quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Entrevista de Mel Gibson sobre a "Paixão de Cristo"




Mel Gibson narra a maior história jamais narrada
ROMA, 6 de março de 2003 (ZENIT.org)

Por que você quis fazer um filme sobre Jesus?

Estive amadurecendo a idéia faz uns dez ou doze anos, você perceberá que tinha então 35 anos. Foi então, quando comecei a aprofundar nas raízes da minha fé. Eu sempre acreditei em Deus, em sua existência. Na minha família me ensinaram a crer de certa forma. Mas na metade da minha vida, deixei minha fé um pouco de lado, e outras coisas ocuparam o primeiro lugar. Neste momento, compreendi que necessitava de algo mais se queria sobreviver. Eu me sentia impulsionado a uma leitura mais íntima dos Evangelhos, da história em seu conjunto. Aí foi quando a idéia começou a solidificar na minha cabeça. Comecei a ver o Evangelho com grande realismo, recriando-o em minha própria mente para que tivesse sentido para mim, para que fosse relevante para mim, para que fosse realmente relevante. Isto é o que eu quero levar à tela.

Já existe um grande número de filmes sobre Cristo. Por que mais uma?

Não creio que outros filmes tenham conseguido penetrar na verdadeira força desta história. Ou são inexatas na narração histórica, ou têm uma música ruim, ou são de mal gosto. Este filme mostrará a paixão de Cristo tal como aconteceu. É como regressar no tempo e contemplar aqueles fatos, apresentados exatamente como ocorreram.

Como pode estar tão seguro de que sua versão é tão fiel aos fatos?

Porque fizemos uma investigação. Eu estou contando a história como aparece na Bíblia, sem glosa. Fala por si mesma. O evangelho é um roteiro completo e isso é o que nós estamos filmando.

Este filme parece uma mudança de rumo em relação às famosas produções de Mel Gibson. Sua especialidade é a ação, a aventura e o romance. O que o motivou a fazer um filme religioso?

Estou fazendo o que sempre fiz: conto histórias. –que em minha opinião são importantes- como o idioma que melhor falo: o do cine. Penso que a maioria das histórias são histórias de heróis. As pessoas querem contagiar-se com algo superior, e ao tocá-lo com a imaginação praticamente participam dele, e assim elevam seu espírito. Não há nenhuma história com um herói maior que este. É a história do maior amor que se pode ter: dar a vida por alguém. <> é a maior aventura da história. Creio que é a maior história de amor de todos os tempos. Deus que se faz homem e é morto pelos homens. Se isto não é ação, então, o que é ação??

As pessoas estarão dispostas a ver um filme como este?

Penso que todos estaremos. Esta história inspirou arte, cultura, governos, reinos e países; teve uma influência.
Muitas pessoas buscam o sentido da vida propondo-se um grande número de interrogações. Virão ver o filme buscando respostas. Alguns as encontrarão, outros não.

Então, não é um filme só para cristãos?

O filme <> foi um grande sucesso, pois não era só para hindus. Este filme é para todos. Para crentes e não crentes. Jesus Cristo é, sem lugar a dúvidas, uma das figuras históricas mais importantes de todos os tempos. Tente mencionar alguma pessoa que tenha tido um impacto maior no curso da história.

Mas, se este filme quer levar o Evangelho à vida, não crês que será ofensivo para os não cristãos? Por exemplo, o papel dos líderes judeus na morte de Jesus, isso não será ofensivo?

Não é uma história de judeus contra cristãos. O próprio Jesus era judeu; sua mãe era judia e também seus doze apóstolos. É verdade que a Bíblia diz: <>. Eu não posso ocultá-lo. Mas não significa que os pecados do passado fossem piores que os pecados do presente. Cristo pagou o preço por todos os nossos pecados. A luta entre o bem e o mal, e o poder arrasador do amor estão muito acima da raça e da cultura. Este filme fala da fé, da esperança, do amor, do perdão. São realidades que serviriam ao mundo, especialmente nestes tempos tão turbulentos. Este filme quer inspirar, não ofender.

Mesmo assim, muitos pensarão que você pretende forçá-los às próprias crenças.

Eu não inventei esta história, mas é verdade que eu creio nela. É algo que a pessoa leva dentro de si mesmo e tem que sair. Simplesmente busco narrá-la bem, melhor do que foi feito anteriormente. Quando não se faz ficção científica, a responsabilidade de um diretor é a de ser o mais fiel possível aos fatos. As pessoas de mente aberta vão apreciá-lo.

A paixão de Cristo, tal como narram os Evangelhos, foi muito violenta. Se você é sumamente fiel a esta narração, não acha que as pessoas poderiam presenciar cenas muito violentas?

Para algumas pessoas podería resultar assim, mas… ei! Foi assim. Não há nada de violência gratuita neste filme. Creio que um menor de doze anos não deva vê-la, a não ser que seja muito maduro. É bastante forte. Nós nos acostumamos a ver crucifixos bonitos pendurados na parede. Dizemos: <>, porém quem se detém a pensar o que estas palavras realmente significam? Na minha infância, não percebia o que isto implicava. Não compreendia como foi duro. O profundo horror do que Ele sofreu por nossa redenção realmente não me impactava. Entender o que ele sofreu, inclusive humanamente, me faz sentir não só compaixão, mas também me faz sentir em dívida: eu quero compensá-lo pela imensidade do seu sacrifício.

E o que você nos diz sobre o idioma? Está gravado em línguas mortas: latim e aramaico, o idioma que Jesus falava. Além do mais, você não planeja por legendas. Isto não causará rechaço no público?

- As pinturas de Caravaggio não têm legendas, mas as pessoas captam a mensagem. O balé do Quebra-Nozes não tem legendas, mas as pessoas entendem a mensagem. Eu acho que a imagem superará a barreira do idioma. Esta é a minha esperança. Simplesmente estou tentando ser o mais real possível. Vê-lo nos idiomas originais é como uma sacudida. A realidade sai ao encontro e golpeia. Contato pleno. Eu sei que nós só estamos recriando, mas o fazemos o melhor possível, para transmitir a experiência de estar realmente lá. E penso que é quase contraproduzente dizer algumas destas frases em um idioma moderno. Isso obriga a colocar-se de pé e completar a frase. É como quando um escuta: <>, instintivamente uma pessoa se diz a si mesma: <>. Porém se você escuta as palavras ditas como as pronunciaram naquele momento, você pode se comover. Eu o comprovei quando rodamos o filme. Alcança claridade por atuação, através dos matizes dos caracteres, do movimento da câmera: é o movimento, a cronometragem, é tudo… E de repente tudo, tudo me resulta muito claro. Neste momento, corto e sigo.

Ao terminar este filme, não se desilusionará ao voltar a matérias menos sublimes?

Não, me encatará fazer algo mais ligeiro. Existe uma tremenda carga de responsabilidade neste filme, não se pode deixar nada pela metade. Espero fazer justiça à história. Também não é possível agradar a todos, mas, repito este não é meu objetivo.


--------------------------------------------------------------------------------

Entrevista en “O’Reilly Factor”
Fox News, 14 de janeiro de 2003

O’REILLY: … O ator Mel Gibson esteve durante alguns meses na Itália, rodando um controvertido filme que graficamente representa a execução de Jesus. O filme foi financiado pela Produtora de Gibson. Foi rodado em aramaico e latim, as línguas usadas na época.

Gibson é um homem religioso e crê que existe alguém nos meios de comunicação que quer desacreditar-lhe porque está fazendo um filme pró-cristão.

E, efetivamente, este programa realizou investigações e soube que há um repórter, de um meio escrito, que está tentando sujar o nome de Gibson. O rapaz inclusive se aproximou sob circunstâncias questionáveis do pai de Gibson, de 85 anos de idade.

Com interesse de que tudo se esclareça, e devido ao fato de que a produtora de Mel Gibson, ICON, ter comprado os direitos do meu romance, pelo qual tenho uma relação profissional, escolhi meu programa para falar disto.

Falei ontem com Mel Gibson desde Roma.

(Começa a gravação em vídeo)

O’REILLY: Sim, é. Nunca vi uma interpretação que se iguale a esta em realismo. É normal que, as versões que já vi, sofrem de penteados mal feitos, inadequações históricas, ou simplesmente não parecem reais. E de algum modo, devido a isto, creio que nos distanciamos dos fatos. São mais como contos de fadas. E isto realmente aconteceu. Ocorreu. Estou explorando neste sentido, em mostrar a essência do sacrifício.

O’REILLY: Você vai fazê-lo em Aramaico e Latim, de acordo, assim que ninguém vai entender o que se diz. As imagens vão ser explícitas e poderosas. Como é isto?

GIBSON: Bem, a coisa está em que se pode transcender a linguagem com a mensagem da imagem. E estou muito contente com o que estamos obtendo.

O’REILLY: Isto vai incomodar algumas pessoas que crêem que esta pessoa tratada com tanta brutalidade é Deus?

GIBSON: Bom, creio que qualquer um que conheça Jesus como Deus e creia nisto percebe que o trataram com brutalidade e nisto estou trabalhando. Porém não creio que as pessoas se incomodem por isto.

O’REILLY: Isto vai incomodar a população judia?

GIBSON: Pode. Mas não pretende isto.
Creio que só pretende contar a verdade. Quero ser tão fiel à verdade quanto passo. Porém quando se buscam as razões pelas quais Cristo veio, porque foi crucificado, morreu por toda a humanidade e sofreu por toda a humanidade. É hora de voltar à mensagem básica, a mensagem que foi dada. Na atualidade o mundo se tornou louco. E este filme fala, bem, Cristo falou de fé, esperança, amor, perdão. E creio que estas são coisas que necessitamos que nos sejam lembradas. Ele perdoou enquanto era torturado e assassinado. E podemos aprender muito deste comportamento.

O’REILLY: Soubemos que existe um repórter buscando tirar alguma coisa suja de você, e que esteve incomodando seu pai, buscando obter algum comentário provocativo da parte dele, e buscando mostrá-lo como um fanático e provavelmente intolerante, este tipo está atuando agora. Está buscando sujar a imagem de Mel Gibson.
E você acha que é por causa da realização deste filme sobre Jesus?

GIBSON: É o que eu penso, sim. Creio que o enviaram. Assim são estas coisas. Eu posso me defender, pode falar o que quiser de mim. Sou uma pessoa pública, suponho, por mais que não me lembro de ter assinado nada que dissesse que não tenho direito a minha intimidade. Mas podem se meter comigo. Mas quando começam a se meter com a minha família quando eu estou fora da cidade, preparem-se.

O’REILLY: Estou surpreso de que alguém esteja perseguindo uma pessoa de tão alta consideração como você. Realmente pensa que é devido ao fato de estar fazendo este filme sobre Jesus?

GIBSON: Sim, é o que eu penso. Creio que existem muitas coisas que não querem que aconteçam. Mas, como já disse, é um filme que fala de fé, esperança, amor e perdão. Esta é a mensagem básica. E creio que é ao que devemos voltar. E se todos praticássemos um pouco mais disto, haveriam muito menos conflitos no mundo.

O’REILLY: Assim, se este rapaz escreve algo terrível sobre você, e sobre seu pai ou sua família, você o perdoará?

GIBSON: Sim. Você tem que fazê-lo. Antes já o fiz. Mas me deixa perplexo quando acontece.

(Fim da gravação)


--------------------------------------------------------------------------------

Mel Gibson nega que filme sobre Jesus seja anti-semita
REUTERS, 13 de junho de 2003

LOS ANGELES (Reuters) – O ator Mel Gibson, quebrando seu silêncio sobre seu polêmico filme que descreve as 12 últimas horas na vida de Jesus Cristo, negou na sexta-feira que seu filme fosse anti-semita, e insistiu em que a produção tem a intenção de “inspirar e não ofender”.

Os comentários de Gibson foram incluídos em um comunicado que anunciou que a Igreja Católica concordou em ajudar a sua companhia de produção, ICON, a recuperar uma cópia do roteiro inicial do filme.

De acordo com ICON, várias pessoas, que trabalham temporariamente para acadêmicos judeus e católicos obtiveram sem permissão este roteiro inicial e o fizeram circular clandestinamente.

Líderes judeus em particular mostraram preocupação de que o filme, chamado “A paixão”, poderia retratar os judeus como culpáveis coletivos da crucificação de Cristo.

Os católicos, por sua parte, mostraram inquietude de que Gibson poderia usar o filme para desafiar os ensinamentos da Igreja.

Suas preocupações foram alimentadas por um artigo da revista do New York Times que mostrava Gibson como um católico tradicionalista, oposto às reformas do Concílio Vaticano II da década de 1960, que, entre outras coisas, rejeita a crença de que os judeus foram os responsáveis coletivamente da morte de Jesus.

Gibson teria falado pouco sobre seu filme, que foi filmado na Itália e contém diálogos só em latim e aramaico, sem legendas em inglês. Gibson dirigiu e co-escreveu o filme que ainda não tem distribuidor.

Em seus primeiros comentários públicos sobre o filme desde que começou a polêmica, Gibson disse “nem o filme nem eu somos anti-semitas (…) não odeio a ninguém, certamente não aos judeus. Eles são amigos e sócios, tanto no meu trabalho como na vida social”.

“O Anti-semitismo não só está em contra das minhas crenças pessoais, também contrário à mensagem do meu filme”.

Acrescentou que o filme “tem a intenção de inspirar, não ofender (…) Par aqueles que estejam preocupados sobre o conteúdo do filme, saibam que se adapta às narrações da paixão e morte de Cristo, que se encontram nos quatro evangelhos do Novo Testamento”.

O produtor do filme, Steve McEveety, disse que por mais que a crítica tem sua opinião, “ninguém tem o direito a criticar publicamente um filme que nem sequer está completo”.

Fonte: Zenit

" A Beleza salvará o mundo" (Fio Dostoiévski)




No dia 2 de Fevereiro lembramos a fifgura de Fio Dostoiévski. Morreu há 129 anos. Uma das suas frases mais célebres é “A beleza salvará o mundo”. Ainda que tenha sentido mesmo isolada, porque desejamos que a beleza conquiste mais espaço, tempo e importância (quem livremente opta pelo feio?), convém lê-la no contexto.
O conterrâneo Alexandre Soljenitsyne diz que durante muito tempo não compreendeu a frase, para a seguir interpretá-la neste sentido: o mundo há-de ficar convencido pela beleza (belos discursos, bela literatura, enfim, arte) de que a Beleza, a Verdade e do Bem estão unidos como se fossem uma árvores de três ramos. Cortar um deles é matar a árvore. A frase é “uma profecia”, diz o Nobel da Literatura de 1970. O texto, em inglês, pode ser lido aqui.

João Paulo II também citou a frase. Na “Carta aos Artistas”, de 1999, diz que beleza, assombro e entusiasmo andam juntos. “Já no limiar do terceiro milénio, desejo a todos vós, artistas caríssimos, que sejais abençoados, com particular intensidade, por essas inspirações criativas. A beleza, que transmitireis às gerações futuras, seja tal que avive nelas o assombro. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna. De tal assombro poderá brotar aquele entusiasmo (…) a que me referi ao início. Os homens de hoje e de amanhã têm necessidade deste entusiasmo, para enfrentar e vencer os desafios cruciais que se prefiguram no horizonte. Com tal entusiasmo, a humanidade poderá, depois de cada extravio, levantar-se de novo e retomar o seu caminho. Precisamente neste sentido foi dito, com profunda intuição, que «a beleza salvará o mundo» (n.º 25 da “Carta aos artistas”, aqui em português).

A palavra “entusiasmo” é etimologicamente interessante neste contexto, porque significa “levar Deus dentro de si mesmo”. Mas era isso que Dostoiévski queria dizer?

A afirmação surge no cap. 5 de terceira parte de “O Idiota”. Diz Ippolit, entre um grupo de amigos, numa noitada, depois de ter passado uns minutos pelo sono:

“É verdade que o príncipe disse, uma vez, que a «beleza» salvaria o mundo? Meus senhores – gritou bem alto –, o príncipe afirma que a beleza salvará o mundo! E eu afirmo que quem tem ideias tão jocosas está apaixonado. Meus senhores, o príncipe está apaixonado; mal ele entrou tive a certeza disso. Não core, príncipe, senão ainda tenho pena de si. Que beleza salvará o mundo? Foi o Kólia quem mo contou… É um cristão zeloso? O Kólia diz que o príncipe se qualifica a si mesmo de cristão…” (pág. 396 de “O Idiota”, Editorial Presença, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra).

O príncipe a que se refere Ippolit é Lev Nikoláevitch Míchkin, protagonista de “O Idiota”, o próprio idiota, o próprio Dostoiévski.

Umas páginas à frente, na 421, Míchkin conta:

“Quando me levantei para fechar a porta à chave depois de ele [Kólia] sair, lembrei-me subitamente de um quadro que vira nesse dia em casa de Rogójin, numa das mais sombrias salas da sua sombria casa, por cima da porta. Ele próprio no mostrou à passagem. Acho que fiquei parado diante do quadro uns cinco minutos, não menos. A pintura não era grande coisa em termos artísticos, mas mergulhou-me numa estranha inquietação.

Nesse quadro está pintado um Cristo que acabaram de tirar da cruz. Parece que os pintores têm o hábito de representar Cristo, tanto crucificado como tirado da cruz, sempre com um toque de beleza no rosto; mesmo nos momentos de sofrimento mais terrível, acham que devem conservar-lhe a beleza. Ora, no quadro de Rogójin não há o mínimo de beleza; aquilo é, no sentido mais pleno, o cadáver de uma pessoa que sofreu infinitamente, ainda antes da crucificação, feridas, torturas, espancamentos por parte dos guardas e do povo, quando carregava com a cruz e caiu debaixo dela, e, finalmente, o sofrimento atroz quando esteve pregado na cruz durante seis horas (de acordo com os meus cálculos, pelo menos). Também é verdade que há ainda muita vida, muito calor, no rosto de um homem que acabaram de tirar da cruz: o cadáver ainda não teve tempo de tornar-se rígido, no rosto do morto ainda transparece o sofrimento, como que sentido no próprio instante (este pormenor foi muito bem apanhado pelo artista); mesmo assim, aquele rosto não foi poupado; nele só há a natureza, e ponto, é mesmo assim o cadáver de uma pessoa, seja ela quem for, depois de semelhantes tormentos. Sei que a Igreja cristã estabeleceu, ainda nos primeiros séculos, que o Cristo não sofreu metaforicamente mas na lei da natureza, completa e absolutamente. No quadro, esse rosto está terrivelmente desfigurado por golpes, tumefacções, nódoas negras assustadoras, inchadas e sangrentas, tem os olhos abertos, as pupilas entortadas; o branco dos olhos, grande e aberto, tem um brilho lívido, vítreo. É estranho que, quando olhamos para este cadáver de homem torturado, surge uma pergunta especial e curiosa: se um cadáver assim (e ele devia sem dúvida ser tal e qual como este) foi visto por todos os seus discípulos, pelos principais futuros apóstolos dele, pelas mulheres que tinham fé nele e o adoravam, como foi possível que acreditassem, á vista deste cadáver, que este mártir ia ressuscitar? (…) Com este quadro parece estar expressa precisamente a noção de uma força obscura, descarada e eternamente sem sentido a que tudo fica submisso, e esta noção transmite-se-nos involuntariamente. As pessoas que rodeavam o morto, nenhuma das quais está presente no quadro, deviam sentir uma terrível amargura e perturbação naquela noite que esmagou de vez todas as suas esperanças e, talvez, todas as suas crenças” (fim de citação).

É esta não-beleza que salvará o mundo. Melhor, os cristãos sabem que foi esta beleza que salvou o mundo.

Fonte: Blog Tribo de Jacó

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carta do Santo Padre, Bento XVI, aos Seminaristas por ocasião da conclusão do Ano Sacerdotal




Queridos Seminaristas,

Em Dezembro de 1944, quando fui chamado para o serviço militar, o comandante de companhia perguntou a cada um de nós a profissão que sonhava ter no futuro. Respondi que queria tornar-me sacerdote católico. O subtenente replicou: Nesse caso, convém-lhe procurar outra coisa qualquer; na nova Alemanha, já não há necessidade de padres. Eu sabia que esta "nova Alemanha" estava já no fim e que, depois das enormes devastações causadas por aquela loucura no país, mais do que nunca haveria necessidade de sacerdotes. Hoje, a situação é completamente diversa; porém de vários modos, mesmo em nossos dias, muitos pensam que o sacerdócio católico não seja uma "profissão" do futuro, antes pertenceria já ao passado. Contrariando tais objeções e opiniões, vós, queridos amigos, decidistes-vos a entrar no Seminário, encaminhando-vos assim para o ministério sacerdotal na Igreja Católica. E fizestes bem, porque os homens sempre terão necessidade de Deus – mesmo na época do predomínio da técnica no mundo e da globalização –, do Deus que Se mostrou a nós em Jesus Cristo e nos reúne na Igreja universal, para aprender, com Ele e por meio d’Ele, a verdadeira vida e manter presentes e tornar eficazes os critérios da verdadeira humanidade. Sempre que o homem deixa de ter a noção de Deus, a vida torna-se vazia; tudo é insuficiente. Depois o homem busca refúgio na alienação ou na violência, ameaça esta que recai cada vez mais sobre a própria juventude. Deus vive; criou cada um de nós e, por conseguinte, conhece a todos. É tão grande que tem tempo para as nossas coisas mais insignificantes: "Até os cabelos da vossa cabeça estão contados". Deus vive, e precisa de homens que vivam para Ele e O levem aos outros. Sim, tem sentido tornar-se sacerdote: o mundo tem necessidade de sacerdotes, de pastores hoje, amanhã e sempre enquanto existir.

O Seminário é uma comunidade que caminha para o serviço sacerdotal. Nestas palavras, disse já algo de muito importante: uma pessoa não se torna sacerdote sozinha. É necessária a "comunidade dos discípulos", o conjunto daqueles que querem servir a Igreja de todos. Com esta carta, quero evidenciar – olhando retrospectivamente também para o meu tempo de Seminário – alguns elementos importantes para o vosso caminho a fazer nestes anos.

1. Quem quer tornar-se sacerdote, deve ser sobretudo um "homem de Deus", como o apresenta São Paulo (1 Tm 6, 11). Para nós, Deus não é uma hipótese remota, não é um desconhecido que se retirou depois do "big-bang". Deus mostrou-Se em Jesus Cristo. No rosto de Jesus Cristo, vemos o rosto de Deus. Nas suas palavras, ouvimos o próprio Deus a falar conosco. Por isso, o elemento mais importante no caminho para o sacerdócio e ao longo de toda a vida sacerdotal é a relação pessoal com Deus em Jesus Cristo. O sacerdote não é o administrador de uma associação qualquer, cujo número de membros se procura manter e aumentar. É o mensageiro de Deus no meio dos homens; quer conduzir a Deus, e assim fazer crescer também a verdadeira comunhão dos homens entre si. Por isso, queridos amigos, é muito importante aprenderdes a viver em permanente contato com Deus. Quando o Senhor fala de "orar sempre", naturalmente não pede para estarmos continuamente a rezar por palavras, mas para conservarmos sempre o contato interior com Deus. Exercitar-se neste contato é o sentido da nossa oração. Por isso, é importante que o dia comece e acabe com a oração; que escutemos Deus na leitura da Sagrada Escritura; que Lhe digamos os nossos desejos e as nossas esperanças, as nossas alegrias e sofrimentos, os nossos erros e o nosso agradecimento por cada coisa bela e boa, e que deste modo sempre O tenhamos diante dos nossos olhos como ponto de referência da nossa vida. Assim tornamo-nos sensíveis aos nossos erros e aprendemos a trabalhar para nos melhorarmos; mas tornamo-nos sensíveis também a tudo o que de belo e bom recebemos habitualmente cada dia, e assim cresce a gratidão. E, com a gratidão, cresce a alegria pelo fato de que Deus está perto de nós e podemos servi-Lo.

2. Para nós, Deus não é só uma palavra. Nos sacramentos, dá-Se pessoalmente a nós, através de elementos corporais. O centro da nossa relação com Deus e da configuração da nossa vida é a Eucaristia; celebrá-la com íntima participação e assim encontrar Cristo em pessoa deve ser o centro de todas as nossas jornadas. Para além do mais, São Cipriano interpretou a súplica do Evangelho "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" dizendo que o pão "nosso", que, como cristãos, podemos receber na Igreja, é precisamente Jesus eucarístico. Por conseguinte, na referida súplica do Pai Nosso, pedimos que Ele nos conceda cada dia este pão "nosso"; que o mesmo seja sempre o alimento da nossa vida, que Cristo ressuscitado, que Se nos dá na Eucaristia, plasme verdadeiramente toda a nossa vida com o esplendor do seu amor divino. Para uma reta celebração eucarística, é necessário aprendermos também a conhecer, compreender e amar a liturgia da Igreja na sua forma concreta. Na liturgia, rezamos com os fiéis de todos os séculos; passado, presente e futuro encontram-se num único grande coro de oração. A partir do meu próprio caminho, posso afirmar que é entusiasmante aprender a compreender pouco a pouco como tudo isto foi crescendo, quanta experiência de fé há na estrutura da liturgia da Missa, quantas gerações a formaram rezando.

3. Importante é também o sacramento da Penitência. Ensina a olhar-me do ponto de vista de Deus e obriga-me a ser honesto comigo mesmo; leva-me à humildade. Uma vez o Cura d’Ars disse: Pensais que não tem sentido obter a absolvição hoje, sabendo entretanto que amanhã fareis de novo os mesmos pecados. Mas – assim disse ele – o próprio Deus neste momento esquece os vossos pecados de amanhã, para vos dar a sua graça hoje. Embora tenhamos de lutar continuamente contra os mesmos erros, é importante opor-se ao embrutecimento da alma, à indiferença que se resigna com o fato de sermos feitos assim. Na grata certeza de que Deus me perdoa sempre de novo, é importante continuar a caminhar, sem cair em escrúpulos, mas também sem cair na indiferença, que já não me faria lutar pela santidade e o aperfeiçoamento. E, deixando-me perdoar, aprendo também a perdoar aos outros; reconhecendo a minha miséria, também me torno mais tolerante e compreensivo com as fraquezas do próximo.

4. Mantende em vós também a sensibilidade pela piedade popular, que, apesar de diversa em todas as culturas, é sempre também muito semelhante, porque, no fim de contas, o coração do homem é o mesmo. É certo que a piedade popular tende para a irracionalidade e, às vezes, talvez mesmo para a exterioridade. No entanto, excluí-la, é completamente errado. Através dela, a fé entrou no coração dos homens, tornou-se parte dos seus sentimentos, dos seus costumes, do seu sentir e viver comum. Por isso a piedade popular é um grande patrimônio da Igreja. A fé fez-se carne e sangue. Seguramente a piedade popular deve ser sempre purificada, referida ao centro, mas merece a nossa estima; de modo plenamente real, ela faz de nós mesmos "Povo de Deus".

5. O tempo no Seminário é também e sobretudo tempo de estudo. A fé cristã possui uma dimensão racional e intelectual, que lhe é essencial. Sem tal dimensão, a fé deixaria de ser ela mesma. Paulo fala de uma "norma da doutrina", à qual fomos entregues no Batismo (Rm 6, 17). Todos vós conheceis a frase de São Pedro, considerada pelos teólogos medievais como a justificação para uma teologia elaborada racional e cientificamente: "Sempre prontos a responder […] a todo aquele que vos perguntar 'a razão' (logos) da vossa esperança" (1 Ped 3, 15). Adquirir a capacidade para dar tais respostas é uma das principais funções dos anos de Seminário. Tudo o que vos peço insistentemente é isto: Estudai com empenho! Fazei render os anos do estudo! Não vos arrependereis. É certo que muitas vezes as matérias de estudo parecem muito distantes da prática da vida cristã e do serviço pastoral. Mas é completamente errado pôr-se imediatamente e sempre a pergunta pragmática: Poderá isto servir-me no futuro? Terá utilidade prática, pastoral? É que não se trata apenas de aprender as coisas evidentemente úteis, mas de conhecer e compreender a estrutura interna da fé na sua totalidade, de modo que a mesma se torne resposta às questões dos homens, os quais, do ponto de vista exterior, mudam de geração em geração e todavia, no fundo, permanecem os mesmos. Por isso, é importante ultrapassar as questões volúveis do momento para se compreender as questões verdadeiras e próprias e, deste modo, perceber também as respostas como verdadeiras respostas. É importante conhecer a fundo e integralmente a Sagrada Escritura, na sua unidade de Antigo e Novo Testamento: a formação dos textos, a sua peculiaridade literária, a gradual composição dos mesmos até se formar o cânon dos livros sagrados, a unidade dinâmica interior que não se nota à superfície, mas é a única que dá a todos e cada um dos textos o seu pleno significado. É importante conhecer os Padres e os grandes Concílios, onde a Igreja assimilou, refletindo e acreditando, as afirmações essenciais da Escritura. E poderia continuar assim: aquilo que designamos por dogmática é a compreensão dos diversos conteúdos da fé na sua unidade, mais ainda, na sua derradeira simplicidade, pois cada um dos detalhes, no fim de contas, é apenas explanação da fé no único Deus, que Se manifestou e continua a manifestar-Se a nós. Que é importante conhecer as questões essenciais da teologia moral e da doutrina social católica, não será preciso que vo-lo diga expressamente. Quão importante seja hoje a teologia ecumênica, conhecer as várias comunidade cristãs, é evidente; e o mesmo se diga da necessidade duma orientação fundamental sobre as grandes religiões e, não menos importante, sobre a filosofia: a compreensão daquele indagar e questionar humano ao qual a fé quer dar resposta. Mas aprendei também a compreender e – ouso dizer – a amar o direito canônico na sua necessidade intrínseca e nas formas da sua aplicação prática: uma sociedade sem direito seria uma sociedade desprovida de direitos. O direito é condição do amor. Agora não quero continuar o elenco, mas dizer-vos apenas e uma vez mais: Amai o estudo da teologia e segui-o com diligente sensibilidade para ancorardes a teologia à comunidade viva da Igreja, a qual, com a sua autoridade, não é um pólo oposto à ciência teológica, mas o seu pressuposto. Sem a Igreja que crê, a teologia deixa de ser ela própria e torna-se um conjunto de disciplinas diversas sem unidade interior.

6. Os anos no Seminário devem ser também um tempo de maturação humana. Para o sacerdote, que terá de acompanhar os outros ao longo do caminho da vida e até às portas da morte, é importante que ele mesmo tenha posto em justo equilíbrio coração e intelecto, razão e sentimento, corpo e alma, e que seja humanamente "íntegro". Por isso, a tradição cristã sempre associou às "virtudes teologais" as "virtudes cardeais", derivadas da experiência humana e da filosofia, e também em geral a sã tradição ética da humanidade. Di-lo, de maneira muito clara, Paulo aos Filipenses: "Quanto ao resto, irmãos, tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento" (4, 8). Faz parte deste contexto também a integração da sexualidade no conjunto da personalidade. A sexualidade é um dom do Criador, mas também uma função que tem a ver com o desenvolvimento do próprio ser humano. Quando não é integrada na pessoa, a sexualidade torna-se banal e ao mesmo tempo destrutiva. Vemos isto, hoje, em muitos exemplos da nossa sociedade. Recentemente, tivemos de constatar com grande mágoa que sacerdotes desfiguraram o seu ministério, abusando sexualmente de crianças e adolescentes. Em vez de levar as pessoas a uma humanidade madura e servir-lhes de exemplo, com os seus abusos provocaram devastações, pelas quais sentimos profunda pena e desgosto. Por causa de tudo isto, pode ter-se levantado em muitos, e talvez mesmo em vós próprios, esta questão: se é bom fazer-se sacerdote, se o caminho do celibato é sensato como vida humana. Mas o abuso, que há que reprovar profundamente, não pode desacreditar a missão sacerdotal, que permanece grande e pura. Graças a Deus, todos conhecemos sacerdotes convincentes, plasmados pela sua fé, que testemunham que, neste estado e precisamente na vida celibatária, é possível chegar a uma humanidade autêntica, pura e madura. Entretanto o sucedido deve tornar-nos mais vigilantes e solícitos, levando precisamente a interrogarmo-nos cuidadosamente a nós mesmos diante de Deus ao longo do caminho rumo ao sacerdócio, para compreender se este constitui a sua vontade para mim. É função dos padres confessores e dos vossos superiores acompanhar-vos e ajudar-vos neste percurso de discernimento. É um elemento essencial do vosso caminho praticar as virtudes humanas fundamentais, mantendo o olhar fixo em Deus que Se manifestou em Cristo, e deixar-se incessantemente purificar por Ele.

7. Hoje os princípios da vocação sacerdotal são mais variados e distintos do que nos anos passados. Muitas vezes a decisão para o sacerdócio desponta nas experiências de uma profissão secular já assumida. Frequentemente cresce nas comunidades, especialmente nos movimentos, que favorecem um encontro comunitário com Cristo e a sua Igreja, uma experiência espiritual e a alegria no serviço da fé. A decisão amadurece também em encontros muito pessoais com a grandeza e a miséria do ser humano. Deste modo os candidatos ao sacerdócio vivem muitas vezes em continentes espirituais completamente diversos; poderá ser difícil reconhecer os elementos comuns do futuro mandato e do seu itinerário espiritual. Por isso mesmo, o Seminário é importante como comunidade em caminho que está acima das várias formas de espiritualidade. Os movimentos são uma realidade magnífica; sabeis quanto os aprecio e amo como dom do Espírito Santo à Igreja. Mas devem ser avaliados segundo o modo como todos se abrem à realidade católica comum, à vida da única e comum Igreja de Cristo que permanece uma só em toda a sua variedade. O Seminário é o período em que aprendeis um com o outro e um do outro. Na convivência, por vezes talvez difícil, deveis aprender a generosidade e a tolerância não só suportando-vos mutuamente, mas também enriquecendo-vos um ao outro, de modo que cada um possa contribuir com os seus dotes peculiares para o conjunto, enquanto todos servem a mesma Igreja, o mesmo Senhor. Esta escola da tolerância, antes do aceitar-se e compreender-se na unidade do Corpo de Cristo, faz parte dos elementos importantes dos anos de Seminário.

Queridos seminaristas! Com estas linhas, quis mostrar-vos quanto penso em vós precisamente nestes tempos difíceis e quanto estou unido convosco na oração. Rezai também por mim, para que possa desempenhar bem o meu serviço, enquanto o Senhor quiser. Confio o vosso caminho de preparação para o sacerdócio à proteção materna de Maria Santíssima, cuja casa foi escola de bem e de graça. A todos vos abençoe Deus onipotente Pai, Filho e Espírito Santo.

Dado no Vaticano, aos 18 de Outubro - Festa de São Lucas, Evangelista - do ano de 2010.

Vosso no Senhor.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Palavras do Papa na 1ª Congregação do Sínodo para Oriente Médio


Queridos irmãos e irmãs,

em 11 de outubro de 1962, trinta e oito anos atrás, Papa João XXIII inaugurava o Concílio Vaticano II. Celebrava-se ainda em 11 de outubro a festa da Maternidade divina de Maria, e, com esse gesto, com essa data, Papa João desejava confiar todo o Concílio às mãos maternas, ao coração materno de Nossa Senhora. Também nós começamos em 11 de outubro, também nós desejamos confiar este Sínodo, com todos os problemas, com todos os desafios, com todas as esperanças, ao coração materno de Nossa Senhora, da Mãe de Deus.

Pio XI, em 1930, havia introduzido essa festa, 1600 anos após o Concílio de Éfeso, o qual havia legitimado, para Maria, o título Theotókos, Dei Genitrix. Nesta grande palavra Theotókos, Dei Genitrix, Theotókos, o Concílio de Éfeso havia resumido toda a doutrina de Cristo, de Maria, toda a doutrina da redenção. E, portanto, vale a pena refletir um pouco, um momento, sobre isso de que fala o Concílio de Éfeso, isto de que fala este dia.

Na realidade, Theotókos é um título audaz. Uma mulher é Mãe de Deus. Poder-se-ia dizer: como é possível? Deus é eterno, é o Criador. Nós somos criaturas, estamos no tempo: como poderia uma pessoa humana ser Mãe de Deus, do Eterno, dado que nós estamos no tempo, somos todos criaturas? Por isso compreende-se que era forte a oposição, em parte, contra essa palavra. Os nestorianos diziam: pode-se falar de Christotókos, sim, mas de Theotókos não: Theós, Deus, é outro, acima dos acontecimentos da história. Mas o Concílio decidiu isso, e exatamente assim lançou luzes sobre a aventura de Deus, a grandiosidade do quanto fez por nós. Deus não permaneceu em si: saiu de si, uniu-se de tal modo, tão radicalmente com este homem, Jesus, que este homem Jesus é Deus, e se falamos d'Ele, podemos sempre também falar de Deus. Não nasceu somente um homem que tinha a ver com Deus, mas n'Ele nasceu Deus sobre a terra. Deus saiu de si. Mas podemos também dizer o contrário: Deus nos atraiu para si mesmo, de tal forma que não estivéssemos mais fora de Deus, mas no seu íntimo, na intimidade de Deus mesmo.
A filosofia aristotélica, bem o sabemos, diz-nos que entre Deus e o homem existe somente uma relação não recíproca. O homem refere-se a Deus, mas Deus, o Eterno, está em si, não muda: não pode ter hoje uma e amanhã outra relação. Está em si, não tem relação ad extra. É uma palavra muito lógica, mas é uma palavra que nos traz desespero: então Deus mesmo não tem relação comigo. Com a encarnação, com o surgimento da Theotókos, isso é mudado radicalmente, porque Deus nos atraiu para si mesmo e Deus em si mesmo é relação e nos faz participar na sua relação interior. Assim estamos no seu ser Pai, Filho e Espírito Santo, estamos no interior do seu ser em relação, estamos em relação com Ele e Ele realmente criou relação conosco. Naquele momento, Deus desejou nascer de uma mulher e ser sempre ele próprio: esse é o grande evento. E assim podemos compreender a profundidade do ato do Papa João, que confiou a Assembleia conciliar, sinodal, ao mistério central, à Mãe de Deus que foi atraída pelo Senhor n'Ele mesmo, e assim nós todos com Ela.
O Concílio Vaticano II começou com o ícone da Theotókos. Ao final, Papa Paulo VI reconhece à mesma Nossa Senhora o título de Mater Ecclesiae. E esses dois ícones, que iniciam e concluem o Concílio, estão intrinsecamente vinculados, são, enfim, um só ícone. Porque Cristo não nasceu como um indivíduo entre os outros. Nasceu para criar um corpo: nasceu – como diz João no capítulo 12 de seu Evangelho – para atrair todos a si e em si. Nasceu – como dizem as Cartas aos Colossenses e aos Efésios – para recapitular todo o mundo, nasceu como primogênito de muitos irmãos, nasceu para reunir o cosmo em si, de tal forma que Ele é a Cabeça de um grande Corpo. Onde nasce Cristo, inicia o movimento da recapitulação, inicia o movimento do chamado, da construção do seu corpo, da santa Igreja. A Mãe de Theós, a Mãe de Deus, é Mãe da Igreja, porque é Mãe d'Aquele que veio para reunir-nos todos no seu Corpo ressuscitado.

São Lucas faz-nos compreender esse paralelismo entre o primeiro capítulo do seu Evangelho e o primeiro capítulo dos Atos dos Apóstolos, que repetem sobre dois níveis o mesmo mistério. No primeiro capítulo do Evangelho, o Espírito Santo vem sobre Maria e assim dá à luz e nos dá o Filho de Deus. No primeiro capítulo dos Atos dos Apóstolos, Maria está ao centro dos discípulos de Jesus, que rezam todos juntos, implorando a efusão do Espírito Santo. E assim da Igreja fiel, com Maria no centro, nasce a Igreja, o Corpo de Cristo. Esse dúplice nascimento é o único nascimento do Christus totus, do Cristo que abraça o mundo e nós todos.

Nascimento em Belém, nascimento no Cenáculo. Nascimento de Jesus Menino, nascimento do Corpo de Cristo, da Igreja. São dois acontecimentos ou um único acontecimento. Mas entre os dois estão realmente a Cruz e a Ressurreição. E somente através da Cruz acontece o caminho rumo à totalidade do Cristo, rumo ao seu Corpo ressuscitado, na direção da universalização do seu ser na unidade da Igreja. E assim, tendo presente que somente do grão caído na terra surge, em seguida, a grande colheita, do Senhor perfurado sobre a Cruz surge a universalidade dos seus discípulos reunidos nesse seu Corpo, morto e ressuscitado.
Tendo em conta este nexo entre Theotókos e Mater Ecclesiae, o nosso olhar dirige-se ao último livro da Sagrada Escritura, o Apocalipse, onde, no capítulo 12, aparece exatamente essa síntese. A mulher vestida de sol, com doze estrelas sobre a cabeça e lua sob os pés, dá à luz. E dá à luz com um grito de dor, dá à luz com grande dor. Aqui o mistério mariano é o mistério de Belém alargado ao mistério cósmico. Cristo nasce sempre de novo em todas as gerações e, assim, assume, recolhe a humanidade em si mesmo. E esse nascimento cósmico realiza-se no grito da Cruz, na dor da Paixão. E a esse grito da Cruz pertence o sangue dos mártires.

Assim, neste momento, podemos lançar o olhar no segundo Salmo desta Hora Média, o Salmo 81, onde se vê uma parte desse processo. Deus está entre os deuses – ainda então considerados em Israel como deuses. Nesse Salmo, em uma grande concentração, em uma visão profética, vê-se o enfraquecimento dos deuses. Aqueles que pareciam deuses não são deuses e perdem o caráter divino, caem por terra. Dii estis et moriemini sicut nomine (cf. Sal 81, 6-7): o enfraquecimento, a queda da divindade.

Esse processo que se realiza no longo caminho da fé de Israel, e que é sintetizado em uma única visão, é um processo verdadeiro da história da religião: a queda dos deuses. E assim a transformação do mundo, o conhecimento do verdadeiro Deus, o enfraquecimento das forças que dominam a terra, é um processo de dor. Na história de Israel vemos como esse libertar-se do politeísmo, esse reconhecimento – "somente Ele é Deus" – realiza-se em meio a tantas dores, começando pelo caminho de Abraão, o exílio, os Macabeus, até Cristo, E na história continua esse processo de enfraquecimento, do qual fala o Apocalipse no capítulo 12; fala da queda dos anjos, que não são anjos, não são divindades sobre a terra. E realiza-se realmente, exatamente no tempo da Igreja nascente, onde vemos como, com o sangue dos mártires, são enfraquecidas as divindades, começando pelo imperador divino, todas estas divindades. É o sangue dos mártires, a dor, o grito da Mãe Igreja que lhes faz cair e transforma assim o mundo.

Essa queda não é somente o conhecimento de que esses não são Deus; é o processo de transformação do mundo, que custa o sangue, custa o sofrimento das testemunhas de Cristo. E, se vemos vem, percebemos que esse processo não acabou. Realiza-se nos diversos períodos da história de formas sempre novas; também hoje, neste momento, com a dor, o martírio das testemunhas. Pensamos nos grandes poderes da história de hoje, pensamos nos capitais anônimos que escravizam o homem, que não são mais algo do homem, mas são um poder anônimo ao qual os homens servem, pelos quais os homens são atormentados e até mesmo massacrados. São um poder destrutivo, que ameaçam o mundo. E, em seguida, o poder das ideologias terroristas. Aparentemente em nome de Deus é feita violência, mas não é Deus: são falsas divindades, que devem ser desmascaradas, que não são Deus. E, em seguida, a droga, esse poder que, como uma besta voraz, estende as suas mãos sobre todas as partes da terra e destrói: é uma divindade, mas uma divindade falsa, que deve cair. Ou também o modo de viver propagado pela opinião pública: hoje se faz assim, o matrimônio não conta mais, a castidade não é mais uma virtude, e assim por diante.

Essas ideologias que dominam, que se impõem com força, são divindade. E na dor dos santos, na dor dos fiéis, da Mãe Igreja, da qual nós somos parte, devem cair essas divindades, deve realizar-se o que diz a Carta aos Colossenses e aos Efésios: as dominações, os poderes caem e tornam-se súditos do único Senhor Jesus Cristo. Desta luta na qual nós estamos, deste enfraquecimento de deus, dessa queda dos falsos deuses, que caem porque não são divindade, mas poderes que destroem o mundo, fala o Apocalipse no capítulo 12, também com uma imagem misteriosa, da qual, parece-me, podem ser feitas diversas belas interpretações. É dito que o dragão coloca um grande rio de água contra a mulher em fuga para oprimi-la. E parece inevitável que a mulher seja afogada neste rio. Mas a boa terra absorve esse rio e ele não pode produzir danos. Eu penso que o rio seja facilmente interpretável: são essas correntes que dominam a todos e que desejam fazer desaparecer a fé da Igreja, a qual não parece mais ter lugar diante da força dessas correntes que se impõem como a única racionalidade, como único modo de viver. E a terra que absorve essas correntes é a fé dos simples, que não se deixa abater por esses rios e salva a Mãe e salva o Filho. Por isso o Salmo diz – o primeiro salmo da Hora Média – a fé dos simples é a verdadeira salvação (cf. Sal 118,130). Essa salvação verdadeira da fé simples, que não se deixa devorar pelas águas, é a força da Igreja. E então retornamos ao mistério mariano.

E há também uma última palavra no Salmo 81, "movebuntur omnia fundamenta terrae" (Sal 81,5), vacilam os fundamentos da terra. Percebemos isso hoje, com os problemas climáticos, como são ameaçados os fundamentos da terra, mas são ameaçados pelo nosso comportamento. Vacilam os fundamentos exteriores porque vacilam os fundamentos interiores, os fundamentos morais e religiosos, a fé da qual vem o reto modo de viver. E sabemos que a fé é o fundamento, e, definitivamente, os fundamentos da terra não podem vacilar se permanecem firmes a fé, a verdadeira salvação.

E, em seguida, o Salmo diz: "Levai-vos, Senhor, e julgai a terra" (Sal 81,8). Assim dizemos também nós ao Senhor: "Levantai-vos neste momento, tomai a terra entre as vossas mãos, protegei a vossa Igreja, protegei a humanidade, protegei a terra". E confiamo-nos de novo à Mãe de Deus, a Maria, e rezamos: "Vós, a grande fiel, vós que abristes a terra ao céu, ajudai-nos, abri também hoje as portas, para que seja vencedora a verdade, a vontade de Deus, que é o verdadeiro bem, a verdadeira salvação do mundo". Amém!

Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé
(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)

domingo, 3 de outubro de 2010

Dom Hélder, um grande Bispo da Igreja de Cristo.


A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar.
Feliz de quem atravessa a vida inteira tendo mil razões para viver.

As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Levo-as no coração.


Feliz de quem entende que é preciso mudar muito pra ser sempre o mesmo.

Não há penitência melhor do que aquela que Deus coloca em nosso caminho todos os dias.

Não me dou a penitências.Com todo respeito que me merecem os santos, não sou homem de autoflagelações... Não há penitência melhor do que aquelas que Deus coloca em nosso caminho.

Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.

Se discordas de mim, tu me enriqueces.

... Feliz de quem passa pela vida; tendo mil razões para vivê-la ...

Se der pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostrar por que os pobres não tem pão, me chamam de comunista e subversivo.

Deus nos ensinou anão aceitar facilidades,mas a encontar Vida na dureza da Cruz

Cardeal Hans Urs Von Baltazar (Lucerna, Suíça; 12 de Agosto de 1905 - Basiléia, Suíça; 26 de Junho de 1988)




Teólogo jesuíta suíço, nascido em 1905, em Lucerna. Foi um dos mais importantes do século XX (considerado o favorito do papa João Paulo II, que o fez cardeal nos últimos dias de sua vida). Estudou germanismo e filosofia em Viena, Berlim e Zurique (1923-1929) e filosofia e teologia em Lyon e Pullach (1929-1938).

Depois de ser ordenado sacerdote, exerceu seu ministério em Munique, Zurique e Basilea como capelão de estudantes. Sua obra recolhe as incitações mais fecundas do pensamento alemão e francês e da teologia cósmica dos padres gregos.

Ordenado padre em 1936, von Balthasar foi jesuíta até 1950. Nesse ano deixou a Sociedade de Jesus, como consequência de, no desempenho da sua missão, se ter tornado amigo e confessor de Adrienne von Speyr, uma viúva convertida ao catolicismo. As suas visões e escritos místicos, bem como a "Comunidade de S. João" (para leigos, fundada pelos dois), não eram reconhecidos pela Igreja, pelo que o teólogo se desvinculou dos jesuítas, como "aplicação da obediência cristã a Deus".

O teólogo que defendia uma "teologia ajoelhada", isto é, o pensamento teológico tem de estar ligado à oração e à adoração, em vez de ser mera análise sistemática, foi o grande ausente do Concílio do Vaticano II, embora ideias como a da Igreja santa mas "sempre necessitada de purificação e de penitência" lhe sejam caras.

Von Balthasar deixou uma importante coleção de escritos — alguns deles, tratados teológicos de grande profundidade. Balthasar também deixou obras leves, como "A tríplice guirlanda", que é um comentário sobre a Ave Maria.

Segundo outro grande teólogo, Henri de Lubac, ele era "o homem mais culto do nosso tempo"; ele "tentou colocar o tema da beleza como fundamento da reflexão teológica", explica o monge Enzo Bianchi. Von Balthasar quis construir uma teologia que intui na beleza da "figura" de Cristo o caminho fundamental para se chegar ao cristianismo. Os outros dois pontos fundamentais, a verdade e a bondade, não têm nenhuma possibilidade de atrair o homem, a não ser que este se sinta atraído pela beleza de Cristo crucificado, irradiada sobre todo o cosmos através da ressurreição. Segundo Balthasar existem três maneiras de entrar em contato com a beleza de Cristo: a Sagrada Escritura, definida como "espelho", "imagem canônica"; a Eucaristia, "mistério de fé", ou representação da plenitude da salvação cristã; e a Igreja, "forma imperfeita", que torna perceptível a beleza de Cristo.


Diz-se que Hans Urs von Balthasar era o teólogo preferido de João Paulo II. E, de fato, não pelas suas preferências, mas pelo contributo dado à Teologia e à Igreja, o Papa Wojtyla nomeou-o cardeal. A recepção do título, apenas honorífico, visto não poder participar em um conclave, estava marcada para 28 de Junho de 1988. Hans Urs von Balthasar entra para a glória do Senhor dois dias antes, quando se preparava para celebrar Missa.

Seus títulos mais representativos são, entre outros, A essência da verdade (1942), Teologia da história (1950), A oração contemplativa (1955), O problema de Deus no homem atual (1956), Glória, uma estética teológica (1961-1969), Pneuma e instituição (1974) e Se não vos fazeis como esta criança (1985). Em 1988 foi promovido ao cardinalato e criado cardeal a título póstumo.

Von Balthasar faleceu em 1988, em Basilea.

PENSAMENTOS DE HANS URS VON BALTHASAR

O texto seguinte se refere à cena do Evangelho em que Maria e José perdem Jesus, até o encontrarem no Templo.

"'Por que você fez isso conosco — diz a Virgem? Eu e o seu pai te procurávamos aflitos!' Ele (o Cristo) não pode poupá-los desse sofrimento. Só nessa busca um cristão pode 'encontrar'; uma busca tão séria que é como se tudo dependesse dessa coisa que se quer encontrar. Não há outra recomendação para a vida cristã a não ser esta: só podemos encontrar Jesus no lugar onde ele se entregou a Deus. Todo cristão deve procurá-lo 'entre parentes e conhecidos', para cima e para baixo da estrada; mas no final, sempre ouviremos dele as palavras: 'Não sabíeis que eu devo tratar das coisas do meu Pai?' Muito provavelmente, como Maria e José, a princípio não entenderemos nada, e teremos de procurar ainda mais. Maria Madalena o procura no sepulcro, mas depois que Ele se deixa encontrar, ela tenta segurá-lo, e ele desaparece. Da mesma forma, ele some da vista dos discípulos de Emaús no momento em que, finalmente, eles conseguem identificá-lo. Nós só o encontramos definitivamente 'no lugar do Pai', no céu, — isto é, quando 'encontrar' já não significa delimitar Deus no nosso próprio espaço, mas significa que nós fomos 'encontrados' por Deus, que nós entramos no espaço Dele, que nós somos 'conhecidos por Deus', como diz são Paulo. 'Deus é infinito, de modo que continuaremos procurando por Ele mesmo depois de tê-lo encontrado' (Santo Agostinho)".

"Esse total dom de si, para o qual o Filho e o Espírito Santo respondem, repetirão, significa algo como uma "morte", uma primeira e radical "kenose", se se quiser: uma "super morte", que se encontra como aspecto de todo amor e que fundamentará no interior da criatura tudo aquilo que nela poderá ser uma boa morte: do esquecer-se de si mesma pela criatura amada até aquele supremo amor que "dá a vida por seus amigos" .

"A Teologia é uma ciência 'de joelhos'".

"A infância e a morte estão uma ao lado da outra: o seu mistério essencial chama-se simplesmente. entregar-se a si mesmo de forma completa. A criança manifesta-se no mundo nua no corpo e nua do espírito, enquanto inerme deve confiar-se ao mistério do Pai. Tudo aquilo que se encontra entre onascimento e a morte constitui um parêntese. A sua seriedade faz parte do jogo de Deus: todavia, no início e no final revela-se sem qualquer obstáculo o modo de jogar: o Filho do Pai, que procede eternamente dele, volta para Ele também de forma eterna, e em cada instante de tempo. E nós, crianças, somos convidados a participar precisamente neste jogo"

"Em todas as culturas não cristãs a criança tem uma importância somente marginal, porque é simplesmente um estado que precede o homem adulto. Necessita-se da encarnação de Cristo para que possamos ver não somente a importância antropológica, mas também aquela teológica e eterna do nascer, a bem-aventurança definitiva do ser a partir de um sinal que gera e dá à luz"

"Tudo o que é humano é argila nas mãos do Criador e Redentor".

"Para os cristãos não existe qualquer motivo que os leve a restringir o conceito de espiritualidade ao espaço cristão"

"Se agora passamos a ver as coisas através da espiritualidade da ação (Aristóteles), tem de dizer-se então que ela (espiritualidade da ação) é justamente importante para o Eros absoluto. Mais ainda: ela desempenha na espiritualidade humana um papel indispensável e decisivo, no sentido de que ajuda e facilita ao Eros a consecução da sua tarefa, qual é a de permanecer ativamente no espaço mundano, visto como lugar obrigatório do seu exercício, provação, educação e purificação. Este campo de atividade é para o homem necessariamente duplo: primeiro, porque é Eros entre o Eu e o Tu, não só à dimensão sexual, como também à supra-sexual, ao nível da amizade; depois, porque é também Eros como entrega à sociedade (povo, estado, humanidade) e à comum empresa de humanidade (cultura, técnica e progresso). Esta dualidade característica do Eros assenta porém na própria essência do homem: ele é efetivamente uma pessoa exclusiva, quando visto na sua relação ao corpo. Mas simultaneamente ele é também espírito e como tal aberto e obrigado a ser universal (…) Em todo o caso, é devido à estrutura do Eros, olhado como desejo de realização do Espírito, que o homem se sente obrigado a colaborar com os outros homens para a construção do mundo, sem com isto dizer que o Eros deve terminar a sua atividade no espaço humano ou mundano"

"A estrutura interior do Evangelho exige que, para imitar a Cristo, o homem tenha de arriscar tudo numa só jogada, sem se importar com mais nada. O deixar tudo é absoluto e exclui até o olhar para trás, pela última vez, exclui qualquer conciliação entre seguir Jesus e o adeus à casa paterna, entre Jesus e o dever de sepultar o próprio pai, entre Jesus e qualquer outra coisa que pudesse condicionar o caráter absoluto da entrega"

"Tudo depende – se quisermos ver autenticamente segundo o Espírito Santo – da capacidade de redescobrir o Evangelho através duma nova abertura interior. E quanto mais direta e profundamente a abertura do olhar interior conduzir para o centro do Evangelho, tanto mais verdadeira e eclesial será então a espiritualidade. Nenhum enviado verdadeiro acreditou ou pretendeu fundar, através da missão que lhe foi confiada, uma nova espiritualidade. Por isso mesmo se tornam desde o princípio suspeitas, e com toda a probabilidade estéreis, as tentativas dum indivíduo, dum grupo ou dum Estado, para criar e configurar até ao último pormenor uma espiritualidade nova e própria. Os grupos aos quais o Espírito não presenteou com carismas especiais devem estar agradecidos com o fato de poderem permanecer no anonimato da Ecclesia ancilla e nele poderem levar a cabo uma existência dedicada ao serviço do amor"

"Deus é o fim último das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a possibilidade de revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas."

Fonte: http://teologia-contemporanea.blogspot.com/2008/02/hans-urs-von-balthasar-1905-1988.html

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Relação do amor (Pe. Paulo Ricardo)


" A Trindade se revela de forma extraordinária na cruz. O que nós aprendemos na cruz? De alguma forma na cruz, Deus está revelando o seu próprio Ser. Deus é amor! Mas nós não sabiamos o que era amor. A palavra 'amor' já existia antes de Jesus, mas nós não sabiamos o que era ela, foi revelado por Deus. E amor consiste em uma morte ressucitada, uma morte que é fonte de vida. Isto é o amor.
O pecado é justamente o contrário, é uma vida mortiféra, uma vida em que voce quer se salvar, mas quanto mas voce busca se salvar e ser feliz por você mesmo, mas você afunda nessa areia movedissa. Não existe possibilidade nenhuma de vida verdadeira se nós não aprendermos a coragem de amar, ou seja, a coragem de morrer e viver! O nosso pecado original quer que nós procuremos uma alternativa, mas precisamos ter a capacidade de dar a vida e morrer por alguém.
O amor é uma sarça ardente que queima sem se consumir, morre mas ressucita ao mesmo tempo. A imagem da sarça é a melhor imagem para dizer Deus, pois Deus é uma morte ressucitada.
A morte e a vida estão em Deus, Ele já é um drama, pois o drama já esta no coração da Trindade, e com a vida de Jesus, foi trazida para a Terra a feliz realidade daquilo que Jesus é em Deus: Ele é a revelação que se tornou acessível a nós. A Revelação não é uma mensagem, mas sim uma Pessoa. A Revelação não é um livro, o cristianismo não é uma religião de um livro, como assim o é o Judaísmo e o Islamismo, mas é a religião de uma Pessoa que sua história não coube num livro pois nem o livro contém aquilo que Ele é. Jesus revela o rosto do Pai que é amor, e se quisermos saber o que é o homem, devemos olhar para Jesus. Nós não sabiamos o que era um homem, não só não sabiamos o que era amar como também não sabiamo o que era um homem de verdade. Imaginem no mato no interior do país, uma pequena colônia de pessoas que nasceram apenas com 4 dedos em cada mão. E eles não tem contato co muita gente, casam entre si, todo mundo nasce com 4 dedos. Um belo dia chega um forasteiro com 5 dedos e todo mundo diz: 'Olha um aleijado!' Mas por que dizem isso? Porque nunca tinham visto um homem inteiro. Nós somos filhos de pecadores, netos de pecadores, bisnetos de pecadores, nós nunca vivmos um homem. Jesus nos revela o que é ser gente..." (Pe. Paulo Ricardo)

In cena Domini 2008 (Papa Bento XVI)


Queridos irmãos e irmãs!
São João começa a sua narração sobre como Jesus lavou os pés aos seus discípulos com uma linguagem particularmente solene, quase litúrgica: "Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amara os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles" (13, 1). Chegou a "hora" de Jesus, para a qual a sua obra estava orientada desde o início. O que constitui o conteúdo desta hora, João descreve-o com duas palavras: passagem (metabainein, metabasis) e agape amor. As duas palavras explicam-se reciprocamente; ambas descrevem a Páscoa de Jesus: cruz e ressurreição, crucifixão como elevação, como "passagem" para a glória de Deus, como um "passar" do mundo para o Pai. Não é como se Jesus, depois de uma breve visita ao mundo, agora simplesmente partisse de novo e voltasse para o Pai. A passagem é uma transformação. Ele leva consigo a sua carne, o seu ser humano. Na Cruz, ao entregar-se a si mesmo, Ele é como que fundido e transformado numa nova maneira de ser, na qual agora está sempre com o Pai e contemporaneamente com os homens.
Transforma a Cruz, o acto da morte, num acto de doação, de amor até ao fim. Com esta expressão "até ao fim" João remete antecipadamente para a última palavra de Jesus na Cruz: tudo foi levado até ao fim, "tudo está consumado" (19, 30). Mediante o seu amor a Cruz torna-se metabasis, transformação do ser homem no ser partícipe da glória de Deus. Nesta transformação Ele envolve todos nós, arrebatando-nos para dentro da força transformadora do seu amor a ponto de, no nosso ser com Ele, a nossa vida se tornar "passagem", transformação. Assim recebemos a redenção ser partícipes do amor eterno, uma condição para a qual tendemos com toda a nossa existência.
Este processo essencial da hora de Jesus é representado no lava-pés numa espécie de profético acto simbólico. Nele Jesus evidencia como um gesto concreto precisamente o que o grande hino cristológico da Carta aos Filipenses descreve como o conteúdo do mistério de Cristo. Jesus depõe as vestes da sua glória, entreita-nos com o "manto" da humanidade e faz-se servo. Lava os pés sujos dos discípulos e torna-os assim capazes de aceder ao banquete divino para o qual Ele os convida. As purificações cultuais e exteriores, que purificam o homem ritualmente, deixando-o contudo tal como ele é, são substituídas pelo banho novo: Ele torna-nos puros mediante a sua palavra e o seu amor, mediante o dom de si mesmo. "Vós já estais limpos, devido à palavra que vos tenho dirigido", dirá aos discípulos no sermão sobre a videira (Jo 15, 3). Lava-nos sempre de novo com a sua palavra. Sim, se acolhemos as palavras de Jesus em atitude de meditação, de oração e de fé, elas desenvolvem em nós a sua força purificadora. Dia após dia somos como que cobertos de várias formas de sujidade, de palavras vazias, de preconceitos, de sabedoria limitada e alterada; uma múltipla semifalsidade ou falsidade aberta infiltra-se continuamente no nosso íntimo.
Tudo isto ofusca e contamina a nossa alma, ameaça-nos com a incapacidade para a verdade e para o bem. Se acolhermos as palavras de Jesus com o coração atento, elas revelam-se verdadeiras lavagens, purificações da alma, do homem interior. É para isto que nos convida o Evangelho do lava-pés: deixarmo-nos sempre de novo lavar com esta água pura, deixar-nos tornar capazes da comunhão convivial com Deus e com os irmãos. Mas do lado de Jesus, depois do golpe da lança do soldado, saiu não só água, mas também sangue (Jo 19, 34; cf. 1 Jo 5, 6.8). Jesus não apenas nos falou, não nos deixou só palavras. Ele ofereceu-Se a Si mesmo. Lava-nos com o poder sagrado do seu sangue, isto é, com o seu doar-se "até ao extremo", até à Cruz. A sua palavra é mais que um simples falar; é carne e sangue "pela vida do mundo" (Jo 6, 51). Nos sagrados Sacramentos, o Senhor ajoelha-se sempre de novo diante dos nossos pés e purifica-nos. Rezemos-Lhe para que do banho sagrado do seu amor sejamos cada vez mais profundamente penetrados e assim deveras purificados!
Se ouvirmos o Evangelho com atenção, podemos aperceber-nos de dois aspectos diversos no acontecimento do lava-pés. O lava-pés que Jesus doa aos seus discípulos é antes de tudo simplesmente acção sua o dom da pureza, da "capacidade para Deus" que lhes ofereceu. Mas depois o dom torna-se um modelo, a tarefa de fazer a mesma coisa uns pelos outros. Os Padres qualificaram esta duplicidade de aspectos do lava-pés com as palavras sacramentum e exemplum. Sacramentum significa neste contexto não um dos sete sacramentos, mas o mistério de Cristo no seu conjunto, da encarnação até à cruz e à ressurreição: este conjunto torna-se a força restabelecedora, a força transformadora para os homens, torna-se a nossa metabasis, a nossa transformação numa forma nova de ser, na abertura para Deus e na comunhão com Ele. Mas este novo ser que Ele, sem merecimentos nossos, simplesmente nos doa deve depois transformar-se em nós na dinâmica de uma nova vida. O conjunto de dom e exemplo, que encontramos na perícope do lava-pés, é característico para a natureza do cristianismo em geral. O cristianismo não é uma espécie de moralismo, um simples sistema ético. No começo não estão as nossas acções, a nossa capacidade moral. Cristianismo é antes de tudo dom: Deus doa-se a nós não dá algo, mas doa-se a si mesmo. E isto acontece não só no início, no momento da nossa conversão. Ele permanece continuamente Aquele que doa. Oferece-nos sempre de novo os seus dons. Precede-nos sempre. Por isso a acção principal do ser cristão é a Eucaristia: a gratidão por termos sido gratificados, a alegria pela vida nova que Ele nos dá.
Mas com isto não permanecemos destinatários passivos da bondade divina. Deus gratifica-nos como parceiros pessoais e vivos. O amor doado é a dinâmica do "amar juntos", deseja ser em nós vida nova a partir de Deus. Assim compreendemos a palavra que, no final da narração do lava-pés, Jesus diz aos seus discípulos e a todos nós: "Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei, também vós vos deveis amar uns aos outros" (Jo 13, 34). O "novo mandamento" não consiste numa norma nova e difícil, que até então não existia. O aspecto novo é o dom que nos introduz na mentalidade de Cristo. Se considerarmos isto, percebemos como com muita frequência estamos distantes com a nossa vida desta novidade do Novo Testamento; quanto pouco damos à humanidade o exemplo do amar em comunhão com o seu amor. Assim permanecemos-lhe devedores da prova de credibilidade da verdade cristã, que se demonstra no amor. Precisamente por isto desejamos muito mais rezar ao Senhor para que nos torne, através da sua purificação, maduros para o mandamento novo.
No Evangelho do lava-pés o diálogo de Jesus com Pedro apresenta ainda outro aspecto da prática de vida cristã, ao qual queremos por fim dirigir a nossa atenção. Num primeiro momento, Pedro não quisera que o Senhor lhe lavasse os pés: esta inversão da ordem, isto é, que o mestre Jesus lavasse os pés, que o senhor assumisse as funções do servo, contrastava totalmente com o seu temor reverencial para com Jesus, para com o seu conceito de relação entre mestre e discípulo. "Nunca me lavarás os pés", diz a Jesus com a sua habitual veemência (Jo 13, 8). O seu conceito de Messias incluía uma imagem de majestade, de grandeza divina. Tinha que aprender sempre de novo que a grandeza de Deus é diversa da nossa ideia de grandeza; que ela consiste precisamente em descer, na humildade do serviço, na radicalidade do amor até ao total autodespojamento. E também nós devemos aprendê-lo sempre de novo, porque sistematicamente desejamos um Deus do sucesso e não da Paixão; porque não somos capazes de nos apercebermos que o Pastor vem como Cordeiro que se doa e assim nos conduz ao prado justo.
Quando o Senhor diz a Pedro que sem o lava-pés não teria podido ter parte alguma com Ele, Pedro imediatamente pede impetuoso que lhe sejam lavadas também as mãos e a cabeça. A isto segue-se a palavra misteriosa de Jesus: "Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés" (Jo 13, 10). Jesus faz alusão a um banho que os discípulos já tinham feito; para participar no banquete agora só era necessário o lava-pés. Mas naturalmente esconde-se nisto um significado mais profundo. Ao que se faz alusão? Não sabemos com certeza. Contudo tenhamos presente que o lava-pés, segundo o sentido de todo o capítulo, não indica um único Sacramento específico, mas o sacramentum Christi no seu conjunto o seu serviço de salvação, a sua descida até à cruz, o seu amor até ao extremo, que purifica e nos torna capazes de Deus. Mas aqui, com a distinção entre banho e lava-pés, torna-se ainda perceptível uma alusão à vida na comunidade dos discípulos, à vida Igreja. Parece claro que o banho que nos purifica definitivamente e não deve ser repetido é o Baptismo o ser imerso na morte e ressurreição de Cristo, um facto que transforma profundamente a nossa vida, dando-nos como que uma nova identidade que permanece, se não a deitarmos fora como fez Judas. Mas também na permanência desta nova identidade, doada pelo Baptismo, para a comunhão convival com Jesus temos necessidade do "lava-pés". De que se trata? Parece-me que a Primeira Carta de São João nos dê a chave para o compreender. Nela lê-se: "Se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e purificar-nos de toda a iniquidade" (1, 8s.). Precisamos do "lava-pés", de lavar os pecados de todos os dias, e para isto temos necessidade da confissão dos pecados, da qual fala São João nesta Carta. Devemos reconhecer que também na nossa nova identidade de baptizados pecamos. Precisamos da confissão do modo como ela ganhou forma no Sacramento da reconciliação. Nele o Senhor lava-nos sempre de novo os pés sujos e nós podemos sentar-nos à mesa com Ele.
Mas assim assume um novo significado também a palavra, com a qual o Senhor alarga o sacramentum fazendo dele o exemplum, um dom, um serviço pelo irmão: "Ora, se Eu vos lavei os pés, sendo Senhor e Mestre, também vós deveis lavar os pés uns aos outros" (Jo 13, 14). Devemos lavar-nos os pés uns aos outros no recíproco serviço quotidiano do amor. Mas devemos lavar-nos os pés também no sentido de que nos perdoamos sempre de novo uns aos outros. A ofensa que o Senhor nos perdoou é sempre infinitamente maior do que todas as ofensas que outros poderão ter em relação a nós (cf. Mt 18, 21-35). A isto nos exorta a Quinta-Feira Santa: a não deixar que o rancor para com o próximo se torne no fundo um envenenamento da alma. Exorta-nos a purificar continuamente a nossa memória, perdoando-nos reciprocamente de coração, lavando os pés uns dos outros, para assim podermos ir juntos ao banquete de Deus.
A Quinta-Feira Santa é um dia de gratidão e de alegria pelo grande dom do amor até ao extremo, que o Senhor nos fez. Neste momento rezemos ao Senhor para que gratidão e alegria se tornem em nós a força de amar juntos com o seu amor. Amém.

Celibato e Eucaristia (Pe. Paulo Ricardo)


Nos últimos tempos, temos enfrentado um ataque frontal contra o celibato sacerdotal. Muitos afirmam que o fenômeno da pedofilia é culpa do celibato sacerdotal. Forçando o casamento de padres para que não sejam “anormais”. São ideias do mundo que admitem não haver a possibilidade de ser uma pessoa normal socialmente se não obtiver a relação sexual.

O nosso maior exemplo disso é Jesus Cristo e a Virgem Maria, que alcançaram o objetivo do Pai. O ser humano não é escravo de sua sexualidade, a sua forma de viver o sexo é completamente diferente [da forma como o vivem] dos animais.

Quando o animal está no cio, não há opção, ele precisa da relação sexual. Mas, os seres humanos são diferentes, quando vivem a relação sexual têm a relação com a alma também. Animais não entram em crise, não precisam de psicólogos. A vaca não fica deprimida.

Quando a relação sexual é sem a entrega, ela é frustrante e alimenta um sentimento de morte, de perda. Freud constatou: "O sexo está unido ao sentimento de morte. A energia vivida do sexo está ligada a uma tendência para morte." Porque o ser humano, ao ter relação sexual, não deve fazê-la com o corpo, mas com a alma.

Não somos meros animais ligados aos instintos, viemos a este mundo para o amor, esta é a nossa vocação principal aqui na terra, para um dia mergulhar na Santíssima Trindade no céu. Não existe vocação para o egoísmo.


Muitos confundem a crise emocional com a crise de conversão. Um rapaz quer ser padre, mas pensa em cair na noitada e sair com muitas mulheres. Isso não é crise vocacional, mas crise de conversão. Você pode escolher ser um sacerdote, ser casado, médico, mas é necessário o discernimento vocacional.

A vocação primeira é saber que somos chamados ao amor no céu; mas, aqui na terra, já devemos dar os primeiros passos, como uma criança que quer aprender a andar e, muitas vezes, cai.

Fui reitor do seminário durante 15 anos, e nos encontros vocacionais anuais, eu falava: “Vocês nasceram para fazer a entrega da sua vida por amor, seja para se casar, na sala de aula, sendo um celibatário. De qualquer modo, você nasceu para doar sua vida; esta é a nossa vocação”.
O mundo não conhece o celibato sacerdotal, pois não conhece o amor, não conhece a Deus. O sentimento agradável não é o amor, que acontece mesmo quando o sentimento evapora, pois o sentimento é ligado ao corpo. Há momentos em que estamos entusiasmados e outros, não.

O amor não é o sentimento, mas a entrega, a doação fiel. O mundo também não entende o casamento.

Papa Bento XVI falou a respeito do celibato sacerdotal: Que no mundo, no qual ninguém quer se casar, mas ter apenas uma amizade colorida, muitas pessoas ficam reivindicando o casamento dos padres. Existe uma diferença muito grande entre o celibato do padre e o solteiro no mundo, pois este último está solto e não querer se casar é o "não" ao compromisso e à responsabilidade. E o celibato sacerdotal é um "sim", visto que é uma entrega. O mundo é contra o celibato dos padres, pois não quer aceitar que para haver a entrega por amor não é necessário sexo.

Estes escândalos de pedofilia com padres é por falta do celibato [verdadeiro], deixando o amor e vivendo o egoísmo.

O padre poderia deixar de ser celibatário, mas esta hipótese a Igreja não gostaria que acontecesse, pois o sacerdócio é adequado ao celibato.


O sacerdote é o homem que celebra a Eucaristia. O sacerdócio, nas religiões pagãs, muitas vezes, é o homem que mata; mas a partir de Jesus, o sacerdote é o sacrifício morrendo para si e vivendo para Cristo.

Jesus é o Sacerdote verdadeiro, pois se ofereceu em sacrifício. Todos somos membros do Corpo de Cristo, por isso devemos nos entregar a Deus na cruz. Pedro deixou a sua família para se entregar a Deus e viveu o celibato. Durante muitos séculos, a Igreja ordenou homens casados que começaram a viver o celibato.

O padre é um fiel escolhido no meio dos fiéis para representar Cristo, o Esposo. O sacerdote é uma pessoa-sacramento, um sinal do Cristo. Padres vestem batina preta justamente para lembrar como Cristo se entregou na cruz. Se o padre é o esposo, assim não é conveniente que ele tenha outra esposa.

Papa João Paulo II colocou um ponto final nas teologias liberais: A Igreja não tem o poder de ordenar mulheres, elas podem ser muitas coisas, mas não podem ser pai, esposo, assim como não podem ser padre. O sacerdote é o pai espiritual da comunidade e esposo da Igreja. Como o homem, que não tem o direito de ficar grávido. Deus nos criou assim.

Cientistas querem fazer mudança de sexo para os homens engravidarem, pois querem brincar de Deus. A Igreja não é Deus, mas serva do Senhor. A Virgem Maria era digna para ser sacerdote, mas Jesus escolheu Doze pecadores: Ele queria estes homens para simbolizar a paternidade espiritual. O padre é como um pai, um esposo.

Um sacerdote não se casa, pois é sinal de Cristo Esposo. A Igreja poderia ordenar um homem casado? Sim, mas não é a vontade da Igreja .

O índice da pedofilia entre padres é muito menor do que os casos ocorridos no resto da população, não podemos deixar que isso abale nossa fé. Padres são homens pecadores, que se confessam, esperamos que eles entreguem a vida a Deus. O padre que cometer um pecado grave, como a pedofilia, a Igreja o afasta deste ministério, pois ele quebrou a sua imagem do Cristo na Igreja.

Por que beijamos as mãos do padre? É por sua ordenação, que representa as mãos chagadas de Cristo, as quais se elevam na apresentação do Corpo e do Sangue precioso de Cristo.

Se, na hora da minha morte, eu tivesse de escolher entre ter ao meu lado a Virgem Santíssima ou um padre pedófilo, com o pecado mortal, eu escolheria o padre pedófilo, pois ele pode me absolver dos pecados. Se o demônio acha que somos intimidados com estes escândalos, ele está enganado!

Rezemos pelos sacerdotes, para que possam ser fiéis no celibato, como para os demais homens no matrimônio. Não é possível ser fiel sem Deus.

Transcrição e adaptação: Thaís Capucho

Separar pecado e pecador (Pe. Paulo)


Meus queridos irmãos, a primeira leitura de hoje [I Coríntios 6,1-11] nos deixa um pouco desconcertados porque São Paulo usa tons fortes para definir o julgamento de Deus. O apóstolo faz uma lista de pecados, a qual parece roteiro de novela: “Não vos iludais: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem pederastas, nem ladrões, nem avarentos, nem beberrões, nem insolentes, nem salteadores terão parte no reino de Deus” .

É sério e grave, São Paulo nos apresenta uma lista de pecados e afirma que as pessoas que cometem tais pecados não serão dignas do Reino dos Céus. E fala também “alguns de vós, éreis isso! Mas fostes lavados, fostes santificados, fostes justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus”.

Foi Deus quem nos lavou e nos justificou. Se Deus morreu por nós na cruz, se Deus é infinita misericórdia, como é possível falar de inferno? Nós temos de crer na seriedade do julgamento futuro, isso é muito sério.

Na Carta Encíclica “Spe Salvi”, o Papa Bento XVI diz que o juízo de Deus é para nós fonte de esperança. Como coisas tão trágicas – como o inferno e o juízo de Deus – podem trazer esperança? Meus irmãos, é caridade da Igreja falar do inferno. Existem pregadores que não querem falar do inferno e dizem que Deus é amor, misericórdia, por isso como poderia existir o inferno. Isso é artimanha do diabo: transformar a confiança em Deus em presunção, ou seja, a pessoa não leva a sério suas responsabilidades porque tem a presunção de que será perdoada!

Nunca pregamos tanto a misericórdia de Deus e estivemos tão atolados em pecados, tudo isso por causa da presunção. E assim muitos pensam: “Se o inferno não existe, o que tem se eu roubar esse dinheiro?” Examine o estilo de vida das pessoas que não creem na existência do inferno, elas vivem uma vida demoníaca. Então eu posso matar, roubar, pois eu vou ser perdoado. Se não acreditamos mais na existência do inferno nos transformamos em pessoas para além do bem e do mal. Esse foi o pecado de Adão e Eva, que comeram do fruto da árvore do bem e do mal; isso é para mostrar que não cabe a nós, seres humanos, decidir a bondade e a maldade, isso cabe somente a Deus, que criou os seres humanos.
O pecado é aquilo que me destrói, me faz uma pessoa pior, e eu não posso agora usar a misericórdia de Deus para justificar minha destruição. Se a mãe ama seu filho ela odeia o pecado que o destrói. Nós que somos seguidores do Deus, que é Amor, temos de alimentar em nosso coração um amor infinito pelos pecadores e ódio supremo pelo pecado. O mundo é branco e alvo como a neve pura ou, então, vermelho escarlate como o pecado. Temos de ser capazes de dividir essas duas realidades. Como se dentro de mim existe o bem e o mal? É possível se nós compreendermos que devemos odiar nossos pecados, esse é o primeiro dever do cristão.

A grande diferença entre o cristão e o não cristão, no campo moral, é que o cristão peca e odeia o seu pecado e o não cristão peca e faz do pecado um projeto de vida, um jeito de viver. Se existe ódio ao pecado você está no bom caminho, mas não faça dele [pecado] um projeto de vida. Somente quando nós odiamos o pecado é que acontece este milagre: “Fostes justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de nosso Deus”.

Nós precisamos usar essa espada que divide pecado e pecador, e é muito importante usá-la. Nós amamos nossos irmãos pecadores, mas odiamos o [pecados] que eles fazem. O sacerdote atende confissão sentado porque ali ele age como um juiz, para absolver o pecador.

Deus vai pegar o meu pecado, levá-lo para o fogo da Geena e me levar para o Céu. O padre corta a “corda” que une o pecado ao pecador. O pecado recebe de Deus o ódio eterno e o pecador a misericórdia do Senhor; nós separamos o que é “branco” do que é “vermelho” e é isso que faz o Cristianismo. Mas o pecador não enxerga isso, acha que ele é seu pecado. Quando o padre condena o pecado ele [pecador] acha que este o condena; no entanto, o pecado não faz parte do pecador. Por isso odeie seu pecado, vire as costas para ele todos os dias!
Santo Isaac de Nínive dizia o seguinte: “O homem que chora os próprios pecados é maior que este que ressuscita os mortos”. Por quê? Quando você chora os próprios pecados o Reino de Deus está acontecendo em você. Por isso Bento XVI afirma que o juízo de Deus é fonte de grande esperança. Imagine se chegássemos ao Trono da Graça e Deus falasse: “Entre assim mesmo”. Você gostaria de entrar no Reino com esse coração mesquinho?

Existem pessoas com o coração fechado. É só lembrar dos sistemas de Governos opressores, que só existem para fazer o mal, fechados para Deus e para a bondade. Esse tipo de pessoa vai se fechar para Deus na hora da verdade. Pessoas assim, soberbas, duras, não se dobram ao Senhor. Há gente que está morrendo de sede, mas não tem coragem de se rebaixar para lhe pedir o copo de água que está na sua mão. O Papa diz que estas pessoas não são muito comuns.

E também há pessoas como nós, que temos esse coração medíocre, somos honestos, mas de vez em quando mentimos; nós rezamos, mas de vez em quando perseguimos quem reza; perdoamos, mas também guardamos mágoa. Imagine se vamos entrar no céu com um coração assim eternamente!? Não pode ser! Não somos gente, somos um campo de batalha e Deus não quer que entremos no Céu assim, por isso nos dá o purgatório.

Hoje, olhamos para a cruz e enxergamos um pouco do amor de Deus, mas no Céu vamos ver esse amor cara a cara. Vamos ver o nosso coração que pouco amou. E pensaremos: “Meu Deus, que grandeza vosso amor! Mas que miséria a minha correspondência!”. Será o arrependimento de quem enxerga o quanto Deus se entregou por nós e nós não nos entregamos a Ele; essa dor se chama “purgatório”. Ali seremos purificados, Deus Pai vai queimar as nossas misérias, e com uma espada, Ele vai nos separar dos nossos pecados, então poderemos entrar no céu. Essa é nossa grande esperança. No purgatório só existe uma porta para o céu, por isso quem está lá [no purgatório] já está salvo, não desce para o inferno. Por isso, reze pelos que estão no purgatório, isso é caridade.

O inferno existe não porque Deus não é misericórdia, mas porque somos livres para voltarmos nossas costas para o Senhor. Então leve a sério a sua vida, tenha medo de perder Deus! Ao mesmo tempo, devemos ter infinita confiança n'Ele, confiança de que Ele não morreu inutilmente e de Ele fará de tudo para nos salvar.

De nada nos adianta dizermos que amamos a Deus Pai se não odiarmos os nossos pecados para sermos d'Ele. Se você se arrepende dos pecados, o Todo-poderoso precipita o pecado no inferno e salva o pecador. Nós precisamos chegar no céu com o coração transformado, e isso é misericórdia de Deus para nós.

Por isso, ninguém está autorizado a parar de pregar sobre a existência do inferno. O julgamento de Deus nos fins dos tempos é para nós fonte de grande esperança. Nosso Senhor quer nos salvar. Se você vê que na sua família há pessoas fazendo do pecado um projeto de vida, ajude-as a sair desse mal [pecado], mas se elas não o ouvirem, exerça seu sacerdócio como diz a música dos Anjos de Resgate: “Te amar por quem não te ama, te adorar por quem não te adora....” Você pode amar, adorar e esperar em Deus pelas pessoas de sua família. Podemos também pedir perdão por elas, também podemos chorar os pecados dos outros, de alguma formar isso vai ajudá-los.

Fonte: Canção Nova

O segredo do amor (Pe. Paulo Ricardo)


No Evangelho de hoje, São Lucas nos traz uma Palavra bem exigente. “A vós que me escutais, eu digo: Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam”. Nessa passagem bíblica Jesus diz do seu Pai do céu, pois quando éramos inimigos de Deus, Deus nos amava e nos deu o Seu Filho.

Como aplicar isso em nossa vida? Vamos primeiro saber o que é um amigo. O amor é querer o bem da outra pessoa e exemplo disso é que muitos querem bem ao Papa. Mas podemos dizer que somos amigos do Santo Padre? Não, nós não somos amigos dele, pois amizade exige reciprocidade; amigos é quando os dois querem o bem um do outro. Quando vivemos no pecado, nos afastamos de Deus, porque não haverá uma reciprocidade do amor. Deus nos ama, mas e nós?

Deus Pai não é nosso inimigo, a vontade d'Ele não é uma agressão para nossas vidas. A vontade do Senhor é a melhor coisa que poderia nos acontecer.


Muitas vezes, pensamos que Deus é um agressor e que medo temos de falar para Ele: “Faça de mim o que quiser e quando quiser, Senhor”, temos medo de dar a nossa vida ao Senhor. Jesus viveu esse drama no Horto das Oliveiras: também teve medo de fazer a vontade do Pai; por isso, só Cristo pode nos dar a graça de dizer: “Pai, faça segundo a Sua vontade”.

Deus não exige que O amemos para nos amar também; Ele nos ama mesmo quando não O amamos.
Somos inimigos de Deus quando pecamos, porque não amamos a quem nos ama, “viramos a cara” para Ele a fim de fazermos as nossas vontades. É como a história do filho pródigo, que saiu de casa, se tornou inimigo do pai, mas o pai permanece na amizade com ele, e ao voltar [filho pródigo] é recebido com alegria, o pai fica feliz e o acolhe e o enche de beijos.

Deus Pai quer ser nosso Amigo custe o que custar, Ele sente saudade de nós e nos procura muito mais do que a Ele.

O Senhor faz muita festa, mais que um pai carinhoso; Ele nos ama infinitamente, não importa o preço, Ele deu o Sangue de Seu Filho para nos salvar. “Como eu não amar de volta quem me amou assim!”, disse Santo Agostinho ao olhar a cruz.
Nós cristãos sabemos o que o mundo não sabe: somos bilionários do amor de Deus! Somos amados de forma infinita e precisamos corresponder a esse amor para ter amizade com o Senhor. No entanto, trazemos uma profunda carência porque nos esquecemos do amor infinito de Deus Pai por nós.

No semestre passado, tive um momento de bobeira e comecei a lembrar que desde minha saída do seminário ninguém veio me visitar; eu que vivi para eles. E comecei aquele vitimismo, até que o meu anjo da guarda me acordou e disse assim: “Que estupidez é essa, Padre Paulo! Você já é amado!”. Por isso, digo a você: Seja filho de Deus! Seja amigo de Deus e O ame!

Hoje Deus nos diz para amarmos nossos inimigos também. Amar e não esperar resposta, porque se você esperar respostas, você não terá amigos.

Você não é vítima! A Vítima morreu na cruz: Nosso Senhor Jesus Cristo! Você tem uma conta transbordante de amor, então comece a gastar esse amor e ame. Faça com as pessoas ao redo, o que Deus fez com você: o amou antes. Eis o segredo: Ame sem esperar a resposta, porque você já foi amado.

Você não é melhor que ninguém, você já foi e é amado e ao amar o seu inimigo não faz mais do que sua obrigação.

Fonte: Canção Nova