA SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO HOMILIA DO PAPA BENTO X



Amados irmãos e irmãs!

«Non iam servos, sed amicos» - «Já não vos chamo servos, mas amigos» (cf. Jo 15, 15). Passados sessenta anos da minha Ordenação Sacerdotal, sinto ainda ressoar no meu íntimo estas palavras de Jesus, que o nosso grande Arcebispo, o Cardeal Faulhaber, com voz um pouco débil já mas firme, nos dirigiu, a nós novos sacerdotes, no final da cerimónia da Ordenação. Segundo o ordenamento litúrgico daquele tempo, esta proclamação significava então a explícita concessão aos novos sacerdotes do mandato de perdoar os pecados. «Já não sois servos, mas amigos»: eu sabia e sentia que esta não era, naquele momento, apenas uma frase «de cerimónia»; e que era mais do que uma mera citação da Sagrada Escritura. Estava certo disto: neste momento, Ele mesmo, o Senhor, di-la a mim de modo muito pessoal. No Baptismo e na Confirmação, Ele já nos atraíra a Si, acolhera-nos na família de Deus. Mas o que estava a acontecer naquele momento, ainda era algo mais. Ele chama-me amigo. Acolhe-me no círculo daqueles que receberam a sua palavra no Cenáculo; no círculo daqueles que Ele conhece de um modo muito particular e que chegam assim a conhecê-Lo de modo particular. Concede-me a faculdade, que quase amedronta, de fazer aquilo que só Ele, o Filho de Deus, pode legitimamente dizer e fazer: Eu te perdoo os teus pecados. Ele quer que eu – por seu mandato – possa pronunciar com o seu «Eu» uma palavra que não é meramente palavra mas acção que produz uma mudança no mais íntimo do ser. Sei que, por detrás de tais palavras, está a sua Paixão por nossa causa e em nosso favor. Sei que o perdão tem o seu preço: na sua Paixão, Ele desceu até ao fundo tenebroso e sórdido do nosso pecado. Desceu até à noite da nossa culpa, e só assim esta pode ser transformada. E, através do mandato de perdoar, Ele permite-me lançar um olhar ao abismo do homem e à grandeza do seu padecer por nós, homens, que me deixa intuir a grandeza do seu amor. Diz-me Ele em confidência: «Já não és servo, mas amigo». Ele confia-me as palavras da Consagração na Eucaristia. Ele considera-me capaz de anunciar a sua Palavra, de explicá-la rectamente e de a levar aos homens de hoje. Ele entrega-Se a mim. «Já não sois servos, mas amigos»: trata-se de uma afirmação que gera uma grande alegria interior mas ao mesmo tempo, na sua grandeza, pode fazer-nos sentir ao longo dos decénios calafrios com todas as experiências da própria fraqueza e da sua bondade inexaurível.

«Já não sois servos, mas amigos»: nesta frase está encerrado o programa inteiro duma vida sacerdotal. O que é verdadeiramente a amizade? Idem velle, idem nolle – querer as mesmas coisas e não querer as mesmas coisas: diziam os antigos. A amizade é uma comunhão do pensar e do querer. O Senhor não se cansa de nos dizer a mesma coisa: «Conheço os meus e os meus conhecem-Me» (cf. Jo 10, 14). O Pastor chama os seus pelo nome (cf. Jo 10, 3). Ele conhece-me por nome. Não sou um ser anónimo qualquer, na infinidade do universo. Conhece-me de modo muito pessoal. E eu? Conheço-O a Ele? A amizade que Ele me dedica pode apenas traduzir-se em que também eu O procure conhecer cada vez melhor; que eu, na Escritura, nos Sacramentos, no encontro da oração, na comunhão dos Santos, nas pessoas que se aproximam de mim mandadas por Ele, procure conhecer sempre mais a Ele próprio. A amizade não é apenas conhecimento; é sobretudo comunhão do querer. Significa que a minha vontade cresce rumo ao «sim» da adesão à d’Ele. De facto, a sua vontade não é uma vontade externa e alheia a mim mesmo, à qual mais ou menos voluntariamente me submeto ou então nem sequer me submeto. Não! Na amizade, a minha vontade, crescendo, une-se à d’Ele: a sua vontade torna-se a minha, e é precisamente assim que me torno de verdade eu mesmo. Além da comunhão de pensamento e de vontade, o Senhor menciona um terceiro e novo elemento: Ele dá a sua vida por nós (cf. Jo 15, 13; 10, 15). Senhor, ajudai-me a conhecer-Vos cada vez melhor! Ajudai-me a identificar-me cada vez mais com a vossa vontade! Ajudai-me a viver a minha existência, não para mim mesmo, mas a vivê-la juntamente convoco para os outros! Ajudai-me a tornar-me sempre mais vosso amigo!

Esta palavra de Jesus sobre a amizade situa-se no contexto do discurso sobre a videira. O Senhor relaciona a imagem da videira com uma tarefa dada aos discípulos: «Eu vos destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça» (Jo 15, 16). A primeira tarefa dada aos discípulos, aos amigos, é pôr-se a caminho – destinei, para que vades –, sair de si mesmos e ir ao encontro dos outros. A par desta, podemos ouvir também a frase que o Ressuscitado dirige aos seus e que aparece na conclusão do Evangelho de Mateus: «Ide fazer discípulos de todas as nações…» (cf. Mt 28, 19). O Senhor exorta-nos a superar as fronteiras do ambiente onde vivemos e levar ao mundo dos outros o Evangelho, para que permeie tudo e, assim, o mundo se abra ao Reino de Deus. Isto pode trazer-nos à memória que o próprio Deus saiu de Si, abandonou a sua glória, para vir à nossa procura e trazer-nos a sua luz e o seu amor. Queremos seguir Deus que Se põe a caminho, vencendo a preguiça de permanecer cómodos em nós mesmos, para que Ele mesmo possa entrar no mundo.

Depois da palavra sobre o pôr-se a caminho, Jesus continua: dai fruto, um fruto que permaneça! Que fruto espera Ele de nós? Qual é o fruto que permanece? Sabemos que o fruto da videira são as uvas, com as quais depois se prepara o vinho. Por agora detenhamo-nos sobre esta imagem. Para que as uvas possam amadurecer e tornar-se boas, é preciso o sol mas também a chuva, o dia e a noite. Para que dêem um vinho de qualidade, precisam de ser pisadas, há que aguardar com paciência a fermentação, tem-se de seguir com cuidadosa atenção os processos de maturação. Características do vinho de qualidade são não só a suavidade, mas também a riqueza das tonalidades, o variegado aroma que se desenvolveu nos processos da maturação e da fermentação. E por acaso não constitui já tudo isto uma imagem da vida humana e, de modo muito particular, da nossa vida de sacerdotes? Precisamos do sol e da chuva, da serenidade e da dificuldade, das fases de purificação e de prova mas também dos tempos de caminho radioso com o Evangelho. Num olhar de retrospectiva, podemos agradecer a Deus por ambas as coisas: pelas dificuldades e pelas alegrias, pela horas escuras e pelas horas felizes. Em ambas reconhecemos a presença contínua do seu amor, que incessantemente nos conduz e sustenta.

Agora, porém, devemos interrogar-nos: de que género é o fruto que o Senhor espera de nós? O vinho é imagem do amor: este é o verdadeiro fruto que permanece, aquele que Deus quer de nós. Mas não esqueçamos que, no Antigo Testamento, o vinho que se espera das uvas boas é sobretudo imagem da justiça, que se desenvolve numa vida segundo a lei de Deus. E não digamos que esta é uma visão veterotestamentária, já superada. Não! Isto permanece sempre verdadeiro. O autêntico conteúdo da Lei, a sua summa, é o amor a Deus e ao próximo. Este duplo amor, porém, não é qualquer coisa simplesmente doce; traz consigo o peso da paciência, da humildade, da maturação na educação e assimilação da nossa vontade à vontade de Deus, à vontade de Jesus Cristo, o Amigo. Só deste modo, tornando verdadeiro e recto todo o nosso ser, é que o amor se torna também verdadeiro, só assim é um fruto maduro. A sua exigência intrínseca, ou seja, a fidelidade a Cristo e à sua Igreja, requer sempre que se realize também no sofrimento. É precisamente assim que cresce a verdadeira alegria. No fundo, a essência do amor, do verdadeiro fruto, corresponde à palavra relativa ao pôr-se a caminho, ao ir: amor significa abandonar-se, dar-se; leva consigo o sinal da cruz. Neste contexto, disse uma vez Gregório Magno: Se tendeis para Deus, tende cuidado que não O alcanceis sozinhos (cf. H Ev 1, 6, 6: PL 76, 1097s). Trata-se de uma advertência que nós, sacerdotes, devemos ter intimamente presente cada dia.

Queridos amigos, talvez me tenha demorado demasiado com a recordação interior dos sessenta anos do meu ministério sacerdotal. Agora é tempo de pensar àquilo que é próprio deste momento.

Na solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, antes de mais nada dirijo a minha mais cordial saudação ao Patriarca Ecuménico Bartolomeu I e à Delegação por ele enviada, cuja aprazível visita na ocasião feliz da festa dos Santos Apóstolos Padroeiros de Roma, vivamente agradeço. Saúdo também os Senhores Cardeais, os Irmãos no Episcopado, os Senhores Embaixadores e as autoridades civis, como também os sacerdotes, os colegas da minha Missa Nova, os religiosos e os fiéis leigos. A todos agradeço a presença e a oração.

Aos Arcebispos Metropolitanos nomeados depois da última festa dos grandes Apóstolos, será agora imposto o pálio. Este, que significa? Pode recordar-nos em primeiro lugar o jugo suave de Cristo que nos é colocado aos ombros (cf. Mt 11, 29-30). O jugo de Cristo coincide com a sua amizade. É um jugo de amizade e, consequentemente, um «jugo suave», mas por isso mesmo também um jugo que exige e plasma. É o jugo da sua vontade, que é uma vontade de verdade e de amor. Assim, para nós, é sobretudo o jugo de introduzir outros na amizade com Cristo e de estar à disposição dos outros, de cuidarmos deles como Pastores. E assim chegamos a um novo significado do pálio: este é tecido com a lã de cordeiros, que são benzidos na festa de Santa Inês. Deste modo recorda-nos o Pastor que Se tornou, Ele mesmo, Cordeiro por nosso amor. Recorda-nos Cristo que Se pôs a caminho pelos montes e descampados, aonde o seu cordeiro – a humanidade – se extraviara. Recorda-nos como Ele pôs o cordeiro, ou seja, a humanidade – a mim – aos seus ombros, para me trazer de regresso a casa. E assim nos recorda que, como Pastores ao seu serviço, devemos também nós carregar os outros, pô-los por assim dizer aos nossos ombros e levá-los a Cristo. Recorda-nos que podemos ser Pastores do seu rebanho, que continua sempre a ser d’Ele e não se torna nosso. Por fim, o pálio significa também, de modo muito concreto, a comunhão dos Pastores da Igreja com Pedro e com os seus sucessores: significa que devemos ser Pastores para a unidade e na unidade, e que só na unidade, de que Pedro é símbolo, guiamos verdadeiramente para Cristo.

Sessenta anos de ministério sacerdotal! Queridos amigos, talvez me tenha demorado demais nos pormenores. Mas, nesta hora, senti-me impelido a olhar para aquilo que caracterizou estes decénios. Senti-me impelido a dizer-vos – a todos os presbíteros e Bispos, mas também aos fiéis da Igreja – uma palavra de esperança e encorajamento; uma palavra, amadurecida na experiência, sobre o facto que o Senhor é bom. Mas esta é sobretudo uma hora de gratidão: gratidão ao Senhor pela amizade que me concedeu e que deseja conceder a todos nós. Gratidão às pessoas que me formaram e acompanharam. E, subjacente a tudo isto, a oração para que um dia o Senhor na sua bondade nos acolha e faça contemplar a sua glória. Amen.

SANTA MISSA NA SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO HOMILIA DO PAPA BENTO XVI




Queridos irmãos e irmãs!

A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-Feira Santa, da Missa in Caena Domini, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto na tarde de Quinta-Feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na celebração do Corpus Christi, este mesmo mistério é proposto à adoração e à meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas estradas das cidades e das aldeias, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha no meio de nós e nos guia para o Reino do céu. O que Jesus nos doou na intimidade do Cenáculo, hoje manifestamo-lo abertamente, porque o amor de Cristo não está destinado a alguns, mas a todos. Na Missa in Caena Domini da passada Quinta-Feira Santa ressaltei que na Eucaristia se realiza a transformação dos dons desta terra — o pão e o vinho — finalizada a transformar a nossa vida e a inaugurar assim a transformação do mundo. Esta tarde gostaria de retomar esta perspectiva.

Poder-se-ia dizer que tudo parte do coração de Cristo, que na Útima Ceia, na vigília da sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, deste modo, com o poder do seu amor, transformou o sentido da morte que se estava a aproximar. O facto que o Sacramento do altar tenha assumido o nome «Eucaristia» — «acção de graças» — expressa precisamente isto: que a transformação da substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis por que a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de Cristo, da sua «oração eucarística» na vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da omnipotência do seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste amor está imerso o coração de Cristo; por isso Ele sabe agradecer e louvar a Deus também perante a traição e a violência, e desta forma muda as coisas, as pessoas e o mundo.

Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte que a divisão, a comunhão do próprio Deus. A palavra «comunhão», que usamos também para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bonita e muito eloquente a expressão «receber a comunhão» referida ao gesto de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este gesto, entramos em comunhão com a própria vida de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e por nós. De Deus, através de Jesus, até nós: é uma única comunhão que se transmite na sagrada Eucaristia. Ouvimo-lo há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo, dirigidas aos cristãos de Corinto: «O cálice da bênção que benzemos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17).

Santo Agostinho ajuda-nos a compreender a dinâmica da comunhão eucarística, quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: «Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e receber-me-ás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em mim» (Confissões VII, 10, 18). Portanto, enquanto o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o seu sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós que o assimilamos, mas é ele que nos assimila a si, de tal modo que nos tornamos conformes com Jesus Cristo, membros do seu corpo, um só com Ele. Esta passagem é decisiva. Com efeito, precisamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em si, neste encontro a nossa individualidade é aberta, libertada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que por sua vez está imersa na comunhão trinitária. Assim a Eucaristia, enquanto nos une a Cristo, abre-nos também aos outros, tornando-nos membros uns dos outros: já não estamos divididos, mas somos um só nele. A comunhão eucarística une-me à pessoa que está ao meu lado e com a qual, talvez, eu nem sequer tenho um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as regiões do mundo. Portanto daqui, da Eucaristia, deriva o profundo sentido da presença social da Igreja, como testemunham os grandes santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia sagrada, reconhece-O no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, está nu, doente, prisioneiro; e está atento a cada pessoa, empenha-se de modo concreto por todos aqueles que se encontram em necessidade. Portanto, do dom de amor de Cristo provém a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna. Especialmente no nosso tempo, em que a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve fazer com que esta unidade não se edifique sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço à confusão, ao individualismo e à prepotência de todos contra todos. O Evangelho visa desde sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou económicos, mas sim a partir do sentido de responsabilidade recíproca, porque nos reconhecemos membros de um único corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar, que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.

Voltemos agora ao gesto de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: isto é o meu corpo, que é entregue por vós; isto é o meu sangue, derramado por vós e pela multidão, o que acontece? Neste gesto, Jesus antecipa o acontecimento do Calvário. Por amor, Ele aceita toda a paixão, com a sua dificuldade e a sua violência, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo, transforma-a num gesto de doação. Esta é a transformação de que o mundo tem mais necessidade, porque o redime a partir de dentro, abrindo-o às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo, Deus quer realizá-la sempre através do mesmo caminho percorrido por Cristo, aliás, o caminho que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não existem atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar dar vida, a lógica da fé que move as montanhas com a força mansa de Deus. Por isso, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmos através desta cadeia de transformações, cujo sacramento é a Eucaristia. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo transforma-nos, assimilando-nos a Ele: compromete-nos na sua obra de redenção tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele. É assim que se semeiam e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que constituem o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.

Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhos pelas veredas do mundo, trazendo dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber que somos simples grãos de trigo, conservemos a certeza firme de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e uma nova terra, onde reinam a paz e a justiça — e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também esta tarde, enquanto o sol se põe sobre esta nossa amada cidade de Roma, pomo-nos a caminho: connosco está Jesus-Eucaristia, o Ressuscitado, que disse: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela vossa fidelidade, que sustém a nossa esperança. Permanecei connosco, porque está a anoitecer. «Bom Pastor, Pão verdadeiro, ó Jesus, tende piedade de nós; alimentai-nos, defendei-nos e conduzi-nos para os bens eternos, na terra dos vivos!». Amém.

Reflexão sobre o Salmo 3, 3-8



"... Porém tu, SENHOR, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a minha cabeça.
Com a minha voz clamei ao SENHOR, e ouviu-me desde o seu santo monte.
Eu me deitei e dormi; acordei, porque o SENHOR me sustentou.
Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, SENHOR; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios.
A salvação vem do SENHOR; sobre o teu povo seja a tua bênção." (Sl 3, 3-8)
No salmo que acabamos de ler vemos a figura de um homem, apenas um homem, frágil na sua humanidade e débil no seu modo de agir, o grande profeta Davi que no sério exercício de sua humanidade pecadora diz com toda voz: " Não sou nada sem Ti, Senhor!" Tu és o meu escudo, minha proteção, és a segurança da minha vida.
O coração do homem tem a cada dia diante de si esse desafio, colocar-se inteiramente nas Mãos do Senhor e deixar-se conduzir por Ele. As dificuldades da caminhada são presença constante no drama de uma humanidade marcada pelo pecado. Os desafios, as lutas, as decepções fazem parte dessa grande aventura de ser gente, e essa aventura ganha sabor e sentido quando o homem reativa a sua memória e recorre ao fundamento de sua própria essência: Deus. Ele é o inicio de tudo, a força motriz que movimenta o mundo, contêm sem ser contido, se humilha sendo grande, ama de verdade sem ser esgotar, pois é Infinito; tudo sabe, tudo vê, tudo sustenta com suas Mãos e mantêm no Ser todas as criaturas. Com um Deus assim, como poderemos temer algo? Como poderemos não confiar? Como não amá-Lo? O salmista prossegue com o seu canto de ação de graças e reconhecimento: "Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, SENHOR; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios.
A salvação vem do SENHOR; sobre o teu povo seja a tua bênção."
Confia no Senhor, mas pede. Pede o seu favor. Ó Deus força dos que esperam em vós, olhai para a nossa fraqueza e sede compassivo com o vosso povo, perdoai-lhe a culpa e sustentai todos em vossa graça. O grande hino do VENI CREATOR assim se expressa:
"Acendei a luz nos sentidos;
insuflai o amor nos corações,
amparai na constante virtude
a nossa carne enfraquecida."

O Espirito nos ampara na constante virtude e firma a nossa carne enfraquecida. Deus, aquEle que faz tudo aqui e agora, sustenta-nos. Que coisa admirável! Ele se ocupa comigo. Tem tempo para as minhas minúcias. Se importa comigo e deseja viver uma amizade que irrompe as trevas e as barreiras das minhas misérias. Quer amar-me e quer ser amado.
Diante disso o grito que ecoa no mais profundo do ser é aquele do homem tocado pelo Mistério: "Obrigado, Senhor, por seres rocha firme, seguro abrigo, salvação que me devolve a vida!"
Que esse grito vibre em ti, que a constante proteção de Deus se instale na tua vida e que Ele seja o teu único refúgio.
Peçamos a intercessão de Dom Giussani, para que vivendo a beleza de ser cristão, a distração não nos roube de nós mesmos, pelo contrário, a atenção aquilo que nós é dado seja instrumento de intimidade com Cristo!

Sem. Rafael Viana Lima
III Ano de Filosofia do Seminário São José - RJ

Reflexão sobre o Evangelho de Mateus 10, 37-49




"Naquele tempo, disse Jesus a seus apóstolos: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim.
Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim.
Quem procura conservar a sua vida, vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. " (Mt 10, 37-39)
Querida filha, as palavras que Nosso Senhor dirige a nós neste dia acusa o nosso coraçâo
para a realidade do seguimento a Ele. De fato seguir o Senhor nâo é uma tarefa fácil, ela exige expropriaçâo do ser, renúncia das vontades, e coraçâo aberto para acolher a sua palavra. O desejo de querer seguir não basta, neste caminho empenhativo é a atenção aquilo que nos encoraja a seguir. Atençâo a uma palavra, um gesto, um sinal que aponta para o Destino do homem. Atençâo a uma Presença que tira o nosso comodismo. Atençâo para um Rosto que avança, para o sangue que se derrama, para a salvaçâo que nos é apresentada. Sem essa atençâo o nosso coraçâo desanima, torna-se dependente das pessoas e das coisas. Sem a comoçâo do chamado que Cristo nos faz nâo conseguimos dar um passo sequer rumo a nossa vocaçâo. Se nâo existe coragem no caminho, tudo é vâo. Cristo é vâo, o acontecimento cristâo é apenas um fato qualquer, a salvaçâo torna-se utopia. Se Cristo nâo é Presença real e constante na nossa vida, o barulho e a confusâo do mundo e das pessoas tira o nosso foco e nos obscurece. Vivemos, mas sem o colorido e o sabor do discípulo que deixa tudo para segui-Lo.
No drama humano faz-se mister a urgência de aderir ao designnio salvifico de Deus. sem a adesâo ao Projeto tudo se diminui, a vida fica vazia. Por este motivo as palavras de Cristo nos desafiam:" Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim." Nao é digno nâo por amar o pai ou a mâe, mas por errar no método. O que significa errar no método? Significa, colocar a esperança da vida no lugar errado. O homem decepciona, ilude, mente, fecha-se na sua mesquinhez: Deus não, Ele é o único que corresponde aos desejos do nosso coração, é o único que pode nos conduzir ao Destino. Ele nos ama e por isso nos chama: ' Vem participar da minha vida!' Só nEle seremos felizes.
Peçamos a Virgem o dom da coragem, ela que não titubiou e acolheu o Deus vivo em sua vida, que ela nos ajude a carregar a nossa cruz de cada dia.

Sem. Rafael Viana Lima
III Ano de Filosofia do Seminário São José - RJ

Reflexão sobre o Salmo 2, 2




«O Senhor disse-Me: “Tu és meu filho, Eu hoje Te gerei”» (SL 2, 2)
Com estas palavras do Salmo segundo, a Igreja dá início à Santa Missa da vigília de Natal, na qual celebramos o nascimento do nosso Redentor Jesus Cristo no estábulo de Belém. Outrora, este Salmo pertencia ao ritual da coroação dos reis de Judá. O povo de Israel, por causa da sua eleição, sentia-se de modo particular filho de Deus, adoptado por Deus. Uma vez que o rei era a personificação daquele povo, a sua entronização era vivida como um acto solene de adopção por parte de Deus, no qual o rei ficava, de certo modo, envolvido no próprio mistério de Deus. Na noite de Belém, estas palavras, que de facto eram mais a expressão duma esperança que realidade presente, ganharam um sentido novo e inesperado. O Menino no presépio é verdadeiramente o Filho de Deus. Deus não é perene solidão, mas um círculo de amor no recíproco dar-se e um dar-se sem cessar. Ele é Pai, Filho e Espírito Santo.
Mais ainda: em Jesus Cristo, o Filho de Deus, o próprio Deus Se fez homem. É a Ele que o Pai diz: «Tu és meu filho». O hoje eterno de Deus desceu ao hoje efémero do mundo e arrasta o nosso hoje passageiro para o hoje perene de Deus. Deus é tão grande que Se pode fazer pequeno. Deus é tão poderoso que Se pode fazer inerme e vir ter connosco como menino indefeso, para que O possamos amar. Deus é tão bom que renuncia ao seu esplendor divino e desce ao estábulo para que O possamos encontrar e, assim, a sua bondade chegue também a nós, se nos comunique e continue a agir por nosso intermédio. O Natal é isto: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei». Deus tornou-Se um de nós, para que nós pudéssemos viver com Ele, tornarmo-nos semelhantes a Ele. Como próprio sinal, escolheu o Menino no presépio: Deus é assim. Deste modo, aprendemos a conhecê-Lo. E em todo o menino brilha algo da luz daquele hoje, da proximidade de Deus que devemos amar e à qual nos devemos submeter – em todo o menino, mesmo na criança ainda não nascida. " (Papa Bento, Homilia da Missa de Natal, 2005)

Sem. Rafael Viana Lima
III Ano de Filosofia do Seminário São José - RJ

Reflexão sobre o Salmo 1. 1-2





"Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.
Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite." (Sl 1, 1 - 2)
Com estas palavras Davi inaugura uma série de louvores ao Senhor, o Deus altíssimo, Aquele que tem criou tudo e que sustenta com o seu poder toda a criação. Deste modo, Davi quer expressar o verdadeiro programa de vida de quem quer ser bem aventurado, ou seja, feliz. Andar nos caminhos do Senhor e, não se deixar levar pelos conselhos dos injustos, e meditar continuamente a lei de Deus sem se desviar do caminho. Este é o método, a forma e o jeito para quem quer viver uma vida em Deus: não desviar do caminho do bem e meditar em seu coração a vontade de Deus para sua vida. Meditar sim, pois a lei de Deus representa a bússola que nos direciona para a felicidade e o gozo eterno. Sem ela (a lei) o homem se perde, se esconde de Deus e de si mesmo, tentando viver uma humanidade não-verdadeira, buscando em coisas e em realidades miseráveis o seu destino ultimo. A meditação na vontade de Deus é o critério para a abertura do coração tocado pelo Mistério de Deus. O coração que se agarra a vontade de Deus, experimenta o prazer já nessa vida e se coloca na direção do prazer infinito no céu. O Mistério que fez e que continua fazendo todas as coisas, me puxa pelos cabelos e me conduz até a plenitude do meu eu, ou seja, a comunhão com o verdadeiro Tu. Nesse 'Tu' eu encontro o sentido pleno da minha vida, ao passo que, a Sua vontade é também a minha vontade. Se eu descubro isso sou mais homem (mulher) permito que o Mistério norteei a minha vida.
Desejo que essas palavras que nos são oferecidas por Deus, aqui e agora, nos façam perceber a verdadeira beleza que existe em servir e deixar-se conduzir por Ele; se Ele nos toma pela mão e nos olha com a misericórdia que já é peculiar, entenderemos melhor que a Sua vontade é a perfeição que lava os nossos erros e nos transporta para as alegrias definitivas no céu.

Sem. Rafael Viana Lima
III Ano de Filosofia do Seminário São José - RJ

Reflexão sobre a Epístola de São Paulo aos Efésios 1, 20-23



"Ele manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania, ou qualquer título que se possa mencionar, não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro. Sim, ele pôs tudo sob seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal." (Ef 1 , 20 - 23)
O Apóstolo Paulo com tais palavras nos leva á contemplação do grande Mistério de Deus. Ele pôs aos pés de Cristo todas as coisas, tudo é dEle e para Ele. Cristo, o Ressuscitado, recebeu de Deus toda a soberania e majestade. O prêmio de seus sofrimentos é a glorificação da parte de Deus Pai. Aquele que sofreu os tormentos da morte e da incompreensão humana, sobe agora aos céus e retorna ao Pai. Deste modo, abre para nós o céu e nos dá a possibilidade de chegar até Deus. Que belo Mistério! O Onipotente, eleva a carne e leva consigo a nossa humanidade. O céu agora nos espera, pois o Senhor glorioso, o Vencedor, o Deus dos deuses, inaugurou uma vida nova para os seus. Aí está o fato da Ascensão: Ele preparou para nós um lugar.
Quando o primeiro astronauta Yuri Gagarin em 1961 realizou o primeiro vôo espacial, retornando à terra fez declaração surpreendente; “Fui até o céu, mas Deus não encontrei”. Ao invés, nós hoje, em todas as igrejas da cristandade, celebramos a festa da Ascensão ao céu do Senhor. O verdadeiro céu não é um espaço onde Deus pode ser contido, o verdadeiro céu é o coração de Deus. Lá conseguimos encontrar paz e sentiremos um gozo sem fim. Perpetuaremos as alegrias terrenas que são passageiras. Diante do Eterno gozaremos de sáude. O Absoluto preparou para nós os manjares celestias que matam a nossa fome. Somente lá o nosso destino encontrará plena realização.
Que o céu não seja uma fantasia pra nós, pelo contrário, seja " a esperança que o seu chamamento vos dá; qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotente." (Ef, 1, 18 - 19)

Sem. Rafael Viana Lima
III ano de Filosofia, Seminário São José - RJ

Salmo 118, 112



"Acostumei meu coração a obedecer-vos, a obedecer-vos para sempre, até o fim!" (Sl, 118, 112)
O que Davi quer dizer com isso? O que pretende ao dizer essas palavras tão fortes e tão carregadas de profundidade? O que quer explicitar com essa confissão? Sem dúvida a resposta tem origem na sua escolha como rei de Israel. Deus o escolhe dentre todos os seus irmãos, e a escolha de Deus parece até um pouco estranha. Dentre todos os filhos de Jessé, escolhe o mais novo e aparentemente o mais fraco. Davi era pastor, vivia no campo com as ovelhas; cuidava delas e assim vivia. Mais o que dizer para Deus, depois de uma escolha como esta? O que falar para ele? Como escapar de tão árdua missão (ser o rei do povo hebreu)? Com o seu sim Davi prefigura aquilo que durante muito tempo depois escreveria em forma de salmo: " Acostumei meu coração a obedecer-vos,
a obedecer-vos para sempre, até o fim!" No inicio o medo, normal para uma criatura humana. Depois a confiança em Deus. Vence o medo através da confiança em Deus. Eis o método da fé, confiar mesmo sem saber como se dará o propósito de Deus. Acostumar o coração signiifca, colocar Deus no centro da vida (de fato, para um judeu o coração é o local das grandes decisões) e deixar que a Sua vontade prevaleça. Acostumar o coração é essa abertura do ser do homem a Deus, não só neste momento mas: " obedecer-vos para sempre, até o fim!" A escolha de obedecer dever perpassar toda a existência do homem, até o fim de sua vida terrena. A felicidade passar por ai, deixar que o Senhor ocupe um lugar privilegiado na nossa vida deve ser motivo de leticia para nós. Somente com Ele e Nele somos felizes. Se olharmos para a vida de Davi veremos isso. Mesmo nas quedas seu coração se voltava para Deus em prece. Seu coração estava direcionado para o alto (Corações ao alto! diz o sacerdote na Missa) mesmo com a força da gravidade que nos puxa para baixo, a graça de Deus nos puxa para o alto. É lá que deve estar o nosso coração e a nossa alma.